Posse e Propriedade: mudanças entre as edições
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'''Autores: Adauto Lucio Cardoso, Rosângela Luft e [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Luciana_Ximenes Luciana Ximenes].''' | '''Autores: Adauto Lucio Cardoso, Rosângela Luft e [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Luciana_Ximenes Luciana Ximenes].''' | ||
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= Prelúdio = | |||
<span style="tab-stops:42.55pt">O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra, pressupondo antes de tudo a posse, não a propriedade. Entretanto, existe uma tradição na sociedade brasileira que entende que a estabilidade da relação de um morador com um bem imóvel, ou seja, que a segurança da posse somente é atingida quando se adquire a titularidade definitiva do bem, individual e registrada, regulamentada pelo modelo tradicional do direito de propriedade.</span> | <span style="tab-stops:42.55pt">O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra, pressupondo antes de tudo a posse, não a propriedade. Entretanto, existe uma tradição na sociedade brasileira que entende que a estabilidade da relação de um morador com um bem imóvel, ou seja, que a segurança da posse somente é atingida quando se adquire a titularidade definitiva do bem, individual e registrada, regulamentada pelo modelo tradicional do direito de propriedade.</span> | ||
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'''Introdução''' | = '''Introdução''' = | ||
O tema posse e propriedade será abordado aqui em função da sua ligação com o direito à moradia e por ser um aspecto importante das regularizações fundiárias. O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra e este está regulamentado pelo modelo tradicional do direito de propriedade, que apresenta uma tendência excessivamente individualista e formalista. Isto significa que a moradia somente costuma ter uma efetiva proteção jurídica quando o morador é proprietário individual do bem e tem essa propriedade registrada em seu nome no cartório de registro de imóveis. | O tema posse e propriedade será abordado aqui em função da sua ligação com o direito à moradia e por ser um aspecto importante das regularizações fundiárias. O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra e este está regulamentado pelo modelo tradicional do direito de propriedade, que apresenta uma tendência excessivamente individualista e formalista. Isto significa que a moradia somente costuma ter uma efetiva proteção jurídica quando o morador é proprietário individual do bem e tem essa propriedade registrada em seu nome no cartório de registro de imóveis. | ||
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'''A propriedade e a posse na história brasileira''' | = '''A propriedade e a posse na história brasileira''' = | ||
o período colonial, prevaleceu no Brasil o acesso à propriedade da terra por meio da posse, ou seja, era conferida a propriedade àqueles que já utilizassem e dessem produtividade à terra, desde que fossem cumpridas ainda algumas obrigações junto à Coroa Portuguesa. Até 1822, a estrutura fundiária do Brasil seguia o modelo do regime medieval português das sesmarias, sobre as quais se dava uma dupla propriedade entre Coroa e sesmeiro. Até então não havia, portanto, a propriedade plena da terra, visto que o sesmeiro a recebia por meio da carta de sesmaria e era condicionado por uma série de obrigações como posse da terra, cultivo, propriedade de escravo, medição, demarcação, confirmação, etc. No entanto, na prática, a regra que prevalecia era do descumprimento dos preceitos legais (GARCIA, 2011). A incoerência entre as condições legais e a realidade dos domínios, a ampla realidade de posses independentes de outorga de cartas de sesmarias, as imprecisões dos dados e informações sobre elas foram a regra desse período e oportunas à multiplicação de conflitos fundiários (MOTTA e SECRETO, 2011). | o período colonial, prevaleceu no Brasil o acesso à propriedade da terra por meio da posse, ou seja, era conferida a propriedade àqueles que já utilizassem e dessem produtividade à terra, desde que fossem cumpridas ainda algumas obrigações junto à Coroa Portuguesa. Até 1822, a estrutura fundiária do Brasil seguia o modelo do regime medieval português das sesmarias, sobre as quais se dava uma dupla propriedade entre Coroa e sesmeiro. Até então não havia, portanto, a propriedade plena da terra, visto que o sesmeiro a recebia por meio da carta de sesmaria e era condicionado por uma série de obrigações como posse da terra, cultivo, propriedade de escravo, medição, demarcação, confirmação, etc. No entanto, na prática, a regra que prevalecia era do descumprimento dos preceitos legais (GARCIA, 2011). A incoerência entre as condições legais e a realidade dos domínios, a ampla realidade de posses independentes de outorga de cartas de sesmarias, as imprecisões dos dados e informações sobre elas foram a regra desse período e oportunas à multiplicação de conflitos fundiários (MOTTA e SECRETO, 2011). | ||
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'''Função social da propriedade e a importância da posse na garantia de direitos''' | = '''Função social da propriedade e a importância da posse na garantia de direitos''' = | ||
As mudanças constitucionais do último século e sua repercussão no sistema jurídico fizeram com que se estabelecessem novos contextos para a caracterização do direito de propriedade. O fortalecimento dos direitos fundamentais e o reconhecimento dos direitos sociais atribui ao Estado a obrigação de prover necessidades sociais e intervir de forma mais efetiva em prol dos interesses coletivos. Esse contexto tem efeito importante sobre o direito de propriedade, pois o seu exercício e proteção jurídica passam a incorporar uma condição de legitimidade: o cumprimento da função social. | As mudanças constitucionais do último século e sua repercussão no sistema jurídico fizeram com que se estabelecessem novos contextos para a caracterização do direito de propriedade. O fortalecimento dos direitos fundamentais e o reconhecimento dos direitos sociais atribui ao Estado a obrigação de prover necessidades sociais e intervir de forma mais efetiva em prol dos interesses coletivos. Esse contexto tem efeito importante sobre o direito de propriedade, pois o seu exercício e proteção jurídica passam a incorporar uma condição de legitimidade: o cumprimento da função social. | ||
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'''Instrumentos de regularização de posse e de propriedade''' | = '''Instrumentos de regularização de posse e de propriedade''' = | ||
Nos programas de regularização fundiária, a segurança da posse dos moradores de favela depende de formalização dos direitos sobre os bens e do registro destes no cartório de registro de imóveis. A legislação prevê diferentes mecanismos para essa regularização, podendo: assegurar o direito de posse ou de propriedade; titular direitos - individualmente por morador ou abrangendo várias moradias de uma área; gerar uma propriedade exclusiva ou compartilhada; e, ainda, gerar provisoriamente uma posse que posteriormente é convertida em propriedade. Enfim, atualmente a legislação disponibiliza uma ampla lista de instrumentos, os quais podem ser escolhidos de acordo com as características dos imóveis, da área na qual eles estão inseridos, dos fins para os quais são empregados, das escolhas feitas pelos entes responsáveis pela regularização fundiária, etc. | Nos programas de regularização fundiária, a segurança da posse dos moradores de favela depende de formalização dos direitos sobre os bens e do registro destes no cartório de registro de imóveis. A legislação prevê diferentes mecanismos para essa regularização, podendo: assegurar o direito de posse ou de propriedade; titular direitos - individualmente por morador ou abrangendo várias moradias de uma área; gerar uma propriedade exclusiva ou compartilhada; e, ainda, gerar provisoriamente uma posse que posteriormente é convertida em propriedade. Enfim, atualmente a legislação disponibiliza uma ampla lista de instrumentos, os quais podem ser escolhidos de acordo com as características dos imóveis, da área na qual eles estão inseridos, dos fins para os quais são empregados, das escolhas feitas pelos entes responsáveis pela regularização fundiária, etc. | ||
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'''Conclusão''' | = '''Conclusão''' = | ||
A moradia é um direito fundamental que abrange não apenas ter um teto para morar, mas também a disponibilidade de condições essenciais para que a habitação e a região onde esteja localizada sejam ambientes seguros e com qualidades mínimas para garantir o desenvolvimento pessoal e social. Para que o exercício do direito à moradia seja juridicamente assegurado nas cidades, além da urbanização é igualmente necessário o uso de meios legais que garantam a posse ou a propriedade dos moradores sobre os bens. | A moradia é um direito fundamental que abrange não apenas ter um teto para morar, mas também a disponibilidade de condições essenciais para que a habitação e a região onde esteja localizada sejam ambientes seguros e com qualidades mínimas para garantir o desenvolvimento pessoal e social. Para que o exercício do direito à moradia seja juridicamente assegurado nas cidades, além da urbanização é igualmente necessário o uso de meios legais que garantam a posse ou a propriedade dos moradores sobre os bens. | ||
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'''REFERÊNCIAS''' | = '''REFERÊNCIAS''' = | ||
CHRISTILLINO, Cristiano L. Sendo senhor: eu grilo. A desconstrução das cadeias sucessórias. In: O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Org. M. Motta e M. Secreto. Niterói: EDUFF, 2011, pp. 193-213. | CHRISTILLINO, Cristiano L. Sendo senhor: eu grilo. A desconstrução das cadeias sucessórias. In: O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Org. M. Motta e M. Secreto. Niterói: EDUFF, 2011, pp. 193-213. | ||
