Luiz Antonio Machado da Silva: mudanças entre as edições
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== | == Por que inaugurar este Projeto com a trajetória e a obra de Luiz Antonio Machado da Silva? == | ||
O projeto de uma sociografia da sociologia urbana brasileira que estamos iniciando tem como primeiro objetivo analisar a formação desta área a partir das maneiras segundo as quais os seus protagonistas problematizam suas pesquisas e suas contribuições para o pensamento urbano deste país. Em função de nossa proximidade com Luiz Antonio Machado da Silva, e de suas importantes contribuições para os estudos urbanos no Rio de Janeiro, demos início a este projeto analisando a produção acadêmica desse autor e realizando uma série de entrevistas exclusivas no ano de 2008. Inicialmente, buscávamos recuperar a importância da sua obra para a Sociologia Urbana brasileira e, através do conteúdo da entrevista, avaliamos que sua produção dialogava com numerosos outros sociólogos e antropólogos brasileiros e estrangeiros. Por este motivo, pensamos em desdobrar nosso projeto inicial de forma “rizomática”, fazendo dialogar esse autor com os outros pesquisadores que produziram pesquisas nos períodos em que ele realizou as suas próprias. | O projeto de uma sociografia da sociologia urbana brasileira que estamos iniciando tem como primeiro objetivo analisar a formação desta área a partir das maneiras segundo as quais os seus protagonistas problematizam suas pesquisas e suas contribuições para o pensamento urbano deste país. Em função de nossa proximidade com Luiz Antonio Machado da Silva, e de suas importantes contribuições para os estudos urbanos no Rio de Janeiro, demos início a este projeto analisando a produção acadêmica desse autor e realizando uma série de entrevistas exclusivas no ano de 2008. Inicialmente, buscávamos recuperar a importância da sua obra para a Sociologia Urbana brasileira e, através do conteúdo da entrevista, avaliamos que sua produção dialogava com numerosos outros sociólogos e antropólogos brasileiros e estrangeiros. Por este motivo, pensamos em desdobrar nosso projeto inicial de forma “rizomática”, fazendo dialogar esse autor com os outros pesquisadores que produziram pesquisas nos períodos em que ele realizou as suas próprias. | ||
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== | == Ciclos de vida e de temas de um outsider == | ||
Em diversos momentos da entrevista, Machado da Silva se referiu com certa insistência ao seu gosto pela “marginália” ou pelos bas-fonds, associando-o muitas vezes a uma inquietação existencialista que permeia não somente sua obra, mas também sua vida extra-acadêmica. Como é o caso de muitos autores, “a vida particular” e “a obra” de Luiz Antonio Machado da Silva são entrelaçadas, não havendo a possibilidade de se compreender o teor de sua produção dissociando os diferentes momentos biográficos dos temas tratados na sua obra, os contextos dos textos. Por este motivo, propomos analisar os temas tratados pelo autor a partir da descrição de sua trajetória. | Em diversos momentos da entrevista, Machado da Silva se referiu com certa insistência ao seu gosto pela “marginália” ou pelos bas-fonds, associando-o muitas vezes a uma inquietação existencialista que permeia não somente sua obra, mas também sua vida extra-acadêmica. Como é o caso de muitos autores, “a vida particular” e “a obra” de Luiz Antonio Machado da Silva são entrelaçadas, não havendo a possibilidade de se compreender o teor de sua produção dissociando os diferentes momentos biográficos dos temas tratados na sua obra, os contextos dos textos. Por este motivo, propomos analisar os temas tratados pelo autor a partir da descrição de sua trajetória. | ||
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Quando descreve os diferentes momentos de sua produção acadêmica, Machado da Silva distingue quatro temáticas centrais, todas voltadas para diferentes formas de sociabilidade de camadas populares urbanas: habitações populares e favelas, movimentos sociais urbanos e seus paradigmas, trabalho e informalidade, representações sociais da violência urbana e segregação urbana. Contrariamente ao que se poderia esperar, essas temáticas não são sempre tratadas separadamente, principalmente no que tange à produção do autor sobre os temas das favelas e do trabalho informal. | Quando descreve os diferentes momentos de sua produção acadêmica, Machado da Silva distingue quatro temáticas centrais, todas voltadas para diferentes formas de sociabilidade de camadas populares urbanas: habitações populares e favelas, movimentos sociais urbanos e seus paradigmas, trabalho e informalidade, representações sociais da violência urbana e segregação urbana. Contrariamente ao que se poderia esperar, essas temáticas não são sempre tratadas separadamente, principalmente no que tange à produção do autor sobre os temas das favelas e do trabalho informal. | ||
=== | === Da Praia de Copacabana à PUC === | ||
Machado da Silva nasceu em 1941, no Leme, Rio de Janeiro. Seu pai, antes faxineiro, tornou-se gerente de uma empresa de importação e exportação de tecidos (e morreu quando ele tinha cinco anos), e sua mãe vinha de uma tradicional família de militares cariocas. Na juventude, Machado frequentava a praia de Copacabana, jogava vôlei (chegou a ser campeão brasileiro) e tinha um grupo de amigos do qual faziam parte Otávio Velho (antropólogo, foi professor do Museu Nacional – UFRJ) e Eurico Figueiredo (cientista político, foi professor da UFF). | Machado da Silva nasceu em 1941, no Leme, Rio de Janeiro. Seu pai, antes faxineiro, tornou-se gerente de uma empresa de importação e exportação de tecidos (e morreu quando ele tinha cinco anos), e sua mãe vinha de uma tradicional família de militares cariocas. Na juventude, Machado frequentava a praia de Copacabana, jogava vôlei (chegou a ser campeão brasileiro) e tinha um grupo de amigos do qual faziam parte Otávio Velho (antropólogo, foi professor do Museu Nacional – UFRJ) e Eurico Figueiredo (cientista político, foi professor da UFF). | ||
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=== | === A “entrada na Carreira”, do tema do trabalho à informalidade === | ||
Entre o período do final da graduação na PUC e início do mestrado, no Museu Nacional, Machado se envolve em diversos projetos de pesquisa e intervenção social, que aconteceram nos anos 1960 na cidade do Rio de Janeiro. Tais projetos abarcavam o estudo das condições de vida dos trabalhadores na Guanabara (financiado pelo Ministério da Educação), etnografia sobre a prostituição na região do Mangue (com apoio financeiro da USAID) e o levantamento socioeconômico das favelas de Cordovil e Vigário Geral, como parte das atividades da Companhia de Desenvolvimento da Comunidade (CODESCO). É interessante observar que a aproximação de Machado da Silva com a temática da marginalidade e, principalmente, das favelas cariocas, se deu também como ator desse contexto – através da participação em importantes programas de intervenção ou de experiências anteriores – e não apenas através da academia. Como veremos na seção em que analisaremos como Machado da Silva problematiza a sua relação com a pesquisa de campo, as experiências extra-acadêmicas e, em particular, a sua circulação nos espaços marginais da cidade são centrais para se compreender tanto a escolha dos temas quanto seu ponto de partida em relação à construção de seu olhar sobre as camadas populares. | Entre o período do final da graduação na PUC e início do mestrado, no Museu Nacional, Machado se envolve em diversos projetos de pesquisa e intervenção social, que aconteceram nos anos 1960 na cidade do Rio de Janeiro. Tais projetos abarcavam o estudo das condições de vida dos trabalhadores na Guanabara (financiado pelo Ministério da Educação), etnografia sobre a prostituição na região do Mangue (com apoio financeiro da USAID) e o levantamento socioeconômico das favelas de Cordovil e Vigário Geral, como parte das atividades da Companhia de Desenvolvimento da Comunidade (CODESCO). É interessante observar que a aproximação de Machado da Silva com a temática da marginalidade e, principalmente, das favelas cariocas, se deu também como ator desse contexto – através da participação em importantes programas de intervenção ou de experiências anteriores – e não apenas através da academia. Como veremos na seção em que analisaremos como Machado da Silva problematiza a sua relação com a pesquisa de campo, as experiências extra-acadêmicas e, em particular, a sua circulação nos espaços marginais da cidade são centrais para se compreender tanto a escolha dos temas quanto seu ponto de partida em relação à construção de seu olhar sobre as camadas populares. | ||
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=== | === Habitações populares, favelas e sociabilidade === | ||
Como já mencionado, durante os anos 1960, Machado da Silva realizou diversas pesquisas de campo em favelas do Rio de Janeiro. Durante esse período, conheceu o Peace Corps no âmbito de suas atividades profissionais. Nesse quadro, Machado da Silva conheceu Anthony Leeds e frequentou seu grupo de pesquisa (composto por vários peace corps, que moravam em favelas do Rio de Janeiro e que realizaram estudos sociológicos e antropológicos sobre seus lugares de moradia), sobre o qual destacou o “ambiente agradável” e criativo. A participação nesse grupo foi considerada por Machado da Silva “uma experiência decisiva” e “crucial” na sua formação intelectual. Machado destaca, inclusive, a importância de Anthony Leeds no seu artigo A vida política na favela, publicado em 1967, onde o autor discute a heterogeneidade dentro dos territórios favelados – questão ainda central nos trabalhos atuais sobre esta temática – e cunha o conceito de “burguesia favelada”. | Como já mencionado, durante os anos 1960, Machado da Silva realizou diversas pesquisas de campo em favelas do Rio de Janeiro. Durante esse período, conheceu o Peace Corps no âmbito de suas atividades profissionais. Nesse quadro, Machado da Silva conheceu Anthony Leeds e frequentou seu grupo de pesquisa (composto por vários peace corps, que moravam em favelas do Rio de Janeiro e que realizaram estudos sociológicos e antropológicos sobre seus lugares de moradia), sobre o qual destacou o “ambiente agradável” e criativo. A participação nesse grupo foi considerada por Machado da Silva “uma experiência decisiva” e “crucial” na sua formação intelectual. Machado destaca, inclusive, a importância de Anthony Leeds no seu artigo A vida política na favela, publicado em 1967, onde o autor discute a heterogeneidade dentro dos territórios favelados – questão ainda central nos trabalhos atuais sobre esta temática – e cunha o conceito de “burguesia favelada”. | ||
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O encontro com Anthony Leeds ganhou tanta importância na trajetória de Machado da Silva que este identifica um corte na sua produção acadêmica: uma fase anterior ao contato com Leeds e outra posterior, a “fase Tony”. Nesse segundo momento, não se tratava apenas de discutir o problema habitacional, mas também de analisar o fundamento da reprodução social. Nos anos 1970, em período de milagre econômico, o debate sociológico estava norteado pela discussão sobre as condições de produção e reprodução social. Nesse quadro, Machado da Silva inicia sua discussão sobre o jogo de bicho paralelamente às observações do botequim, resolvendo iniciar nesse período uma etnografia do botequim em frente ao bar que frequentava. Dessa forma, tanto no caso da sua produção sobre o botequim, quanto naquele da produção sobre o jogo do bicho, observa-se um franco interesse pelos temas da marginalidade e da subalternidade, explícito nas produções do mestrado e do doutorado e em temas de pesquisa como A prostituição no estado da Guanabara e O significado do botequim. | O encontro com Anthony Leeds ganhou tanta importância na trajetória de Machado da Silva que este identifica um corte na sua produção acadêmica: uma fase anterior ao contato com Leeds e outra posterior, a “fase Tony”. Nesse segundo momento, não se tratava apenas de discutir o problema habitacional, mas também de analisar o fundamento da reprodução social. Nos anos 1970, em período de milagre econômico, o debate sociológico estava norteado pela discussão sobre as condições de produção e reprodução social. Nesse quadro, Machado da Silva inicia sua discussão sobre o jogo de bicho paralelamente às observações do botequim, resolvendo iniciar nesse período uma etnografia do botequim em frente ao bar que frequentava. Dessa forma, tanto no caso da sua produção sobre o botequim, quanto naquele da produção sobre o jogo do bicho, observa-se um franco interesse pelos temas da marginalidade e da subalternidade, explícito nas produções do mestrado e do doutorado e em temas de pesquisa como A prostituição no estado da Guanabara e O significado do botequim. | ||
=== | === Movimentos sociais urbanos === | ||
Quando Machado da Silva se dedicou à análise dos movimentos sociais urbanos, tema central na Sociologia Urbana dos anos 1980, no âmbito do grupo sobre movimentos sociais da Anpocs, o autor segue uma direção que se distingue nitidamente daquela de muitos outros estudiosos sobre este tema. Em vez de tomar a noção de movimentos sociais como unívoca, ou taken for granted, o autor analisa, em um artigo, com Ziccardi, publicado em 1983, e em outro, com Ana Clara Torres Ribeiro, em 1985, os paradigmas que fundamentam as pesquisas dessa época. Vale destacar que Machado da Silva estava interessado na temática dos movimentos sociais desde o final dos anos 1970. O artigo em coautoria com Ziccardi (Machado da Silva e Ziccardi, 1979, publicado em 1983, na Ciências Sociais Hoje, no 2 ), apresentado no GT Movimentos Sociais Urbanos do III Encontro da Anpocs, anuncia assim a agenda de pesquisa que será consolidada nos anos 1980. Nesse artigo, os autores realizaram uma releitura dos trabalhos existentes sobre a temática dos movimentos sociais urbanos, pois observam uma “precariedade” “de marcos teóricos” (Machado da Silva e Ziccardi, 1983, p. 9) mobilizados para a compreensão dessa temática. Buscaram também compreender as “possibilidades e limitações que apresentam estas formas de organização e luta no interior dos processos de mudança social” (idem: ibidem). Por este motivo, analisam as tendências da sociologia urbana latino-americana sobre este tema e, em seguida, discutiram as limitações das definições atribuídas aos “movimentos sociais urbanos”. Em outros termos, a proposta consistia em uma sociografia (ainda que de modo exploratório) das produções da Sociologia Urbana sobre a temática dos movimentos sociais urbanos. | Quando Machado da Silva se dedicou à análise dos movimentos sociais urbanos, tema central na Sociologia Urbana dos anos 1980, no âmbito do grupo sobre movimentos sociais da Anpocs, o autor segue uma direção que se distingue nitidamente daquela de muitos outros estudiosos sobre este tema. Em vez de tomar a noção de movimentos sociais como unívoca, ou taken for granted, o autor analisa, em um artigo, com Ziccardi, publicado em 1983, e em outro, com Ana Clara Torres Ribeiro, em 1985, os paradigmas que fundamentam as pesquisas dessa época. Vale destacar que Machado da Silva estava interessado na temática dos movimentos sociais desde o final dos anos 1970. O artigo em coautoria com Ziccardi (Machado da Silva e Ziccardi, 1979, publicado em 1983, na Ciências Sociais Hoje, no 2 ), apresentado no GT Movimentos Sociais Urbanos do III Encontro da Anpocs, anuncia assim a agenda de pesquisa que será consolidada nos anos 1980. Nesse artigo, os autores realizaram uma releitura dos trabalhos existentes sobre a temática dos movimentos sociais urbanos, pois observam uma “precariedade” “de marcos teóricos” (Machado da Silva e Ziccardi, 1983, p. 9) mobilizados para a compreensão dessa temática. Buscaram também compreender as “possibilidades e limitações que apresentam estas formas de organização e luta no interior dos processos de mudança social” (idem: ibidem). Por este motivo, analisam as tendências da sociologia urbana latino-americana sobre este tema e, em seguida, discutiram as limitações das definições atribuídas aos “movimentos sociais urbanos”. Em outros termos, a proposta consistia em uma sociografia (ainda que de modo exploratório) das produções da Sociologia Urbana sobre a temática dos movimentos sociais urbanos. | ||
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=== | === Representações sociais sobre a violência urbana === | ||
Nas décadas de 1970 e 1980, estes foram os principais temas de pesquisa de Machado da Silva: mercado de trabalho, emprego e condição de vida da classe trabalhadora, condições de reprodução e mudança social na classe trabalhadora. Nos anos 1990, a questão do mercado de trabalho informal permanece como tema de seu interesse, mas a questão da criminalidade violenta e dos novos padrões de sociabilidade em face da violência passa a fazer parte de seus interesses de pesquisa e permanece como objeto das pesquisas na década seguinte. Em um artigo de 2002, o autor deixa evidente como compreende esta mudança, a passagem dos temas relacionados ao mercado de trabalho informal para os temas da violência, crime, pobreza e organização social no Rio de Janeiro. Nesse artigo, o autor apresenta uma discussão sobre a noção de informalidade, seu papel nos estudos feitos nos anos 1970 – fortemente marcados pelo tema da inclusão das classes subalternas à sociedade urbana e moderna nascente no Brasil, e como nos anos 1990 essa noção estaria sendo substituída pela noção de empregabilidade. Ao final do artigo Machado da Silva afirma: | Nas décadas de 1970 e 1980, estes foram os principais temas de pesquisa de Machado da Silva: mercado de trabalho, emprego e condição de vida da classe trabalhadora, condições de reprodução e mudança social na classe trabalhadora. Nos anos 1990, a questão do mercado de trabalho informal permanece como tema de seu interesse, mas a questão da criminalidade violenta e dos novos padrões de sociabilidade em face da violência passa a fazer parte de seus interesses de pesquisa e permanece como objeto das pesquisas na década seguinte. Em um artigo de 2002, o autor deixa evidente como compreende esta mudança, a passagem dos temas relacionados ao mercado de trabalho informal para os temas da violência, crime, pobreza e organização social no Rio de Janeiro. Nesse artigo, o autor apresenta uma discussão sobre a noção de informalidade, seu papel nos estudos feitos nos anos 1970 – fortemente marcados pelo tema da inclusão das classes subalternas à sociedade urbana e moderna nascente no Brasil, e como nos anos 1990 essa noção estaria sendo substituída pela noção de empregabilidade. Ao final do artigo Machado da Silva afirma: | ||
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== | == O rapport de Luiz Antonio Machado da Silva com seus objetos de estudo e com a pesquisa de campo''' ''' == | ||
Ocasionalmente, podemos ouvir em ambientes acadêmicos alguns comentários como “Machado não faz campo”. A constatação é severa, e não faz jus ao percurso de sua pesquisa urbana. Como vimos, ao apresentar as primeiras décadas que marcam a carreira de Machado, não se pode descartar as diferentes pesquisas que realizou (por exemplo, nas suas etnografias do botequim e do jogo do bicho). No entanto, ainda que a experiência empírica deste autor esteja longe de ser inexistente, pode-se perceber um movimento de retração do campo a partir de um determinado período. Isto não significa que a empiria esteja afastada de sua produção. Ao contrário, Machado da Silva não cessa de se autodenominar um “empirista” e repete frequentemente, como na entrevista, “que nunca gostou de macro-teorias vazias”. | Ocasionalmente, podemos ouvir em ambientes acadêmicos alguns comentários como “Machado não faz campo”. A constatação é severa, e não faz jus ao percurso de sua pesquisa urbana. Como vimos, ao apresentar as primeiras décadas que marcam a carreira de Machado, não se pode descartar as diferentes pesquisas que realizou (por exemplo, nas suas etnografias do botequim e do jogo do bicho). No entanto, ainda que a experiência empírica deste autor esteja longe de ser inexistente, pode-se perceber um movimento de retração do campo a partir de um determinado período. Isto não significa que a empiria esteja afastada de sua produção. Ao contrário, Machado da Silva não cessa de se autodenominar um “empirista” e repete frequentemente, como na entrevista, “que nunca gostou de macro-teorias vazias”. | ||
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== | == Considerações finais: “Do bloco do eu sozinho” == | ||
Como consideração final, propomos refletir sobre a possibilidade de definir uma unidade para o pensamento e a produção de Machado da Silva. É uma tarefa complicada, pela diversidade de temas por ele escolhidos. Além disso, a pretensão de uma unidade em sua obra não parece agradar ao próprio autor; buscar uma coerência interna parece ser mais interessante e produtivo. Essa coerência não será encontrada se buscarmos os alinhamentos teóricos e acadêmicos de Machado da Silva, ao longo de sua carreira. Como ele mesmo afirmou nas entrevistas dadas, nunca se sentiu parte de um grupo apenas, ou de alguma forma enquadrado: “Ninguém jamais conseguirá me amarrar em determinado grupo”. Ao contrário, participou de diversos grupos: do grupo de pesquisadores do Museu Nacional, na realização da pesquisa sobre modos de vida da classe trabalhadora no Nordeste; do grupo de Tony Leeds; do grupo de movimentos sociais na Anpocs; e hoje do grupo que se encontra semanalmente no IUPERJ e que reúne pesquisadores de diferentes universidades. Sem falar no grupo formado por mais de 15 alunos de mestrado e doutorado que atualmente são orientados por ele (formal ou informalmente). | Como consideração final, propomos refletir sobre a possibilidade de definir uma unidade para o pensamento e a produção de Machado da Silva. É uma tarefa complicada, pela diversidade de temas por ele escolhidos. Além disso, a pretensão de uma unidade em sua obra não parece agradar ao próprio autor; buscar uma coerência interna parece ser mais interessante e produtivo. Essa coerência não será encontrada se buscarmos os alinhamentos teóricos e acadêmicos de Machado da Silva, ao longo de sua carreira. Como ele mesmo afirmou nas entrevistas dadas, nunca se sentiu parte de um grupo apenas, ou de alguma forma enquadrado: “Ninguém jamais conseguirá me amarrar em determinado grupo”. Ao contrário, participou de diversos grupos: do grupo de pesquisadores do Museu Nacional, na realização da pesquisa sobre modos de vida da classe trabalhadora no Nordeste; do grupo de Tony Leeds; do grupo de movimentos sociais na Anpocs; e hoje do grupo que se encontra semanalmente no IUPERJ e que reúne pesquisadores de diferentes universidades. Sem falar no grupo formado por mais de 15 alunos de mestrado e doutorado que atualmente são orientados por ele (formal ou informalmente). | ||
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== | == Referências == | ||
FARIA, Lina e COSTA, Maria Conceição da. Cooperação científica internacional: estilos de atuação da Fundação Rockefeller e da Fundação Ford. In Dados, vol.49, n.1, 2006, pp. 159-191. | FARIA, Lina e COSTA, Maria Conceição da. Cooperação científica internacional: estilos de atuação da Fundação Rockefeller e da Fundação Ford. In Dados, vol.49, n.1, 2006, pp. 159-191. | ||
