Informalidade: mudanças entre as edições
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MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. 1971. Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade. Dissertação, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. | MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. 1971. Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade. Dissertação, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. | ||
OIT (INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION). 1972. Employment, Incomes and Equality: A Strategy for Increasing Productive Employment in Kenya. Geneva: ILO. </ref>, outras teorias buscaram caracterizar a informalidade posteriormente através da forma empresa, considerando-a como um ativo bloqueado pelo excesso de intervenção estatal<ref>DE SOTO, Hernando. 1987. Economia subterrânea: uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro: Globo. | OIT (INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION). 1972. Employment, Incomes and Equality: A Strategy for Increasing Productive Employment in Kenya. Geneva: ILO. </ref>, outras teorias buscaram caracterizar a informalidade posteriormente através da forma empresa, considerando-a como um ativo bloqueado pelo excesso de intervenção estatal<ref>DE SOTO, Hernando. 1987. Economia subterrânea: uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro: Globo. | ||
Idem. 2001. O Mistério do Capital. Rio de Janeiro: Editora Record. | |||
</ref> . As disputas ao redor desses dois referentes normativos – o trabalho e a empresa – são fundamentais para compreender as formas em que a informalidade é definida e mensurada e para interpretar as estratégias propostas para transcendê-la. Dois campos significativos que revelam a natureza e abrangência do conceito de informalidade emergem nas categorias às quais ele geralmente aparece associado, tanto nas análises jornalísticas quanto nos trabalhos técnicos. Enquanto objeto de quantificação e mensuração, a informalidade se sobrepõe a outras noções utilizadas para descrever aquilo que aparecer por fora das contas oficiais, como por exemplo nas categorias de economia subterrânea<ref>GUTMANN, Peter. 1977. “The subterranean economy.” Financial Analyst Journal 35:26-28. | </ref> . As disputas ao redor desses dois referentes normativos – o trabalho e a empresa – são fundamentais para compreender as formas em que a informalidade é definida e mensurada e para interpretar as estratégias propostas para transcendê-la. Dois campos significativos que revelam a natureza e abrangência do conceito de informalidade emergem nas categorias às quais ele geralmente aparece associado, tanto nas análises jornalísticas quanto nos trabalhos técnicos. Enquanto objeto de quantificação e mensuração, a informalidade se sobrepõe a outras noções utilizadas para descrever aquilo que aparecer por fora das contas oficiais, como por exemplo nas categorias de economia subterrânea<ref>GUTMANN, Peter. 1977. “The subterranean economy.” Financial Analyst Journal 35:26-28. | ||
TANZI, Vito (ed.). 1982. The Underground Economy in United States and Abroad. Lexington, Mass.: Lexington Book. | TANZI, Vito (ed.). 1982. The Underground Economy in United States and Abroad. Lexington, Mass.: Lexington Book. | ||
Idem. 1999. “Uses and abuses of estimates of the underground economy.” The Economic Journal 109:338-347. | |||
</ref>, economia oculta, mercado negro, economia irregular ou setor não-observado<ref>FEIGE, Edgar L. 1979. “How big is the irregular economy?” Challenge, 12: 5-13. | </ref>, economia oculta, mercado negro, economia irregular ou setor não-observado<ref>FEIGE, Edgar L. 1979. “How big is the irregular economy?” Challenge, 12: 5-13. | ||
Idem. 1981. “The UK’s unobserved economy: a preliminary assessment.” Economic Affairs, 205-212. | |||
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Poderíamos dizer que a categoria informal conseguiu formalizar-se de uma maneira que os conceitos alternativos não conseguiram e, assim como tantas outras histórias de formalização, a história do conceito de informalidade está associada às trajetórias institucionais pelas quais se desenvolveu. Precisamente, é essa história teórica e institucional que nos permite compreender a associação com outro leque de categorias utilizadas para quantifica-la: trabalhador sem carteira assinada, trabalhador por conta própria, trabalhador autônomo, desempregado. Nas discussões contemporâneas, muitas vezes observamos a sobreposição desses dois campos de referência criando-se uma “disjunção interessada”. Por um lado, se incorpora tudo o que não é declarado ao governo criando números superlativos, mas se mantem como referente social o conjunto de trabalhadores que permanecem fora do mercado formal de emprego. As discussões sobre a informalidade emergem, precisamente, em países cujas legislações e estatísticas pareciam insuficientes para construir um debate informado sobre o tema, colocando a norma salarial para além dos países europeus que a criaram em debates que remontam ao século XIX, estendendo-a aos outros países, primeiro africanos e, depois, da América Latina. O ingresso da palavra informal no vocabulário das ciências sociais como categoria para descrever determinados aspectos econômicos emerge para qualificar determinadas práticas associadas à geração de rendimentos. Em formulações como “oportunidades informais de rendimentos" <ref>HART, Keith. 1973. “Informal income opportunities and urban employment in Ghana.” Journal of Modern African Studies, 3(11). </ref> ou "mercado de emprego formalizado" ou "não formalizado" <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. 1971. Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade. Dissertação, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. </ref>, informal aparece caracterizando a relação entre determinadas práticas laborais e sua adequação ou não às regras que poderiam/deveriam regulá-las. | Poderíamos dizer que a categoria informal conseguiu formalizar-se de uma maneira que os conceitos alternativos não conseguiram e, assim como tantas outras histórias de formalização, a história do conceito de informalidade está associada às trajetórias institucionais pelas quais se desenvolveu. Precisamente, é essa história teórica e institucional que nos permite compreender a associação com outro leque de categorias utilizadas para quantifica-la: trabalhador sem carteira assinada, trabalhador por conta própria, trabalhador autônomo, desempregado. Nas discussões contemporâneas, muitas vezes observamos a sobreposição desses dois campos de referência criando-se uma “disjunção interessada”. Por um lado, se incorpora tudo o que não é declarado ao governo criando números superlativos, mas se mantem como referente social o conjunto de trabalhadores que permanecem fora do mercado formal de emprego. As discussões sobre a informalidade emergem, precisamente, em países cujas legislações e estatísticas pareciam insuficientes para construir um debate informado sobre o tema, colocando a norma salarial para além dos países europeus que a criaram em debates que remontam ao século XIX, estendendo-a aos outros países, primeiro africanos e, depois, da América Latina. O ingresso da palavra informal no vocabulário das ciências sociais como categoria para descrever determinados aspectos econômicos emerge para qualificar determinadas práticas associadas à geração de rendimentos. Em formulações como “oportunidades informais de rendimentos" <ref>HART, Keith. 1973. “Informal income opportunities and urban employment in Ghana.” Journal of Modern African Studies, 3(11). </ref> ou "mercado de emprego formalizado" ou "não formalizado" <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. 1971. Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade. Dissertação, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. </ref>, informal aparece caracterizando a relação entre determinadas práticas laborais e sua adequação ou não às regras que poderiam/deveriam regulá-las. | ||
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Dessa forma, as relações políticas e cognitivas são deslocadas para outro espaço de relações, empurrando a informalidade para outro campo de gravitação conceitual. O que parece ter potencializado o deslocamento foi a difusão de uma série de publicações e políticas, escritas e operadas no Peru, ao redor do Instituto Liberdade e Democracia (ILD), na figura proeminente do economista peruano Hernando de Soto<ref>DE SOTO, Hernando. 1987. Economia subterrânea: uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro: Globo. | Dessa forma, as relações políticas e cognitivas são deslocadas para outro espaço de relações, empurrando a informalidade para outro campo de gravitação conceitual. O que parece ter potencializado o deslocamento foi a difusão de uma série de publicações e políticas, escritas e operadas no Peru, ao redor do Instituto Liberdade e Democracia (ILD), na figura proeminente do economista peruano Hernando de Soto<ref>DE SOTO, Hernando. 1987. Economia subterrânea: uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro: Globo. | ||
Idem. 2001. O Mistério do Capital. Rio de Janeiro: Editora Record. | |||
</ref>. Escrita entre os anos 1980/1990, ao mesmo tempo como pesquisa, manifesto e proposição, a produção do autor também se opõe as teorias da modernização ao conferir droit de cité à informalidade e ao propor analisar as economias do “Sul” como específicas. O apelo e o enorme sucesso de suas analises propositivas vem, contudo, de uma construção teórica sui generis ao considerar a econômica informal como mais dinâmica e eficiente que a formal, apesar do excesso de regulação e intervenção da intervenção estatal que a oprime<ref>DE SOTO, Hernando. 1987. Economia subterrânea: uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro: Globo. </ref>. O caminho seria então atuar na legalização e nos direitos de propriedade, para liberar os ativos e converter “capital morto” em “capital vivo” via financeirização desses ativos<ref>DE SOTO, Hernando. 2001. O Mistério do Capital. Rio de Janeiro: Editora Record. </ref>. O sucesso das proposições de De Soto foi construído sobre o apoio inicial da Atlas Foudation for Economic Research, na ajuda de economistas como Friedrich Hayek e Milton Friedman, nas inúmeras premiações recebidas, na difusão e implementação de seu modelo por órgãos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), além de uma série de contratos em diferentes países do planeta<ref>MITCHELL, Timothy. 2005. “The work of economics: how a discipline makes its world”. European Journal of Sociology, 46(2): 297-320. </ref>. Em pouco mais de duas décadas, o ILD e sua equipe se transformam em um think tank decisivo para as políticas de “combate a pobreza” e “desenvolvimento” em escala mundial. Dentre alguns dos autores em sintonia com a perspectiva de De Soto, entre as décadas de 1990/2000, cabe destacar Muhammad Yunus, o chamado “banqueiro dos pobres”, prêmio Nobel da paz junto com seu banco, o Grameen Bank, em 2006, autor entre outros livros, de “Creating a world without poverty: social business and the future of capitalism”. Foi um dos teóricos e operadores da chamada revolução das microfinanças a partir de sua experiência em Bangladesh, iniciada em 1976, quando milhões de camponeses passaram a fazer parte dos seus serviços associados<ref>YUNUS, Muhammad (2007). Creating a world without poverty: social business and the future of capitalism. Nova York: Public Affairs.</ref> . Outra figura central é Coimbatore Krishnarao Prahalad, o doutor indiano em administração de empresas que tem chamado a atenção para o potencial econômico do que chama da “base da pirâmide”. Aqueles que fazem parte dessa faixa de renda poderiam, segundo o autor, ser mobilizados como consumidores e/ou empreendedores. Dentre os livros que publicou, “The fortune at the bottom of the pyramid ” chama a atenção o destaque feito à estratégia de vendas das Casas Bahia no Brasil, como uma das práticas inovadoras na base da pirâmide que mobilizaria os pobres como consumidores, assim como a mobilização da pobreza como empreendedores por meio de novas estratégias corporativas de distribuição, como a Jaipur Foot<ref>PRAHALAD, Coimbatore. 2005.The fortune at the bottom of the pyramid. Michigan: Wharton School Publishing. </ref>. | </ref>. Escrita entre os anos 1980/1990, ao mesmo tempo como pesquisa, manifesto e proposição, a produção do autor também se opõe as teorias da modernização ao conferir droit de cité à informalidade e ao propor analisar as economias do “Sul” como específicas. O apelo e o enorme sucesso de suas analises propositivas vem, contudo, de uma construção teórica sui generis ao considerar a econômica informal como mais dinâmica e eficiente que a formal, apesar do excesso de regulação e intervenção da intervenção estatal que a oprime<ref>DE SOTO, Hernando. 1987. Economia subterrânea: uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro: Globo. </ref>. O caminho seria então atuar na legalização e nos direitos de propriedade, para liberar os ativos e converter “capital morto” em “capital vivo” via financeirização desses ativos<ref>DE SOTO, Hernando. 2001. O Mistério do Capital. Rio de Janeiro: Editora Record. </ref>. O sucesso das proposições de De Soto foi construído sobre o apoio inicial da Atlas Foudation for Economic Research, na ajuda de economistas como Friedrich Hayek e Milton Friedman, nas inúmeras premiações recebidas, na difusão e implementação de seu modelo por órgãos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), além de uma série de contratos em diferentes países do planeta<ref>MITCHELL, Timothy. 2005. “The work of economics: how a discipline makes its world”. European Journal of Sociology, 46(2): 297-320. </ref>. Em pouco mais de duas décadas, o ILD e sua equipe se transformam em um think tank decisivo para as políticas de “combate a pobreza” e “desenvolvimento” em escala mundial. Dentre alguns dos autores em sintonia com a perspectiva de De Soto, entre as décadas de 1990/2000, cabe destacar Muhammad Yunus, o chamado “banqueiro dos pobres”, prêmio Nobel da paz junto com seu banco, o Grameen Bank, em 2006, autor entre outros livros, de “Creating a world without poverty: social business and the future of capitalism”. Foi um dos teóricos e operadores da chamada revolução das microfinanças a partir de sua experiência em Bangladesh, iniciada em 1976, quando milhões de camponeses passaram a fazer parte dos seus serviços associados<ref>YUNUS, Muhammad (2007). Creating a world without poverty: social business and the future of capitalism. Nova York: Public Affairs.</ref> . Outra figura central é Coimbatore Krishnarao Prahalad, o doutor indiano em administração de empresas que tem chamado a atenção para o potencial econômico do que chama da “base da pirâmide”. Aqueles que fazem parte dessa faixa de renda poderiam, segundo o autor, ser mobilizados como consumidores e/ou empreendedores. Dentre os livros que publicou, “The fortune at the bottom of the pyramid ” chama a atenção o destaque feito à estratégia de vendas das Casas Bahia no Brasil, como uma das práticas inovadoras na base da pirâmide que mobilizaria os pobres como consumidores, assim como a mobilização da pobreza como empreendedores por meio de novas estratégias corporativas de distribuição, como a Jaipur Foot<ref>PRAHALAD, Coimbatore. 2005.The fortune at the bottom of the pyramid. Michigan: Wharton School Publishing. </ref>. | ||
