Periferia da Imagem Periférica: mudanças entre as edições
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<br/> Teve uma vez, num debate desses de cinema que alguém perguntou alguma coisa, ouviu minha resposta e disse pra mim que eu não havia entendido e respondeu por mim a pergunta que ele mesmo havia feito. Teve uma vez que disseram que o meu filme até ele faria. Teve uma vez que disseram que eu não deveria fazer filmes e sim escrever RAP. Teve uma vez que um policial e um moleque disseram ao mesmo tempo durante um enquadro: “você não sabe pelo que eu passo” e os dois trocaram de corpos e deu uma comédia muito engraçada, sucesso de bilheteria. Teve uma vez que colou no sarau né, daí assim o boy todo animado escolhendo alvos e gritando pow pow pow, daí ele teve medo de vir dormir no barraco, é que ninguém quis trepar com ele e tal, foi só de gentileza que nóis ofereceu. Teve uma vez que todo mundo percebeu que ele aprendeu a falar umas gírias e virou amigo de uma pa de favelado na internet, que fazia uma espécie de fotossíntese sugando a luz da galera de quebrada que brilha.<br/> “O que ficou de fora das nossas mara-vilhosas conquistas? ” perguntou a criança.<br/> “Nossa paz é um fruto que vai ser sempre retirado à força do nosso estômago, mas agora resta saber meu filho, se é desse fruto mesmo que queremos nos alimentar. ” disse a mãe. | <br/> Teve uma vez, num debate desses de cinema que alguém perguntou alguma coisa, ouviu minha resposta e disse pra mim que eu não havia entendido e respondeu por mim a pergunta que ele mesmo havia feito. Teve uma vez que disseram que o meu filme até ele faria. Teve uma vez que disseram que eu não deveria fazer filmes e sim escrever RAP. Teve uma vez que um policial e um moleque disseram ao mesmo tempo durante um enquadro: “você não sabe pelo que eu passo” e os dois trocaram de corpos e deu uma comédia muito engraçada, sucesso de bilheteria. Teve uma vez que colou no sarau né, daí assim o boy todo animado escolhendo alvos e gritando pow pow pow, daí ele teve medo de vir dormir no barraco, é que ninguém quis trepar com ele e tal, foi só de gentileza que nóis ofereceu. Teve uma vez que todo mundo percebeu que ele aprendeu a falar umas gírias e virou amigo de uma pa de favelado na internet, que fazia uma espécie de fotossíntese sugando a luz da galera de quebrada que brilha.<br/> “O que ficou de fora das nossas mara-vilhosas conquistas? ” perguntou a criança. | ||
<br/> “Nossa paz é um fruto que vai ser sempre retirado à força do nosso estômago, mas agora resta saber meu filho, se é desse fruto mesmo que queremos nos alimentar. ” disse a mãe. | |||
<br/> Teve uma vez, que saindo de um desses debates “de cinema” me perguntaram com curiosidade de pesquisador, como fazia pra fazer os filmes que eu fazia, qual seria a diferença entre alguém vir gravar alguma coisa na minha quebrada e eu fazer um filme por aqui. No momento respondi categórico: Não sei. E aquilo me incomoda até hoje, porque naquele momento não sabia que isso é a síntese do que os que são de outra classe tem como certeza: que eles podem ser o que quiser, inclusive ser a gente, e que nóis se tornar o que quiser significa… nos tornar eles. Esse é um processo evidente do capitalismo que corre nas veias de hoje em dia, onde é fácil demais “respeitar” ou “tornar-se outro” através dos inúmeros mecanismos de pesquisa que o dinheiro oferece. É mais fácil ainda destruir auto estima, conhecimentos milenares e vidas. De alguma forma o boyzinho de esquerda e o fascista moderninho andam de mãos dadas, violentam, matam, apagam, ou pelo menos tentam nos apagar. Um pela manta ideológica que veste quando qualquer idiota grita palavras que soam bem e outro pela capacidade de sistematicamente apagar a história das nossas para eximir sua culpa de ser o que se é.<br/> “A história é a história de violência contra nóis. ” disse a mãe. | <br/> Teve uma vez, que saindo de um desses debates “de cinema” me perguntaram com curiosidade de pesquisador, como fazia pra fazer os filmes que eu fazia, qual seria a diferença entre alguém vir gravar alguma coisa na minha quebrada e eu fazer um filme por aqui. No momento respondi categórico: Não sei. E aquilo me incomoda até hoje, porque naquele momento não sabia que isso é a síntese do que os que são de outra classe tem como certeza: que eles podem ser o que quiser, inclusive ser a gente, e que nóis se tornar o que quiser significa… nos tornar eles. Esse é um processo evidente do capitalismo que corre nas veias de hoje em dia, onde é fácil demais “respeitar” ou “tornar-se outro” através dos inúmeros mecanismos de pesquisa que o dinheiro oferece. É mais fácil ainda destruir auto estima, conhecimentos milenares e vidas. De alguma forma o boyzinho de esquerda e o fascista moderninho andam de mãos dadas, violentam, matam, apagam, ou pelo menos tentam nos apagar. Um pela manta ideológica que veste quando qualquer idiota grita palavras que soam bem e outro pela capacidade de sistematicamente apagar a história das nossas para eximir sua culpa de ser o que se é.<br/> “A história é a história de violência contra nóis. ” disse a mãe. | ||
