Memórias do Morro Santa Marta: mudanças entre as edições

Sem resumo de edição
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<p style="margin-bottom:12.0pt; text-align:justify">'''Autor: Itamar Silva'''</p>  
<p style="margin-bottom:12.0pt; text-align:justify">'''Autor: Itamar Silva'''</p>  
= Introdução =
= Introdução =
<p style="text-align: right;"><br/> “''Morar no morro pra mim é felicidade. Eu levo a vida maior tranquilidade. No meu barraco a tristeza não mora porque lá em cima a alegria é toda hora. Não acredita, venha ver de perto o Morro é um verdadeiro paraíso aberto...''” (samba cantado pelo “Compositor” no documentário Duas Semanas no Morro - de Eduardo Coutinho - 1987)</p> <p style="text-align: right;">&nbsp;</p>  
<p style="text-align: right;"><br/> “''Morar no morro pra mim é felicidade. Eu levo a vida maior tranquilidade. No meu barraco a tristeza não mora porque lá em cima a alegria é toda hora. Não acredita, venha ver de perto o Morro é um verdadeiro paraíso aberto...''” (samba cantado pelo “Compositor” no documentário Duas Semanas no Morro - de Eduardo Coutinho - 1987)</p> <p style="text-align: right;">&nbsp;</p>  
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Uma vez situado este que vos fala, deixemos fluir a história:
Uma vez situado este que vos fala, deixemos fluir a história:


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= O Santa Marta =
= O Santa Marta =
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Também nesse período era comum, em dias de chuva, encontrar grupos de moradores limpando trechos de vala. Era necessário desobstruir o caminho das águas, do contrário, os barracos desciam junto. A necessidade forçou a realização de muitos mutirões. Hoje, se você convida um jovem ou mesmo um adulto do Santa Marta para limpar uma vala, é bem provável que a resposta seja: “eu não sou gari pra limpar vala”. Mas nem sempre foi assim. Limpar vala era uma necessidade daqueles que moravam em cima de uma ou tinha seus barracos nas margens da rota do lixo. Quando chovia, principalmente temporal forte, era hora de “cair dentro”, enxada, ancinho, garfo, pedaço de pau ou qualquer coisa que ajudasse a empurrar o lixo vala abaixo. Os objetivos eram claros: abrir caminho para a água que vinha com muita velocidade e aproveitar essa força para fazer o lixo chegar até a rua, onde a Comlurb o recolhia. Mas a motivação principal era evitar que a água levasse os barracos juntamente com o lixo. Em dia após uma chuva forte a cena era a mesma: a escadaria entulhada de paus, ferro, restos de madeira, colchões de mola muito velhos, muita lata e uma quantidade grande de lama. Esse lixo chegava até a Rua São Clemente onde os trabalhadores da DLU (Departamento de Limpeza Urbana) passavam dois a três dias limpando.
Também nesse período era comum, em dias de chuva, encontrar grupos de moradores limpando trechos de vala. Era necessário desobstruir o caminho das águas, do contrário, os barracos desciam junto. A necessidade forçou a realização de muitos mutirões. Hoje, se você convida um jovem ou mesmo um adulto do Santa Marta para limpar uma vala, é bem provável que a resposta seja: “eu não sou gari pra limpar vala”. Mas nem sempre foi assim. Limpar vala era uma necessidade daqueles que moravam em cima de uma ou tinha seus barracos nas margens da rota do lixo. Quando chovia, principalmente temporal forte, era hora de “cair dentro”, enxada, ancinho, garfo, pedaço de pau ou qualquer coisa que ajudasse a empurrar o lixo vala abaixo. Os objetivos eram claros: abrir caminho para a água que vinha com muita velocidade e aproveitar essa força para fazer o lixo chegar até a rua, onde a Comlurb o recolhia. Mas a motivação principal era evitar que a água levasse os barracos juntamente com o lixo. Em dia após uma chuva forte a cena era a mesma: a escadaria entulhada de paus, ferro, restos de madeira, colchões de mola muito velhos, muita lata e uma quantidade grande de lama. Esse lixo chegava até a Rua São Clemente onde os trabalhadores da DLU (Departamento de Limpeza Urbana) passavam dois a três dias limpando.
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= O samba =
= O samba =


A Furiosa, pelo que contam os antigos, era um bloco “de sujo” que saía nos dias de carnaval e circulava pelo bairro, indo inclusive até Copacabana. No entanto, a Furiosa passou a ser perseguida pela polícia acusa- da de ser bloco de arrumação (saía para roubar). Tem história de o bloco ter saído e voltado completamente desfeito, porque a polícia havia dado em cima. Pelos relatos, a Furiosa saiu até 1957, talvez. O Bloco do Boi, sob a coordenação do Seu Adauto – que tinha uma birosca quase chegando ao Cantão, até 1976 foi a expressão do carnaval do Santa Marta. Puxado por uma armação que representava o boi e outra que representava uma mulinha, o bloco animava os dias de carnaval. O Seu Waldomiro, ou melhor, simplesmente Miro, brincou dentro daquela armação por vários anos seguidos. Hoje ainda lembra com saudades: “o Bloco do Boi é a nossa alegria... O boi samba, o boi da pesada, o nosso bloco anima a rapaziada ....” (samba de quadra do Império de Botafogo).
A Furiosa, pelo que contam os antigos, era um bloco “de sujo” que saía nos dias de carnaval e circulava pelo bairro, indo inclusive até Copacabana. No entanto, a Furiosa passou a ser perseguida pela polícia acusada de ser bloco de arrumação (saía para roubar). Tem história de o bloco ter saído e voltado completamente desfeito, porque a polícia havia dado em cima. Pelos relatos, a Furiosa saiu até 1957, talvez. O Bloco do Boi, sob a coordenação do Seu Adauto – que tinha uma birosca quase chegando ao Cantão, até 1976 foi a expressão do carnaval do Santa Marta. Puxado por uma armação que representava o boi e outra que representava uma mulinha, o bloco animava os dias de carnaval. O Seu Waldomiro, ou melhor, simplesmente Miro, brincou dentro daquela armação por vários anos seguidos. Hoje ainda lembra com saudades: “o Bloco do Boi é a nossa alegria... O boi samba, o boi da pesada, o nosso bloco anima a rapaziada ....” (samba de quadra do Império de Botafogo).


Em 1975, o Santa Marta entra na rota dos blocos or- ganizados. O contexto era de desprestígio e perseguição aos blocos de embalo, aqueles que não competiam entre si, que saíam pelo prazer de se divertir. Temos que lembrar que o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos são símbolos dessa expressão do carnaval carioca. Desprestigiados e marginalizados durante anos, voltam a ganhar destaque na onda de revitalização do carnaval de Rua do Rio de Janeiro. No Santa Marta, um grupo de sambistas, à frente Zé Diniz, decide criar um bloco para desfilar no carnaval oficial.
Em 1975, o Santa Marta entra na rota dos blocos organizados. O contexto era de desprestígio e perseguição aos blocos de embalo, aqueles que não competiam entre si, que saíam pelo prazer de se divertir. Temos que lembrar que o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos são símbolos dessa expressão do carnaval carioca. Desprestigiados e marginalizados durante anos, voltam a ganhar destaque na onda de revitalização do carnaval de Rua do Rio de Janeiro. No Santa Marta, um grupo de sambistas, à frente Zé Diniz, decide criar um bloco para desfilar no carnaval oficial.


Em 1976 o Império de Botafogo, este foi o nome dado, participa do desfile oficial, ganhando o primeiro lugar no desfile do bairro de Quintino.
Em 1976 o Império de Botafogo, este foi o nome dado, participa do desfile oficial, ganhando o primeiro lugar no desfile do bairro de Quintino.


Vejamos como o primeiro presidente do Império de Botafogo conta essa história:
Vejamos como o primeiro presidente do Império de Botafogo conta essa história:
 
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Zé Diniz: “''Onde há união, há força. Vamos fundar um bloco. Eu tenho um irmão até hoje que diz, ‘nunca vi morro sem samba, nem samba sem morro’. Não tinha dinheiro, não tinha nada. Aí a rapa- ziada se reuniu e disse: vamos organizar um bloco. Foram à federação e se informaram como é que tinha que fazer. O Mauro que era da Federação de blocos deu o papel... tinha que fazer uma pesquisa aqui no morro, se havia componentes que dava pra fazer o bloco, se tinha umas 90 pessoas. A organização caminhou, marcaram reunião para dar posse à diretoria. O presidente seria o Borrachinha, meu ir- mão. Mas, no dia marcado, o Borrachinha não apareceu. Ele sentiu que não dava para a coisa naquela época.” [...] eu já era de outro bloco. Já vinha do Cantagalo, fui campeão no Cantagalo. Tinha uma bagagem já''”. Zé Diniz acabou presidente do Bloco. “''Não tinha quadra, não tinha bateria, não tinha. Não tinha nada, nada. Só tinha mesmo o meu conhecimento. Primeiramente, o que fizemos? Tem um cantão aí na rua. Olhamos lá, dissemos: aqui dá uma quadra. Com uma madeira velha do vizinho, aí, né, do barraco vizinho, fizemos lá uma cobertura, um bar, né? Um tipo bar. E fizemos um palanque do outro lado do bar, um palanque de madeira velhas. Mas não tinha som. E agora? Sem som, não tem samba. Aí o Zezé, tinha alguma comunicação. Então ele arrumou duas cornetas. Aliás, muito boas cornetas. Igual aquela não existe mais. Faltava amplificar. O Cosme arrumou o amplificador. Ali testamos o primeiro samba com sucesso.''”
Zé Diniz: “''Onde há união, há força. Vamos fundar um bloco. Eu tenho um irmão até hoje que diz, ‘nunca vi morro sem samba, nem samba sem morro’. Não tinha dinheiro, não tinha nada. Aí a rapaziada se reuniu e disse: vamos organizar um bloco. Foram à federação e se informaram como é que tinha que fazer. O Mauro que era da Federação de blocos deu o papel... tinha que fazer uma pesquisa aqui no morro, se havia componentes que dava pra fazer o bloco, se tinha umas 90 pessoas. A organização caminhou, marcaram reunião para dar posse à diretoria. O presidente seria o Borrachinha, meu irmão. Mas, no dia marcado, o Borrachinha não apareceu. Ele sentiu que não dava para a coisa naquela época.” [...] eu já era de outro bloco. Já vinha do Cantagalo, fui campeão no Cantagalo. Tinha uma bagagem já''”. Zé Diniz acabou presidente do Bloco. “''Não tinha quadra, não tinha bateria, não tinha. Não tinha nada, nada. Só tinha mesmo o meu conhecimento. Primeiramente, o que fizemos? Tem um cantão aí na rua. Olhamos lá, dissemos: aqui dá uma quadra. Com uma madeira velha do vizinho, aí, né, do barraco vizinho, fizemos lá uma cobertura, um bar, né? Um tipo bar. E fizemos um palanque do outro lado do bar, um palanque de madeira velhas. Mas não tinha som. E agora? Sem som, não tem samba. Aí o Zezé, tinha alguma comunicação. Então ele arrumou duas cornetas. Aliás, muito boas cornetas. Igual aquela não existe mais. Faltava amplificar. O Cosme arrumou o amplificador. Ali testamos o primeiro samba com sucesso.''”
 
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Alguns sambas de quadra marcaram época no Santa Marta e em especial alguns compostos pelo Zé Prego, que compunha os sambas chamados de “boi com abóbora”, mas que faziam muito sucesso na quadra. Podemos dizer que ele era um cronista bem humorado do cotidiano da favela:
Alguns sambas de quadra marcaram época no Santa Marta e em especial alguns compostos pelo Zé Prego, que compunha os sambas chamados de “boi com abóbora”, mas que faziam muito sucesso na quadra. Podemos dizer que ele era um cronista bem humorado do cotidiano da favela:


Tinha um cachorro, eu z um samba'Eu tinha um gato e z um samba também Um compadre meu me mandou um pato Eu não perdi tempo z um samba pro queim queim'Queim queim queim pra mim tá tudo bem Manda água seu Ferreira que o pato se sente bem (bis)”
<span style="background-color:#2ecc71;">"Tinha um cachorro, eu z um samba'Eu tinha um gato e z um samba também Um compadre meu me mandou um pato Eu não perdi tempo z um samba pro queim queim'Queim queim queim pra mim tá tudo bem Manda água seu Ferreira que o pato se sente bem (bis)”</span>


Obs.: Era uma forma bem humorada de protestar contra a falta de água daqueles tempos.
<span style="background-color:#2ecc71;">Obs.: Era uma forma bem humorada de protestar contra a falta de água daqueles tempos.</span>


Ou,
<span style="background-color:#2ecc71;">Ou,</span>


Sonhei com meu Império na avenida,'Pois na carnaval da vida o Império já ganhou Eu vestido de azul e branco era um'dos integrantes'da ala dos compositores'O samba de Itamar e Bernadino,'Na avenida era um Hino, de fascínio e sedução Mas quando vinha a banda do Caguta'Mamãe Maria Batuca me acordou de'um sonho bom'Acorda José, acorda José,'Todo Zé que sonha muito, vira Zé Perequeté'o José
<span style="background-color:#2ecc71;">"Sonhei com meu Império na avenida,'Pois na carnaval da vida o Império já ganhou Eu vestido de azul e branco era um'dos integrantes'da ala dos compositores'O samba de Itamar e Bernadino,'Na avenida era um Hino, de fascínio e sedução Mas quando vinha a banda do Caguta'Mamãe Maria Batuca me acordou de'um sonho bom'Acorda José, acorda José,'Todo Zé que sonha muito, vira Zé Perequeté'o José"</span>


O Império de Botafogo foi campeão em seu primeiro ano de desfile, vice no segundo e terceiro lugar no terceiro ano. Zé Diniz ocupou a presidência nos dois primeiros anos. Em seguida, o bloco passou por muitas desavenças internas e caminhou para o desaparecimento.
O Império de Botafogo foi campeão em seu primeiro ano de desfile, vice no segundo e terceiro lugar no terceiro ano. Zé Diniz ocupou a presidência nos dois primeiros anos. Em seguida, o bloco passou por muitas desavenças internas e caminhou para o desaparecimento.
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= A televisão =
= A televisão =


Antes de chegar a antena parabólica no Santa Marta, que antecedeu o “gato net”, não se podia ver a sionomia dos artistas. A imagem era duplicada, nos melhores casos, e triplicada ou quadruplica- da na maioria deles. Eram os chamados fantasmas. Havia situações muito intrigantes, as pessoas olha- vam para uma tela em preto e branco, cheia de chu- visco, onde na verdade não se via nada. Não sei como era possível achar alguém bonito ou feio com aquelas imagens. Acho mesmo que cada um abs- traía-se da di culdade, ouvia o que estava sendo dito e criava a sua imagem ideal.
Antes de chegar a antena parabólica no Santa Marta, que antecedeu o “gato net”, não se podia ver a fisionomia dos artistas. A imagem era duplicada, nos melhores casos, e triplicada ou quadruplicada na maioria deles. Eram os chamados fantasmas. Havia situações muito intrigantes, as pessoas olhavam para uma tela em preto e branco, cheia de chuvisco, onde na verdade não se via nada. Não sei como era possível achar alguém bonito ou feio com aquelas imagens. Acho mesmo que cada um abstraía-se da dificuldade, ouvia o que estava sendo dito e criava a sua imagem ideal.


Antigamente, quando poucos eram os que tinham televisão no morro, as crianças viviam procurando onde assistir um pouco de televisão.
Antigamente, quando poucos eram os que tinham televisão no morro, as crianças viviam procurando onde assistir um pouco de televisão.


Ter televisão nos anos 60, no Santa Marta, era um símbolo de muito status. Não sei bem quais eram as condições daquelas famílias, mas lembro ao me- nos de três casas que tinham televisão. Uma delas era a casa da D. Maria, mãe da Mariza e do Waldir.
Ter televisão nos anos 60, no Santa Marta, era um símbolo de muito status. Não sei bem quais eram as condições daquelas famílias, mas lembro ao menos de três casas que tinham televisão. Uma delas era a casa da D. Maria, mãe da Mariza e do Waldir.


Minha lembrança é de uma televisão grande tipo ummóvel, na sala bem arrumada, um chão encerado de vermelho e tudo nos seus lugares. A gente não po- dia fazer nenhum barulho. Acho que fui lá umas duas vezes. Outra vizinha que também tinha televisão era Dona Dahil, que morava um pouco abaixo da minha casa. Apesar de dar broncas de vez em quando, ela permitia a entrada de um grupo de “moleques”, me lembro que eram só meninos. À tardinha, a gente ia se juntando na ponte, próximo ao portão de sua casa, e, quando estava para começar a programação que que- ríamos assistir, ela abria a porta e deixava-nos entrar. Era muita ansiedade, parecia que estávamos esperan- do por uma super sessão de cinema. “Limpem os pés, nada de bagunça, silêncio se não boto todo mundo pra fora”. A gente entrava feliz e inquieto. Alguns pro- gramas me vêm à lembrança: “Ardida como pimenta”, “Rin tin tin”, “Bonanza”, “Zorro”.. Às vezes éramos ex- pulsos da sala, mas depois éramos aceitos novamente. É importante frisar que a maioria dos pais, os meus inclusive, não tinha ideia desses acontecimentos e nem mesmo autorizavam seus lhos a frequentarem a casa alheia. Era tudo meio escondido. Uma vez, mi- nha mãe soube que as crianças foram proibidas de assistirem determinado programa nessa casa. Então, minha mãe me proibiu de assistir televisão na casa de quem quer que fosse.
Minha lembrança é de uma televisão grande tipo um móvel, na sala bem arrumada, um chão encerado de vermelho e tudo nos seus lugares. A gente não podia fazer nenhum barulho. Acho que fui lá umas duas vezes. Outra vizinha que também tinha televisão era Dona Dahil, que morava um pouco abaixo da minha casa. Apesar de dar broncas de vez em quando, ela permitia a entrada de um grupo de “moleques”, me lembro que eram só meninos. À tardinha, a gente ia se juntando na ponte, próximo ao portão de sua casa, e, quando estava para começar a programação que queríamos assistir, ela abria a porta e deixava-nos entrar. Era muita ansiedade, parecia que estávamos esperando por uma super sessão de cinema. “Limpem os pés, nada de bagunça, silêncio se não boto todo mundo pra fora”. A gente entrava feliz e inquieto. Alguns programas me vêm à lembrança: “Ardida como pimenta”, “Rin tin tin”, “Bonanza”, “Zorro”.. Às vezes éramos expulsos da sala, mas depois éramos aceitos novamente. É importante frisar que a maioria dos pais, os meus inclusive, não tinha ideia desses acontecimentos e nem mesmo autorizavam seus filhos a frequentarem a casa alheia. Era tudo meio escondido. Uma vez, minha mãe soube que as crianças foram proibidas de assistirem determinado programa nessa casa. Então, minha mãe me proibiu de assistir televisão na casa de quem quer que fosse.


Bem, outra casa que também já tinha televisão era a casa do seu Saldanha. Vários amigos meus assistiam lá seus programas favoritos, parecia que eles eram um pouco mais tolerantes com as crianças. Não sei, não frequentava a casa deles.
Bem, outra casa que também já tinha televisão era a casa do seu Saldanha. Vários amigos meus assistiam lá seus programas favoritos, parecia que eles eram um pouco mais tolerantes com as crianças. Não sei, não frequentava a casa deles.


Assiti uma televisão no emprego da minha mãe.Ela trabalhava como empregada doméstica na rua Barão de Macaúbas e lá, principalmente aos sábados, podíamos ver televisão. Lá, pude acompanhar o seria- do “Perdidos no Espaço”.
Assiti uma televisão no emprego da minha mãe. Ela trabalhava como empregada doméstica na rua Barão de Macaúbas e lá, principalmente aos sábados, podíamos ver televisão. Lá, pude acompanhar o seriado “Perdidos no Espaço”.
 
Acho interessante como a Zinha conta a chegada da primeira televisão no Santa Marta: “Eu tinha quinze anos, mas eu já tinha a Rosa. Então aqui tinha um condutor de bonde. Ele morava onde é o beco da Lua Nova agora, onde é a casa do Boi. Então ele era condutor de bonde. Por favor... um dinheirinho... ele foi indeniza- do na Companhia e comprou uma televisão. Ele tinha uma senhora que tinha perna defeituosa, uma perna mais na e eles não podiam ter filho. Arrumaram uma criança pra criar... e então, quando passava o programa do Carequinha.. era a única televisão que tinha no morro... todo o morro ia pra lá, pra casa desse moço. Tinha criança trepada na mesa dele, tudo quanto era canto. Então, nesse dia as crianças começaram a pular: Carequinha! Carequinha! Quando eles já iam embora, pisaram no pé doente da mulher. Olha, a mulher falou: “a partir de hoje, ninguém mais vai ver televisão aqui! Então ela fechava a porta na hora do Carequinha... Então o Paulinho, filho da Dona Maria, ele tinha uns dez anos, aí ele falou assim: “Hoje ela vai abrir a porta, porque eu tenho uma música pra cantar para ela. Olha, juntou a criançada tudim, e foi pra porta da mulher. Chegou lá, começaram assim. Quando o Paulinho fazia assim com as mãos (gesto de regência), as crianças cantavam: “Seu Cachimbo, perdão, ligue a televisão! Olha, o homem ficou tão emocionado, tão emocionado, que abriu a porta. Foi a coisa mais engraçada...”


Acho interessante como a Zinha conta a chegada da primeira televisão no Santa Marta:
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“Eu tinha quinze anos, mas eu já tinha a Rosa. Então aqui tinha um condutor de bonde. Ele morava onde é o beco da Lua Nova agora, onde é a casa do Boi. Então ele era condutor de bonde. Por favor... um dinheirinho... ele foi indenizado na Companhia e comprou uma televisão. Ele tinha uma senhora que tinha perna defeituosa, uma perna mais na e eles não podiam ter filho.&nbsp; Arrumaram uma criança pra criar... e então, quando passava o programa do Carequinha.. era a única televisão que tinha no morro... todo o morro ia pra lá, pra casa desse moço. Tinha criança trepada na mesa dele, tudo quanto era canto. Então, nesse dia as crianças começaram a pular: Carequinha! Carequinha! Quando eles já iam embora, pisaram no pé doente da mulher. Olha, a mulher falou: “a partir de hoje, ninguém mais vai ver televisão aqui! Então ela fechava a porta na hora do Carequinha... Então o Paulinho, filho da Dona Maria, ele tinha uns dez anos, aí ele falou assim: “Hoje ela vai abrir a porta, porque eu tenho uma música pra cantar para ela. Olha, juntou a criançada tudim, e foi pra porta da mulher. Chegou lá, começaram assim. Quando o Paulinho fazia assim com as mãos (gesto de regência), as crianças cantavam: “Seu Cachimbo, perdão, ligue a televisão! Olha, o homem ficou tão emocionado, tão emocionado, que abriu a porta. Foi a coisa mais engraçada...”
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Hoje todos no morro têm televisão e alguns têm mais de uma na mesma casa.
Hoje todos no morro têm televisão e alguns têm mais de uma na mesma casa.


= O rádio =
= O rádio =


Minha avó, Dona Quinha, era apaixonada pelo Getúlio e por rádio. Ouvia vários programas enquanto cuidava da casa: “Teatro de Mistério” (incrível, fantástico, extraordinário!), “Teatro Orniex”, “Jerônimo o Herói do Sertão”, “O Anjo”, “Balança mais não cai”. Penso que o “Balança” acontecia à noite e também tinha o patrocínio da Camisaria Progresso. “Histórias do Tio Janjão”, “Vinte Mil Léguas Submarinas” e outros. Bem, também era muito comum sintonizar a rádio relógio: “Galeria Silvestre, a galeria da luz ...” e, então, se informava a hora certa. Impressionante que hoje não faz o menor sentido uma rádio relógio. Mas naquele tempo relógio era artigo de luxo. Usar um relógio de pulso ou na parede não era para qual- quer um. Hoje, com qualquer dez reais se compra um no camelô da esquina.
Minha avó, Dona Quinha, era apaixonada pelo Getúlio e por rádio. Ouvia vários programas enquanto cuidava da casa: “Teatro de Mistério” (incrível, fantástico, extraordinário!), “Teatro Orniex”, “Jerônimo o Herói do Sertão”, “O Anjo”, “Balança mais não cai”. Penso que o “Balança” acontecia à noite e também tinha o patrocínio da Camisaria Progresso. “Histórias do Tio Janjão”, “Vinte Mil Léguas Submarinas” e outros. Bem, também era muito comum sintonizar a rádio relógio: “Galeria Silvestre, a galeria da luz ...” e, então, se informava a hora certa. Impressionante que hoje não faz o menor sentido uma rádio relógio. Mas naquele tempo relógio era artigo de luxo. Usar um relógio de pulso ou na parede não era para qualquer um. Hoje, com qualquer dez reais se compra um no camelô da esquina.


= O futebol =
= O futebol =
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O futebol, desde o início, cumpre um papel duplo no Santa Marta: por um lado, é espaço de agregação e alternativa de lazer, por outro, serve para reforçar identidades territoriais e manter um clima de tensão, principalmente entre os jovens. Isso fica mais evidente entre o final dos anos 60 e o início dos 80. Podemos dizer que a década de 70 foi o auge das disputas internas marcadas pelo futebol.
O futebol, desde o início, cumpre um papel duplo no Santa Marta: por um lado, é espaço de agregação e alternativa de lazer, por outro, serve para reforçar identidades territoriais e manter um clima de tensão, principalmente entre os jovens. Isso fica mais evidente entre o final dos anos 60 e o início dos 80. Podemos dizer que a década de 70 foi o auge das disputas internas marcadas pelo futebol.


O registro mais antigo de um time de futebol que temos é o Graça. Honório, que morava ao Pé da Escada, marido da Dona Riza, era o presidente do time. Padre Veloso, em uma entrevista, cita uma passagem envolvendo o nome do time: “Nessa ocasião formou- -se o primeiro time, que eu saiba, de futebol. Ali perto onde é hoje a capela, a sacristia, ali tinha um salão e em cima tinha outro salão onde Madalena cava.
O registro mais antigo de um time de futebol que temos é o Graça. Honório, que morava ao Pé da Escada, marido da Dona Riza, era o presidente do time. Padre Veloso, em uma entrevista, cita uma passagem envolvendo o nome do time:
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“Nessa ocasião formou-se o primeiro time, que eu saiba, de futebol.&nbsp; Ali perto onde é hoje a capela, a sacristia, ali tinha um salão e em cima tinha outro salão onde Madalena cava.


Ela morava nos fundos, e aquele salão de cima servia para nossas reuniões. E embaixo então, eu consegui... Cedemos aquilo para fazer a sede do clube, O Graça. A briga era o seguinte... eles queriam dar o nome do time de Nossa Senhora das Graças. Porque a capela é Nossa Senhora das Graças. Eu disse: “Não dá. Daqui a pouco o time do Fluminense dá no Nossa Senhora das Graças! Fica muito esquisito!” Então eles tiraram o nome de Nossa Senhora e puseram Graça... No m, saiu quando eu saí. Aí ficou com dona Laura. Dona Laura brigou e meteu o time para fora.”
Ela morava nos fundos, e aquele salão de cima servia para nossas reuniões. E embaixo então, eu consegui... Cedemos aquilo para fazer a sede do clube, O Graça. A briga era o seguinte... eles queriam dar o nome do time de Nossa Senhora das Graças. Porque a capela é Nossa Senhora das Graças. Eu disse: “Não dá. Daqui a pouco o time do Fluminense dá no Nossa Senhora das Graças! Fica muito esquisito!” Então eles tiraram o nome de Nossa Senhora e puseram Graça... No m, saiu quando eu saí. Aí ficou com dona Laura. Dona Laura brigou e meteu o time para fora.”
 
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No entanto, a partir da metade dos anos 60, havia vários times no Morro: Mirante, Ases da Lua, União, Noturno, Nascente, Royal... No entanto, três times expressaram com força as várias composições e territorialidade da favela:
No entanto, a partir da metade dos anos 60, havia vários times no Morro: Mirante, Ases da Lua, União, Noturno, Nascente, Royal... No entanto, três times expressaram com força as várias composições e territorialidade da favela:


O Nascente, sob a direção do Paulinho ( filho do Malaquias), era composto, em sua maioria, por jogadores e torcedores, moradores e frequentadores do Cantão e do entorno da Mina de baixo e da Mangueira. É claro que essa divisão territorial não era rígida, havia joga- dores e torcedores que cruzavam as fronteiras, mas o time estava marcado por essa identidade.
O Nascente, sob a direção do Paulinho (filho do Malaquias), era composto, em sua maioria, por jogadores e torcedores, moradores e frequentadores do Cantão e do entorno da Mina de baixo e da Mangueira. É claro que essa divisão territorial não era rígida, havia jogadores e torcedores que cruzavam as fronteiras, mas o time estava marcado por essa identidade.


O Noturno, dirigido por Seu Sebastião e pelo Dida, representava os moradores da parte alta da favela, era o time do Pico do Morro.
O Noturno, dirigido por Seu Sebastião e pelo Dida, representava os moradores da parte alta da favela, era o time do Pico do Morro.
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O Royal reunia a rapaziada que morava em torno das quatro bicas e próximo ao terreirinho.
O Royal reunia a rapaziada que morava em torno das quatro bicas e próximo ao terreirinho.


Esses times, Royal, Nascente e Noturno, são contemporâneos e foram protagonistas de várias brigas en- volvendo inclusive suas torcidas. Marcadamente, as oposições se davam entre Nascente contra Noturno e Nascente contra Royal. A disputa entre Nascente e Royal ia além dos campos, se dava também no processo de organização cultural e lazer dos times: ambos promoviam bailes e estavam situados na parte mais baixa do morro. Apesar da rixa, isso não impedia que jovens jogadores e torcedores frequentassem os bailes de um e de outro time.
Esses times, Royal, Nascente e Noturno, são contemporâneos e foram protagonistas de várias brigas envolvendo inclusive suas torcidas. Marcadamente, as oposições se davam entre Nascente contra Noturno e Nascente contra Royal. A disputa entre Nascente e Royal ia além dos campos, se dava também no processo de organização cultural e lazer dos times: ambos promoviam bailes e estavam situados na parte mais baixa do morro. Apesar da rixa, isso não impedia que jovens jogadores e torcedores frequentassem os bailes de um e de outro time.


O futebol também foi responsável pela animação dos finais de semana. Todas as vezes que havia jogo fora de casa, mobilizavam-se de 50 a 100 pessoas que saíam em excursão. Era talvez o único lazer para muitos.
O futebol também foi responsável pela animação dos finais de semana. Todas as vezes que havia jogo fora de casa, mobilizavam-se de 50 a 100 pessoas que saíam em excursão. Era talvez o único lazer para muitos.
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Já na década de 60, registrava-se a presença de igrejas evangélicas no Santa Marta. A Igreja Assembleia de Deus é a primeira denominação evangélica a se estabelecer fisicamente na favela. Em seguida vem a Igreja Batista e, hoje, podem-se listar outras denominações como a Igreja Pentecostal Deus é Amor, a Igreja da Ressurreição, a Igreja do Nazareno e a Igreja Universal do Reino de Deus, que são as mais visíveis. O crescimento dos evangélicos no Santa Marta ganha visibilidade nos anos 80 e se expande nos anos 90.
Já na década de 60, registrava-se a presença de igrejas evangélicas no Santa Marta. A Igreja Assembleia de Deus é a primeira denominação evangélica a se estabelecer fisicamente na favela. Em seguida vem a Igreja Batista e, hoje, podem-se listar outras denominações como a Igreja Pentecostal Deus é Amor, a Igreja da Ressurreição, a Igreja do Nazareno e a Igreja Universal do Reino de Deus, que são as mais visíveis. O crescimento dos evangélicos no Santa Marta ganha visibilidade nos anos 80 e se expande nos anos 90.


Também as religiões de matriz africana, como a um- banda e o candomblé, estão presentes nesta favela, no mínimo desde os anos 50, com vários terreiros e mui- tos seguidores. Pode-se dizer que havia uma cultura religiosa brasileira no Santa Marta, onde conviviam católicos, umbandistas, candomblecistas e evangélicos.
Também as religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, estão presentes nesta favela, no mínimo desde os anos 50, com vários terreiros e muitos seguidores. Pode-se dizer que havia uma cultura religiosa brasileira no Santa Marta, onde conviviam católicos, umbandistas, candomblecistas e evangélicos.


Especificamente em relação às religiões de matriz africana, podemos perceber dois períodos bem distintos na história desta favela: a presença de vários centros espalhados pelo Morro e uma ausência absoluta desses espaços. Compartilho duas lembranças de infância que têm a ver com esses espaços: desde muito criança, lembro-me que o melhor dia do ano era 27 de setembro, dia de São Cosme e São Damião. Várias pessoas no Morro distribuíam saquinhos de doces e os centros de macumba realizavam festas, além de distribuírem doces. Outra lembrança é da primeira vez que fui ao Pico do morro, talvez tivesse em torno dos cinco anos de idade. Fui com meus pais ao centro do seu Zé do Santo que cava no pico do Morro, era o último barraco da favela. Meus pais tinham um compadre que morava na Ladeira dos Tabajaras e era médium desse terreiro. Então, nos finais de se- mana ele passava na minha casa em direção ao centro e, algumas vezes, meus pais o acompanhavam.
Especificamente em relação às religiões de matriz africana, podemos perceber dois períodos bem distintos na história desta favela: a presença de vários centros espalhados pelo Morro e uma ausência absoluta desses espaços. Compartilho duas lembranças de infância que têm a ver com esses espaços: desde muito criança, lembro-me que o melhor dia do ano era 27 de setembro, dia de São Cosme e São Damião. Várias pessoas no Morro distribuíam saquinhos de doces e os centros de macumba realizavam festas, além de distribuírem doces. Outra lembrança é da primeira vez que fui ao Pico do morro, talvez tivesse em torno dos cinco anos de idade. Fui com meus pais ao centro do seu Zé do Santo que ficava no pico do Morro, era o último barraco da favela. Meus pais tinham um compadre que morava na Ladeira dos Tabajaras e era médium desse terreiro. Então, nos finais de semana ele passava na minha casa em direção ao centro e, algumas vezes, meus pais o acompanhavam.


O dia em que fui ao centro, era festa de “criança”, tenho na memória que subi muito, era muito alto. Mas também lembro que quei fascinado com a vista: Enseada de Botafogo, Lagoa Rodrigo de Freitas e um vento fresco que batia no rosto.
O dia em que fui ao centro, era festa de “criança”, tenho na memória que subi muito, era muito alto. Mas também lembro que quei fascinado com a vista: Enseada de Botafogo, Lagoa Rodrigo de Freitas e um vento fresco que batia no rosto.
Linha 175: Linha 176:
Bem, hoje não há no Santa Marta um único espaço para os adeptos da umbanda ou do candomblé. No passado existiram vários pais e mães de santo por aqui:
Bem, hoje não há no Santa Marta um único espaço para os adeptos da umbanda ou do candomblé. No passado existiram vários pais e mães de santo por aqui:


•Dona Guiomar
•Dona Guiomar;


•Dona Lapide
•Dona Lapide;


•Dona Maria Portuguesa
•Dona Maria Portuguesa;


•Dona Maria Batuca
•Dona Maria Batuca;


•Dona Rosa
•Dona Rosa;


•Dona Maria Bela
•Dona Maria Bela;


•Zé Jacinto
•Zé Jacinto;


•Olavo
•Olavo;


•Seu Manuel perna torta
•Seu Manuel perna torta;


•Seu Zé do Santo
•Seu Zé do Santo;


•Pai Guedes
•Pai Guedes;


•Pai Abrão
•Pai Abrão.


Esses espaços e suas lideranças desapareceram totalmente na década de 90.
Esses espaços e suas lideranças desapareceram totalmente na década de 90.
Linha 211: Linha 212:
= A saúde =
= A saúde =


No período de 81 a 91, desenvolveu-se o projeto de saúde do Morro de Santa Marta - a princípio com atendimento na própria sede da associação de moradores, assim como um trabalho forte de cadastra- mento dos comunicantes (tuberculose) e, a partir de 83,,inaugura-se o ambulatório Dedé, no alto do morro, com uma equipe de cinco médicos, uma enfermeira, uma psicóloga e cinco agentes de saúde da própria comunidade: grupos de mães, gestantes, diabéticos, hipertensos, visitação domiciliar, estímulo à participação nos grupos e controle da doença.
No período de 81 a 91, desenvolveu-se o projeto de saúde do Morro de Santa Marta - a princípio com atendimento na própria sede da associação de moradores, assim como um trabalho forte de cadastramento dos comunicantes (tuberculose) e, a partir de 83,inaugura-se o [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Ambulatório_Dedé_-_Sua_criação,_sua_gestão_e_o_término_das_atividades ambulatório Dedé], no alto do morro, com uma equipe de cinco médicos, uma enfermeira, uma psicóloga e cinco agentes de saúde da própria comunidade: grupos de mães, gestantes, diabéticos, hipertensos, visitação domiciliar, estímulo à participação nos grupos e controle da doença.


Projeto liderado pelo Dr. José Luiz de Magalhães Rios, sobrinho do Padre Veloso, que faz a opção de morar no Morro no período de sua formação como médico. Em seguida, elabora e implanta, juntamente com a diretoria da Associação de Moradores, o projeto de saúde que teve apoio direto da Asia (Antigos Alunos dos Padres Jesuítas). O Ambulatório inaugurado no alto do morro, exatamente para facilitar o atendimento aos moradores do Pico do Morro, chamou-se ambulatório Dedé, em homenagem ao vice-presidente da Associação de Moradores que morrera eletrocutado prestando serviço à comunidade.
Projeto liderado pelo Dr. José Luiz de Magalhães Rios, sobrinho do Padre Veloso, que faz a opção de morar no Morro no período de sua formação como médico. Em seguida, elabora e implanta, juntamente com a diretoria da Associação de Moradores, o projeto de saúde que teve apoio direto da Asia (Antigos Alunos dos Padres Jesuítas). O Ambulatório inaugurado no alto do morro, exatamente para facilitar o atendimento aos moradores do Pico do Morro, chamou-se ambulatório Dedé, em homenagem ao vice-presidente da Associação de Moradores que morrera eletrocutado prestando serviço à comunidade.
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= A Folia de Reis =
= A Folia de Reis =


A tradição de Folia de Reis no Morro de Santa Marta é muito antiga, e encontrou aqui as condições para sua sobrevivência. Pessoas que vieram de São Fidelis, Itaperuna, Miracema e Sul de Minas puderam reencontrar suas raízes culturais, agora adaptadas às condições da cidade grande.
A tradição de [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Folia_de_Reis_-_Os_Penitentes_do_Santa_Marta Folia de Reis] no Morro de Santa Marta é muito antiga, e encontrou aqui as condições para sua sobrevivência. Pessoas que vieram de São Fidelis, Itaperuna, Miracema e Sul de Minas puderam reencontrar suas raízes culturais, agora adaptadas às condições da cidade grande.


Em meados dos anos 60, a Folia de Reis do mestre Zé Cândido, morador da Ilha do Governador, convidou pessoas do Santa Marta para se integrarem a ela:
Em meados dos anos 60, a Folia de Reis do mestre Zé Cândido, morador da Ilha do Governador, convidou pessoas do Santa Marta para se integrarem a ela:
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Com a morte de Zé Cândido, o Sr. Luiz assumiu a posição de mestre e a Folia passou a sair de sua casa, no Santa Marta. Pode-se dizer que aí começou oficialmente a Folia de Reis dessa Comunidade. Mestre Luiz manteve esse posto até quando a saúde lhe permitiu. Foi substituído pelo mestre Joãozinho que, depois de anos dedicados ao ofício de palhaço, assumiu a tarefa de conduzir a Folia de Reis. Após sua morte, o cargo ficou sob a responsabilidade de Mestre Dodô, que desempenhou com orgulho a função de dar os versos e puxar a cantoria na Folia do Santa Marta. Quando morreu, o lugar de mestre foi ocupado por Zé Diniz que, desde o início, exercia o cargo de presidente da referida Folia. Até hoje Mestre Diniz acumula o posto de mestre e de presidente dos Penitentes do Santa Marta.
Com a morte de Zé Cândido, o Sr. Luiz assumiu a posição de mestre e a Folia passou a sair de sua casa, no Santa Marta. Pode-se dizer que aí começou oficialmente a Folia de Reis dessa Comunidade. Mestre Luiz manteve esse posto até quando a saúde lhe permitiu. Foi substituído pelo mestre Joãozinho que, depois de anos dedicados ao ofício de palhaço, assumiu a tarefa de conduzir a Folia de Reis. Após sua morte, o cargo ficou sob a responsabilidade de Mestre Dodô, que desempenhou com orgulho a função de dar os versos e puxar a cantoria na Folia do Santa Marta. Quando morreu, o lugar de mestre foi ocupado por Zé Diniz que, desde o início, exercia o cargo de presidente da referida Folia. Até hoje Mestre Diniz acumula o posto de mestre e de presidente dos Penitentes do Santa Marta.


As mulheres sempre tiveram um papel importante na Folia de Reis do Santa Marta. A responsabilidade de carregar o símbolo máximo da Folia, a bandeira dos Reis Magos, sempre esteve a cargo de dedica- das mulheres. Várias delas já desempenharam essa função: Clarisse, D. Neusa, Marina e, atualmente, D. Eva é quem cumpre a missão de carregar a bandeira da Folia. No entanto, a presença das pastorinhas, como são chamadas as mulheres nesse cortejo, foi além da bandeira, passando a formar o coro de cantoria, quando outros nomes se incorporaram: D. Maura, D. Rosa, Marina, Rita , Maria Bela, Del na, Eunice e duas recentes participações de Eliane e Roberta, alterando de nitivamente o per l dessa Folia de Reis.
As mulheres sempre tiveram um papel importante na Folia de Reis do Santa Marta. A responsabilidade de carregar o símbolo máximo da Folia, a bandeira dos Reis Magos, sempre esteve a cargo de dedicadas mulheres. Várias delas já desempenharam essa função: Clarisse, D. Neusa, Marina e, atualmente, D. Eva é quem cumpre a missão de carregar a bandeira da Folia. No entanto, a presença das pastorinhas, como são chamadas as mulheres nesse cortejo, foi além da bandeira, passando a formar o coro de cantoria, quando outros nomes se incorporaram: D. Maura, D. Rosa, Marina, Rita , Maria Bela, Del na, Eunice e duas recentes participações de Eliane e Roberta, alterando definitivamente o per l dessa Folia de Reis.


Os palhaços são um capítulo à parte. Na origem da Folia do Santa Marta está o nome de Totonho, lembrado com admiração pelos que o sucederam. A linha de sucessão foi preenchida por Joãozinho, que du- rante muitos anos foi mestre dos palhaços, dividindo as atenções com seus contemporâneos Borrachinha, Zezinho Capirai , Zé Carlos e Macalé.
Os palhaços são um capítulo à parte. Na origem da Folia do Santa Marta está o nome de Totonho, lembrado com admiração pelos que o sucederam. A linha de sucessão foi preenchida por Joãozinho, que durante muitos anos foi mestre dos palhaços, dividindo as atenções com seus contemporâneos Borrachinha, Zezinho Capirai , Zé Carlos e Macalé.


Com apenas nove anos de idade, Ronaldo, filho do mestre Diniz, começou a sair como palhaço nessa Folia. Desde muito cedo mostrou que seria um grande palhaço. Nos últimos 30 anos, Ronaldo reinou como palhaço e, por certo, estará na galeria dos melhores palhaços de Folia de Reis do Rio de Janeiro.
Com apenas nove anos de idade, Ronaldo, filho do mestre Diniz, começou a sair como palhaço nessa Folia. Desde muito cedo mostrou que seria um grande palhaço. Nos últimos 30 anos, Ronaldo reinou como palhaço e, por certo, estará na galeria dos melhores palhaços de Folia de Reis do Rio de Janeiro.
Linha 241: Linha 242:
Segue abaixo a relação dos presidentes da Associação de Moradores do Santa Marta de 1965 a 2010:
Segue abaixo a relação dos presidentes da Associação de Moradores do Santa Marta de 1965 a 2010:


•De 1965 a 1971: Cabo Ferreira; João Silva*; Próculo Túlio
*De 1965 a 1971: Cabo Ferreira; João Silva*; Próculo Túlio;
 
*De 1971 a 1979: Cabo Ferreira;
•De 1971 a 1979: Cabo Ferreira
*De 1979 a 1981: Luis Lourenço assume e renuncia; Firmino, seu vice, assume e morre logo em seguida; Samuel, secretário, assume e convoca novas eleições;
 
*De 1981 a 1986: Itamar;
•De 1979 a 1981: Luis Lourenço assume e renuncia; Firmino, seu vice, assume e morre logo em seguida; Samuel, secretário, assume e convoca novas eleições.
*De 1986 a 1989: Gilson Cardoso assume mas se afasta para se candidatar&nbsp;a vereador; Luis Antonio, seu vice, assume;
 
*De 1990 a 1992: Castelo é assassinado em fevereiro de 91; Chicão, seu vice., assume e é assassinado em julho de 92;
•De 1981 a 1986: Itamar
*De 1992 a 1996: Zé Luiz;
 
*De 1996 a 2001: Moacir;
•De 1986 a 1989: Gilson Cardoso assume mas se afasta para se candidatar&nbsp;a vereador; Luis Antonio, seu vice, assume.
*De 2001 a 2003: André Fernandes assume e deixa a associação em 2002; Delinho, seu vice, assume por alguns meses. Uma comissão formada por Frango, João Batista, Simone e Lúcia assume e convoca eleições;
 
*De 2003 a 2007: Eliane dos Santos (Nanan): diretoria só de mulheres;
•De 1990 a 1992: Castelo é assassinado em fevereiro de 91; Chicão, seu vice., assume e é assassinado em julho de 92.
*De 2007 a 2010: João Batista é eleito mas não toma posse; José Mário Hilário assume.  
 
•De 1992 a 1996: Zé Luiz
 
•De 1996 a 2001: Moacir
 
•De 2001 a 2003: André Fernandes assume e deixa a associação em 2002; Delinho, seu vice, assume por alguns meses. Uma comissão formada por Frango, João Batista, Simone e Lúcia assume e convoca eleições.
 
•De 2003 a 2007: Eliane dos Santos (Nanan): diretoria só de mulheres.
 
•De 2007 a 2010: João Batista é eleito mas não toma posse; José Mário Hilário assume.


<span style="font-size:smaller;">*Segundo depoimento do Cabo Ferreira, João Silva fez parte da comissão que elaborou o estatuto da associação. No entanto, há controvérsia quanto ao fato de ter sido ou não presidente por um período.</span>
<span style="font-size:smaller;">*Segundo depoimento do Cabo Ferreira, João Silva fez parte da comissão que elaborou o estatuto da associação. No entanto, há controvérsia quanto ao fato de ter sido ou não presidente por um período.</span>
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= Uma breve panorâmica do Santa Marta: uma síntese em décadas =
= Uma breve panorâmica do Santa Marta: uma síntese em décadas =


Entre 1939 e 1950 – Período de formação da favela. Todos os problemas e questões, que iriam tensionar a favela mais tarde, já estavam aí indicados: falta de água; precariedade da energia elétrica; ocupação do espaço interno; presença de agentes externos; inicia- tiva de escola dentro da favela; etc...
Entre 1939 e 1950 – Período de formação da favela, todos os problemas e questões, que iriam tensionar a favela mais tarde, já estavam aí indicados: falta de água; precariedade da energia elétrica; ocupação do espaço interno; presença de agentes externos; iniciativa de escola dentro da favela; etc...


Os anos 60 foram de consolidação da favela: construções aceleradas de novos barracos; aumento da chegada do pessoal do nordeste; organização interna (criação da Associação de Moradores) e inauguração da caixa d’água do Pico (59).
Os anos 60 foram de consolidação da favela: construções aceleradas de novos barracos; aumento da chegada do pessoal do nordeste; organização interna (criação da Associação de Moradores) e inauguração da caixa d’água do Pico (59).


Na década de 70, podemos falar em inchaço e expansão do consumo: marca o m de uma alternância no poder na direção da Associação de Moradores e a permanência de um presidente por 9 anos seguidos, acompanhado de um esvaziamento da diretoria; inchaço da favela; ápice dos problemas em torno da luz e da água; expansão do consumo de eletro-domésticos e pressão pela democratização da Associação de Moradores. No final dessa década, o Brasil começa a sair da ditadura e há maior movimentação social no país. No Santa Marta, são plantadas sementes que se- riam colhidas futuramente.
Na década de 70, podemos falar em inchaço e expansão do consumo: marca o fim de uma alternância no poder na direção da Associação de Moradores e a permanência de um presidente por 9 anos seguidos, acompanhado de um esvaziamento da diretoria; inchaço da favela; ápice dos problemas em torno da luz e da água; expansão do consumo de eletro-domésticos e pressão pela democratização da Associação de Moradores. No final dessa década, o Brasil começa a sair da ditadura e há maior movimentação social no país. No Santa Marta, são plantadas sementes que seriam colhidas futuramente.


Os anos 80 foram de conquistas: Nova direção na Associação de Moradores; construção do primeiro prédio estruturado dentro da favela (sede da Associação de Moradores – com apoio da João Fortes engenharia); água em quantidade para todos; luz direta da Light; ambulatório Dedé com enfermeira, agentes, psicóloga e médicos; mutirões para melhorar caminhos; mutirões para construir e reformar barracos (Casa Santa Marta/Asia); creches e pré-escolar - Casa Santa Marta, Unape-Anchieta; colônia de Férias para crianças (Grupo Eco); Creche Comunitária Mundo Infantil (Grupo Unidas do Santa Marta) e o 1o projeto de urbanização para a favela.
Os anos 80 foram de conquistas: Nova direção na Associação de Moradores; construção do primeiro prédio estruturado dentro da favela (sede da Associação de Moradores – com apoio da João Fortes engenharia); água em quantidade para todos; luz direta da Light; ambulatório Dedé com enfermeira, agentes, psicóloga e médicos; mutirões para melhorar caminhos; mutirões para construir e reformar barracos (Casa Santa Marta/Asia); creches e pré-escolar - Casa Santa Marta, Unape-Anchieta; colônia de Férias para crianças (Grupo Eco); Creche Comunitária Mundo Infantil (Grupo Unidas do Santa Marta) e o 1º&nbsp;projeto de urbanização para a favela.


Os anos 90 foram confusos e, em certa medida, de retrocessos: m do trabalho de saúde no Santa Mar- ta (fechamento do ambulatório); continuação dos conflitos armados iniciados em agosto de 87; perda de legitimidade da Associação de Moradores; assassinato de dois presidentes da associação de moradores e de uma secretária; mais de uma troca de comando à frente do tráfico; incêndio (92); manifestação de moradores contra a violência; vários jovens ligados ao tráfico mortos pela polícia e exército no morro.
Os anos 90 foram confusos e, em certa medida, de retrocessos: fim do trabalho de saúde no Santa Marta (fechamento do ambulatório); continuação dos conflitos armados iniciados em agosto de 87; perda de legitimidade da Associação de Moradores; assassinato de dois presidentes da associação de moradores e de uma secretária; mais de uma troca de comando à frente do tráfico; incêndio (92); manifestação de moradores contra a violência; vários jovens ligados ao tráfico mortos pela polícia e exército no morro.


2000 – retomada da articulação comunitária: assembleia para reagir à proposta do Governo do Estado de construir prédios no Santa Marta; novas eleições para a direção da associação de moradores, com a primeira diretoria composta somente por mulheres (chapa rosa); criação da comissão de urbanização; discussão de um projeto de urbanização para o Santa Marta; início das obras; plano inclinado; entrada da UPP e no- vos projetos para a favela. Futuro em aberto.
2000 – retomada da articulação comunitária: assembleia para reagir à proposta do Governo do Estado de construir prédios no Santa Marta; novas eleições para a direção da associação de moradores, com a primeira diretoria composta somente por mulheres (chapa rosa); criação da comissão de urbanização; discussão de um projeto de urbanização para o Santa Marta; início das obras; plano inclinado; entrada da UPP e novos projetos para a favela. Futuro em aberto.


= E o futuro? =
= E o futuro? =
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'''''Nota: '''As falas indicadas no texto foram retiradas de entrevistas realizadas em dois momentos distintos em que o Grupo Eco esteve articulado a iniciativas que pretenderam contar a história do Santa Marta. Em 1983, juntamente com Sergio Goldemberg, realizamos uma série de entrevistas com o objetivo de contar, em vídeo, a história deste lugar. (A ser concluído).''
'''''Nota: '''As falas indicadas no texto foram retiradas de entrevistas realizadas em dois momentos distintos em que o Grupo Eco esteve articulado a iniciativas que pretenderam contar a história do Santa Marta. Em 1983, juntamente com Sergio Goldemberg, realizamos uma série de entrevistas com o objetivo de contar, em vídeo, a história deste lugar. (A ser concluído).''


''Em 1995, sob a coordenação da professora Angelina Peral- va (USP), realizamos entrevistas para a elaboração de um projeto de memória do Santa Marta. (A ser concluído).''
''Em 1995, sob a coordenação da professora Angelina Peralva (USP), realizamos entrevistas para a elaboração de um projeto de memória do Santa Marta. (A ser concluído).''


''Também me utilizei da organização temática do jornal comunitário Eco feita pelo sociólogo Atilio Peppe, para a sua tese de mestrado sobre o associativismo na favela de Santa Marta.''
''Também me utilizei da organização temática do jornal comunitário Eco feita pelo sociólogo Atilio Peppe, para a sua tese de mestrado sobre o associativismo na favela de Santa Marta.''
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== Verbetes semelhantes ==
 
*[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Ambulatório_Dedé_-_Sua_criação,_sua_gestão_e_o_término_das_atividades Ambulatório Dedé];  
*[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Folia_de_Reis_-_Os_Penitentes_do_Santa_Marta Folia de Reis - Os Penitentes do Santa Marta];
*[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Do_viva_Zumbi_ao_Hip_Hop_Santa_Marta Do viva Zumbi ao Hip Hop Santa Marta];
*[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Sanitização_do_Santa_Marta Sanitização do Santa Marta].


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[[Category:Temática - Depoimentos]][[Category:Memória]][[Category:Santa Marta]][[Category:Temática - Associativismo e Movimentos Sociais]]
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