Museu a céu aberto do Morro da Providência: mudanças entre as edições

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'''Autoria: Palloma Menezes'''
'''Autoria: Palloma Menezes'''


= '''O mito da primeira favela''' =
= O mito da primeira favela =


<span lang="PT-BR" style="font-family:">O Morro da Providência é uma favela carioca adjacente à área de Proteção do Ambiente Cultural da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, preservada desde 1988. Seu maior diferencial é o fato de ser considerada – por diversos historiadores, cientistas políticos, jornalistas e pelo próprio Poder Público – como o primeiro exemplo de um tipo de assentamento habitacional, surgido no Rio de Janeiro há mais de um século, que hoje é denominado genericamente como favela. </span><span style="font-family:">Segundo o Prefeito César Maia:</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">O Morro da Providência é uma favela carioca adjacente à área de Proteção do Ambiente Cultural da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, preservada desde 1988. Seu maior diferencial é o fato de ser considerada – por diversos historiadores, cientistas políticos, jornalistas e pelo próprio Poder Público – como o primeiro exemplo de um tipo de assentamento habitacional, surgido no Rio de Janeiro há mais de um século, que hoje é denominado genericamente como favela. </span><span style="font-family:">Segundo o Prefeito César Maia:</span>
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<span lang="PT-BR" style="font-family:">O caso&nbsp;da&nbsp;Providência é importante, pois, em contraste com o que ocorre na Rocinha, ali não é o capital privado o agente promotor do turismo, mas sim o próprio Poder Público. “Esta iniciativa”, sugere Freire-Medeiros (2006), “aponta para uma experiência de ‘patrimonialização’ da favela diretamente vinculada à sua promoção como destino turístico”.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">O caso&nbsp;da&nbsp;Providência é importante, pois, em contraste com o que ocorre na Rocinha, ali não é o capital privado o agente promotor do turismo, mas sim o próprio Poder Público. “Esta iniciativa”, sugere Freire-Medeiros (2006), “aponta para uma experiência de ‘patrimonialização’ da favela diretamente vinculada à sua promoção como destino turístico”.</span>


= '''<span lang="PT-BR" style="font-family:">O processo de patrimonialização da favela</span>''' =
= <span lang="PT-BR" style="font-family:">O processo de patrimonialização da favela</span> =


<span lang="PT-BR" style="font-family:">Boa parte dos trabalhos recentes sobre patrimônio sugere, como destacam Appadurai e Breckenridge, que a apropriação do passado por atores do presente está sujeita a uma variedade de dinâmicas. Estas vão desde “problemas associados à etnicidade e identidade local, nostalgia e busca de uma autenticidade “museificada” atė a tensão entre os interesses dos Estados em fixar identidades locais e as pressões que as localidades exercem ao tentar transformar essas identidades” (2007: 13).</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">Boa parte dos trabalhos recentes sobre patrimônio sugere, como destacam Appadurai e Breckenridge, que a apropriação do passado por atores do presente está sujeita a uma variedade de dinâmicas. Estas vão desde “problemas associados à etnicidade e identidade local, nostalgia e busca de uma autenticidade “museificada” atė a tensão entre os interesses dos Estados em fixar identidades locais e as pressões que as localidades exercem ao tentar transformar essas identidades” (2007: 13).</span>
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<span lang="PT-BR" style="font-family:">Há ainda outras idéias que constam no projeto de reclassificação de espaços da favela mas que ainda não foram coladas em prática. Uma dessas idéias seria a de “congelar algumas casas, vielas e becos” 12 . Segundo Lu Petersen (2003), “isto significa que o visitante poderia entrar no interior dessas casas e ter uma visão clara de situações de viela dos moradores da favela”. Além de todas estas restaurações, reformas já realizadas e algumas propostas que ainda não saíram do papel, o processo de “invenção” do museu a céu aberto envolveu a construção de pontos turísticos, o embelezamento de determinadas áreas e a aplicação de marcadores do roteiro turístico do Morro da Providência. Analisaremos estes processos na próxima seção que tratará da construção da favela como destino turístico.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">Há ainda outras idéias que constam no projeto de reclassificação de espaços da favela mas que ainda não foram coladas em prática. Uma dessas idéias seria a de “congelar algumas casas, vielas e becos” 12 . Segundo Lu Petersen (2003), “isto significa que o visitante poderia entrar no interior dessas casas e ter uma visão clara de situações de viela dos moradores da favela”. Além de todas estas restaurações, reformas já realizadas e algumas propostas que ainda não saíram do papel, o processo de “invenção” do museu a céu aberto envolveu a construção de pontos turísticos, o embelezamento de determinadas áreas e a aplicação de marcadores do roteiro turístico do Morro da Providência. Analisaremos estes processos na próxima seção que tratará da construção da favela como destino turístico.</span>


= '''<span lang="PT-BR" style="font-family:">A construção da favela como destino turístico</span>''' =
= <span lang="PT-BR" style="font-family:">A construção da favela como destino turístico</span> =


<span lang="PT-BR" style="font-family:">A “construção” do Morro da Providência como um destino turístico, além de estar inserido nestes contextos– de expansão dos reality tours no mundo todo e de circulação da favela como uma marca–, exigiu um esforço do Poder Público no sentido de, não só reformar e restaurar edificações que passaram a ser consideradas patrimônios, como também criar pontos turísticos, embelezar determinadas áreas e aplicar marcadores que pudessem guiar e direcionar o olhar do turista no percurso do Museu a céu aberto.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">A “construção” do Morro da Providência como um destino turístico, além de estar inserido nestes contextos– de expansão dos reality tours no mundo todo e de circulação da favela como uma marca–, exigiu um esforço do Poder Público no sentido de, não só reformar e restaurar edificações que passaram a ser consideradas patrimônios, como também criar pontos turísticos, embelezar determinadas áreas e aplicar marcadores que pudessem guiar e direcionar o olhar do turista no percurso do Museu a céu aberto.</span>
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<span lang="PT-BR" style="font-family:">No terceiro mirante foi reformado um bar, o Bar do Beto, para que o estabelecimento passasse a oferecer aos turistas, como afirma Petersen, “alimentos e bebidas em condições higiênicas, e de contrapeso um magnífico pôr-do-sol sobre a Baia de Guanabara”. O dono de um bar se mostrou bastante entusiasmado com a reforma de seu estabelecimento patrocinada pela Prefeitura e com o curso que vem fez no Senac. Organizado pelo projeto “Rio Hospitaleiro” da Secretária de Turismo, o curso de 70 horas versa sobre “qualidade de atendimento, cidadania e legislação, informações sobre o sistema turístico, história e cultura do Rio de Janeiro e noções básicas de inglês e espanhol” 15 . Além das obras de infra-estrutura turística, placas de identificação foram colocadas nos pontos de visitação. A Prefeitura aplicou ainda de um piso para guiar os visitantes pelo roteiro de visitação na favela. A nova paisagem do museu, criada pelas obras do FavelaBairro, segundo Petersen, “substitui o que seria a galeria de um museu tradicional”.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">No terceiro mirante foi reformado um bar, o Bar do Beto, para que o estabelecimento passasse a oferecer aos turistas, como afirma Petersen, “alimentos e bebidas em condições higiênicas, e de contrapeso um magnífico pôr-do-sol sobre a Baia de Guanabara”. O dono de um bar se mostrou bastante entusiasmado com a reforma de seu estabelecimento patrocinada pela Prefeitura e com o curso que vem fez no Senac. Organizado pelo projeto “Rio Hospitaleiro” da Secretária de Turismo, o curso de 70 horas versa sobre “qualidade de atendimento, cidadania e legislação, informações sobre o sistema turístico, história e cultura do Rio de Janeiro e noções básicas de inglês e espanhol” 15 . Além das obras de infra-estrutura turística, placas de identificação foram colocadas nos pontos de visitação. A Prefeitura aplicou ainda de um piso para guiar os visitantes pelo roteiro de visitação na favela. A nova paisagem do museu, criada pelas obras do FavelaBairro, segundo Petersen, “substitui o que seria a galeria de um museu tradicional”.</span>


== '''<span lang="PT-BR" style="font-family:">Alguns dilemas práticos relacionados à implementação e a visitação do Museu</span>''' ==
== <span lang="PT-BR" style="font-family:">Alguns dilemas práticos relacionados à implementação e a visitação do Museu</span> ==


<span lang="PT-BR" style="font-family:">Duncan Light (2007) afirma que “o Estado é um ator importante na política cultural do turismo”. Política cultural esta que envolve escolhas sobre formas de turismo consideradas apropriadas e como, onde e para quem devem ser promovidas. Como resumo o autor, “a representação da cultura local é um ato político assim como a escolha sobre que recursos lugares serão desenvolvidos ou celebrados como parte da identidade de um território”.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">Duncan Light (2007) afirma que “o Estado é um ator importante na política cultural do turismo”. Política cultural esta que envolve escolhas sobre formas de turismo consideradas apropriadas e como, onde e para quem devem ser promovidas. Como resumo o autor, “a representação da cultura local é um ato político assim como a escolha sobre que recursos lugares serão desenvolvidos ou celebrados como parte da identidade de um território”.</span>
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<span lang="PT-BR" style="font-family:">O dono da agência apesar de afirmar ter gostado muito do museu e achar que os turistas também adorariam visitá-lo, se mostrou, no final do passeio, bastante preocupados com as condições de segurança da favela. Ele disse não acreditar que existam na Providência condições para se operar um tour, já que nem o fato de terem sido convidados pelo sub-secretário de turismo do município para ir a favela, o que, segundo ele, “pressupõe que havia uma estrutura por trás daquele evento”, teria sido capaz de impedir que tiros fossem ouvidos enquanto eles visitavam a favela.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">O dono da agência apesar de afirmar ter gostado muito do museu e achar que os turistas também adorariam visitá-lo, se mostrou, no final do passeio, bastante preocupados com as condições de segurança da favela. Ele disse não acreditar que existam na Providência condições para se operar um tour, já que nem o fato de terem sido convidados pelo sub-secretário de turismo do município para ir a favela, o que, segundo ele, “pressupõe que havia uma estrutura por trás daquele evento”, teria sido capaz de impedir que tiros fossem ouvidos enquanto eles visitavam a favela.</span>


= '''<span lang="PT-BR" style="font-family:">Esquecimento do Museu</span>''' =
= <span lang="PT-BR" style="font-family:">Esquecimento do Museu</span> =


<span lang="PT-BR" style="font-family:">Atualmente quase ninguém lembra da existência do Museu a céu aberto do Morro da Providência. Sugiro que o esquecimento se deva ao seguinte motivo: o Museu foi um projeto bastante inovador que se inseriu em uma série de tendências surgidos nos últimos anos – inclui-se nas propostas feitas pela “nova museologia”, no processo de democratização da preservação da memória de grupos que até então não tinha acesso a ela, nas mudanças propostas em relação às publicas direcionadas às favelas, na ideia de criar novos espaços de consumo da cidade como atração turística –, mas talvez ele não tenha conseguido se viabilizar exatamente por ignorar importantes premissas presentes nessas novas tendências.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">Atualmente quase ninguém lembra da existência do Museu a céu aberto do Morro da Providência. Sugiro que o esquecimento se deva ao seguinte motivo: o Museu foi um projeto bastante inovador que se inseriu em uma série de tendências surgidos nos últimos anos – inclui-se nas propostas feitas pela “nova museologia”, no processo de democratização da preservação da memória de grupos que até então não tinha acesso a ela, nas mudanças propostas em relação às publicas direcionadas às favelas, na ideia de criar novos espaços de consumo da cidade como atração turística –, mas talvez ele não tenha conseguido se viabilizar exatamente por ignorar importantes premissas presentes nessas novas tendências.</span>
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<span lang="PT-BR" style="font-family:">Deste modo, acaba ocorrendo uma dupla frustração em relação às possibilidades de alcance do museu: o museu não é lembrado nem pelos moradores da favela como patrimônio 18 nem por turistas como um destino turístico da cidade do Rio que poderiam visitar – já que na realidade, devido à violência, não é possível que aconteçam tours regularmente. Portanto, o futuro do Museu a céu aberto do Morro da Providência torna-se cada vez mais incerto e imprevisível.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">Deste modo, acaba ocorrendo uma dupla frustração em relação às possibilidades de alcance do museu: o museu não é lembrado nem pelos moradores da favela como patrimônio 18 nem por turistas como um destino turístico da cidade do Rio que poderiam visitar – já que na realidade, devido à violência, não é possível que aconteçam tours regularmente. Portanto, o futuro do Museu a céu aberto do Morro da Providência torna-se cada vez mais incerto e imprevisível.</span>


= '''<span lang="PT-BR" style="font-family:">Referências Bibliográficas</span>''' =
= <span lang="PT-BR" style="font-family:">Referências Bibliográficas</span> =


<span lang="PT-BR" style="font-family:">ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das favelas do Rio. Espaço e Debates, São Paulo, v.14. n.37, 1994.</span>
<span lang="PT-BR" style="font-family:">ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das favelas do Rio. Espaço e Debates, São Paulo, v.14. n.37, 1994.</span>
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[[#_ftnref1|<span style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:Calibri">[1]</span></span>]] <span lang="PT-BR" style="font-family:">Depoimento registrado no dvd promocional do Museu produzido pela “Cara de Cão Filmes” sob encomenda da Prefeitura do Rio de Janeiro.</span>
[[#_ftnref1|<span style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:Calibri">[1]</span></span>]] <span lang="PT-BR" style="font-family:">Depoimento registrado no dvd promocional do Museu produzido pela “Cara de Cão Filmes” sob encomenda da Prefeitura do Rio de Janeiro.</span>
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