Complexos de Favelas: mudanças entre as edições
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Autor: [[Usuário:Thiago_Matiolli|Thiago Matiolli]] | |||
== Introdução == | |||
<span style="font-size:small;"><span style="line-height:1.7999999999999998"><span style="font-family:Arial"><span style="font-variant-numeric:normal"><span style="font-variant-east-asian:normal"><span style="vertical-align:baseline"><span style="white-space:pre-wrap">De uns tempos para cá, o uso da noção de “comple</span></span></span></span></span></span></span>xo” para se tratar de algumas favelas da cidade do Rio de Janeiro - e mesmo de outro municípios próximos, como os da Baixada Fluminense - se tornou comum. Apenas para citar alguns deles: Complexo do Alemão, da Maré, da Penha, de Manguinhos, de Acari, da Pedreira, do Chapadão e por aí vai. Está presente no vocabulário de acadêmicos, agentes públicos, atores políticos, jornalistas e de cariocas em geral. Em alguma medida, ela acabou se somando a certas discussões, mais ou menos formais, sobre a nomeação de certos espaços da cidade: favelas, comunidades ou, de algum tempo pra cá, complexos de favelas (entre outras possibilidades)? | <span style="font-size:small;"><span style="line-height:1.7999999999999998"><span style="font-family:Arial"><span style="font-variant-numeric:normal"><span style="font-variant-east-asian:normal"><span style="vertical-align:baseline"><span style="white-space:pre-wrap">De uns tempos para cá, o uso da noção de “comple</span></span></span></span></span></span></span>xo” para se tratar de algumas favelas da cidade do Rio de Janeiro - e mesmo de outro municípios próximos, como os da Baixada Fluminense - se tornou comum. Apenas para citar alguns deles: Complexo do Alemão, da Maré, da Penha, de Manguinhos, de Acari, da Pedreira, do Chapadão e por aí vai. Está presente no vocabulário de acadêmicos, agentes públicos, atores políticos, jornalistas e de cariocas em geral. Em alguma medida, ela acabou se somando a certas discussões, mais ou menos formais, sobre a nomeação de certos espaços da cidade: favelas, comunidades ou, de algum tempo pra cá, complexos de favelas (entre outras possibilidades)? | ||
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Isto posto, e evitando fazer denúncia fundadas numa dicotomia imaginária, nas próximas seções, vamos fazer uma análise socio-histórica da noção de “complexo”, não para resolver de vez essa questão, mas para trazer contribuições para o debate. | Isto posto, e evitando fazer denúncia fundadas numa dicotomia imaginária, nas próximas seções, vamos fazer uma análise socio-histórica da noção de “complexo”, não para resolver de vez essa questão, mas para trazer contribuições para o debate. | ||
== Como urbanizar? == | |||
A virada da década de 1970 para a de 1980 já é reconhecida como período no qual a solução governamental para o problema das favelas no Rio de Janeiro passou a ser sua urbanização, preterindo as remoções. Essa história está muito bem documentada em diversos trabalhos, como pode ser visto, entre outros, em Valla (1986), Burgos (1998), Machado da Silva (2002), Valladares (2005) e Gonçalves (2013). Mas, pouco se estudou um efeito mais sutil dessa mudança de diretriz, qual seja, a questão que se colocou para os órgãos do governo municipal: como urbanizar? Em torno desta pergunta vão se articular três aspectos da política urbana carioca no início dos anos 1980: a formação de um novo quadro técnico e a produção massiva de conhecimento sobre as favelas; o desenvolvimento de uma nova forma de entender esses espaços, como aglomerados (conurbações de favelas); e a incidência da ação das agências multilaterais no surgimento de uma nova etapa do problema da favela. Aqui trataremos apenas do segundo aspecto, pois é desta perspectiva que a noção de “complexo” aplicada a determinadas favelas vai ser desenvolvida. | A virada da década de 1970 para a de 1980 já é reconhecida como período no qual a solução governamental para o problema das favelas no Rio de Janeiro passou a ser sua urbanização, preterindo as remoções. Essa história está muito bem documentada em diversos trabalhos, como pode ser visto, entre outros, em Valla (1986), Burgos (1998), Machado da Silva (2002), Valladares (2005) e Gonçalves (2013). Mas, pouco se estudou um efeito mais sutil dessa mudança de diretriz, qual seja, a questão que se colocou para os órgãos do governo municipal: como urbanizar? Em torno desta pergunta vão se articular três aspectos da política urbana carioca no início dos anos 1980: a formação de um novo quadro técnico e a produção massiva de conhecimento sobre as favelas; o desenvolvimento de uma nova forma de entender esses espaços, como aglomerados (conurbações de favelas); e a incidência da ação das agências multilaterais no surgimento de uma nova etapa do problema da favela. Aqui trataremos apenas do segundo aspecto, pois é desta perspectiva que a noção de “complexo” aplicada a determinadas favelas vai ser desenvolvida. | ||
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Trata-se, efetivamente, da produção de uma nova escala espacial no município do Rio de Janeiro que se soma a outras já existentes como as de bairro ou de favela. E não é uma simples questão conceitual, pois ela terá efeitos práticos na gestão urbana carioca. A principal delas é uma alteração na hierarquia das favelas na cidade, através da produção de novos espaços na cidade como os Complexos do Alemão e da Maré. Como pode ser visto nas tabelas abaixo, apresentadas no documento “Contribuição dos dados de população das favelas do Município do Rio de Janeiro” (1984), produzido pelo IPLANRIO. | Trata-se, efetivamente, da produção de uma nova escala espacial no município do Rio de Janeiro que se soma a outras já existentes como as de bairro ou de favela. E não é uma simples questão conceitual, pois ela terá efeitos práticos na gestão urbana carioca. A principal delas é uma alteração na hierarquia das favelas na cidade, através da produção de novos espaços na cidade como os Complexos do Alemão e da Maré. Como pode ser visto nas tabelas abaixo, apresentadas no documento “Contribuição dos dados de população das favelas do Município do Rio de Janeiro” (1984), produzido pelo IPLANRIO. | ||
'''Tabela 1 – “10 Favelas mais populosas do Município do Rio De Janeiro – 1980”''' | '''Tabela 1 – “10 Favelas mais populosas do Município do Rio De Janeiro – 1980”''' | ||
{| | {| border="1" cellpadding="1" cellspacing="1" style="width: 500px;" | ||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | Ordem | ||
| style="width: 295px; text-align: center;" | Nome | |||
| style="width: 47px; text-align: center;" | R.A | |||
| | | style="width: 88px; text-align: center;" | População | ||
| | |||
| | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 1º | ||
1º | | style="width: 295px;" | Rocinha | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | VI | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 32.996 | ||
Rocinha | |||
| | |||
VI | |||
| | |||
32. | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 2º | ||
2º | | style="width: 295px;" | Jacarezinho | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | XII | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 31.405 | ||
Jacarezinho | |||
| | |||
XII | |||
| | |||
31.405 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 3º | ||
3º | | style="width: 295px;" | Nova Brasília | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | XII | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 19.909 | ||
Nova | |||
| | |||
XII | |||
| | |||
19.909 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 4º | ||
4º | | style="width: 295px;" | Vila do Vintém | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | XVII | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 15.877 | ||
Vila do Vintém | |||
| | |||
XVII | |||
| | |||
15.877 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 5º | ||
5º | | style="width: 295px;" | Gleba I da antiga Fazenda Botafogo | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | XXII | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 14.721 | ||
Gleba I da antiga Fazenda Botafogo | |||
| | |||
XXII | |||
| | |||
14.721 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 6º | ||
6º | | style="width: 295px;" | Fazenda Coqueiro | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | XVII | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 14.115 | ||
Fazenda Coqueiro | |||
| | |||
XVII | |||
| | |||
14.115 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 7º | ||
7º | | style="width: 295px;" | Maré | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | X | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 14.046 | ||
Maré | |||
| | |||
X | |||
| | |||
14.046 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 8º | ||
8º | | style="width: 295px;" | Parque União | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | X | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 13.945 | ||
Parque União | |||
| | |||
X | |||
| | |||
13.945 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 9º | ||
9º | | style="width: 295px;" | Vila Proletária da Penha | ||
| style="width: 47px; text-align: center;" | XI | |||
| | | style="width: 88px; text-align: right;" | 13.564 | ||
Vila Proletária da Penha | |||
| | |||
XI | |||
| | |||
13.564 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 47px; text-align: center;" | 10º | ||
| style="width: 295px;" | Nova Holanda | |||
| style="width: 47px; text-align: center;" | X | |||
| style="width: 88px; text-align: right;" | 13.115 | |||
|} | |||
<span style="font-size:x-small;">Fonte: IPLANRIO, Contribuição dos dados de população das favelas do Município do Rio de Janeiro (1984) </span> | |||
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E, na página 8, esta outra: | E, na página 8, esta outra: | ||
'''Tabela 2 – “10 Favelas ou Aglomerados de Favelas mais Populosas do Município do Rio de Janeiro – 1980”''' | '''Tabela 2 – “10 Favelas ou Aglomerados de Favelas mais Populosas do Município do Rio de Janeiro – 1980”''' | ||
{| | {| border="1" cellpadding="1" cellspacing="1" style="width: 507px;" | ||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | Ordem | ||
| style="width: 301px; text-align: center;" | Nome | |||
| style="width: 46px; text-align: center;" | R.A | |||
| | | style="width: 91px; text-align: center;" | População | ||
| | |||
| | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 1º | ||
1º | | style="width: 301px;" | Baixa do Sapateiro, Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz, Parque União e Timbau | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | X | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 65.001 | ||
Baixa do Sapateiro, Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz, Parque União e Timbau | |||
| | |||
X | |||
| | |||
65.001 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 2º | ||
2º | | style="width: 301px;" | Itararé, Joaquim de Queirós, Morro do Alemão e Nova Brasília | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | X-XII | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 37.040 | ||
Itararé, Joaquim de Queirós, Morro do Alemão e Nova Brasília | |||
| | |||
X - XII | |||
| | |||
37.040 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 3º | ||
3º | | style="width: 301px;" | Rocinha | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | VI | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 32.996 | ||
Rocinha | |||
| | |||
VI | |||
| | |||
32. | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 4º | ||
4º | | style="width: 301px;" | Jacarezinho | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | XII | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 31.405 | ||
Jacarezinho | |||
| | |||
XII | |||
| | |||
31.405 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 5º | ||
5º | | style="width: 301px;" | Morro do Cariri, Vila Cruzeiro e Vila Proletária da Penha | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | X-XI | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 26.879 | ||
Morro do Cariri, Vila Cruzeiro e Vila Proletária da Penha | |||
| | |||
X | |||
| | |||
26.879 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 6º | ||
6º | | style="width: 301px;" | Morro Azevedo Lima, Morro São Carlos, Morro do Catumbi, Morro Santos Rodrigues e Rato | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | III | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 20.354 | ||
Morro Azevedo Lima, Morro São Carlos, | |||
| | |||
III | |||
| | |||
20.354 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 7º | ||
7º | | style="width: 301px;" | Parque Jardim Beira Mar, Parque Proletário de Vigário Geral e Te contei | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | XI | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 18.364 | ||
Parque Jardim Beira Mar, Parque Proletário de Vigário Geral e Te | |||
| | |||
XI | |||
| | |||
18.364 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 8º | ||
8º | | style="width: 301px;" | Almirante Tamandaré, Gleba I da antiga Fazenda Botafogo e Parque Bela Vista | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | XXII | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 17.334 | ||
Almirante Tamandaré, Gleba I da antiga Fazenda Botafogo e Parque Bela Vista | |||
| | |||
XXII | |||
| | |||
17.334 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 9º | ||
9º | | style="width: 301px;" | Vila do Vintém | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | XVII | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 15.877 | ||
Vila do Vintém | |||
| | |||
XVII | |||
| | |||
15.877 | |||
|- | |- | ||
| | | style="width: 46px; text-align: center;" | 10º | ||
10º | | style="width: 301px;" | Parque Acari, Vila Esperança e Vila Rica de Irajá | ||
| style="width: 46px; text-align: center;" | XII | |||
| | | style="width: 91px; text-align: right;" | 15.038 | ||
Parque Acari, Vila Esperança e Vila Rica de Irajá | |||
| | |||
| | |||
15.038 | |||
|} | |} | ||
<span style="font-size: | <span style="font-size:x-small;">Fonte: IPLANRIO, Contribuição dos dados de população das favelas do Município do Rio de Janeiro (1984)</span> | ||
É possível ver, a partir destas tabelas, uma mudança na hierarquia das maiores favelas da cidade do Rio de Janeiro, com a consideração dos complexos ou “aglomerados de favelas”. Não se trata de mera manipulação de dados, mas sim do efeito de um processo minucioso de análise e produção de informações que subsidiassem as ações de urbanização de favelas na cidade. E, como foi dito, também não se trata de simples questão conceitual, pois isso impacta diretamente a tomada de decisões do governo municipal carioca. Consideradas de modo isoladas, as quatro maiores favelas do Rio de janeiro seriam: Rocinha, Jacarezinho, Nova Brasília e Vila do Vintém (tabela 1); considerando os ”complexos”, esse ranking muda e temos como maiores espaços favelados do município: Complexo da Maré, do Alemão, Rocinha e Jacarezinho. Vejamos como isso impacta o tratamento do problema da favela na cidade do Rio de Janeiro em três momentos. | É possível ver, a partir destas tabelas, uma mudança na hierarquia das maiores favelas da cidade do Rio de Janeiro, com a consideração dos complexos ou “aglomerados de favelas”. Não se trata de mera manipulação de dados, mas sim do efeito de um processo minucioso de análise e produção de informações que subsidiassem as ações de urbanização de favelas na cidade. E, como foi dito, também não se trata de simples questão conceitual, pois isso impacta diretamente a tomada de decisões do governo municipal carioca. Consideradas de modo isoladas, as quatro maiores favelas do Rio de janeiro seriam: Rocinha, Jacarezinho, Nova Brasília e Vila do Vintém (tabela 1); considerando os ”complexos”, esse ranking muda e temos como maiores espaços favelados do município: Complexo da Maré, do Alemão, Rocinha e Jacarezinho. Vejamos como isso impacta o tratamento do problema da favela na cidade do Rio de Janeiro em três momentos. | ||
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O primeiro deles está situado nos primeiros anos da década de 1980. Período marcado, no governo municipal, pelo desenvolvimento do Cadastro de Favelas (IPLANRIO, 1983). Publicado em 1983, os trabalhos de pesquisa para sua construção começaram em 1980/81 e as informações produzidas neste processo alimentaram uma séries de ações governamentais dos três níveis de governo: municipal, estadual e federal. É no seio dos estudos para construção do Cadastro de Favelas que a noção de aglomerados e complexos de favelas se consolida. | O primeiro deles está situado nos primeiros anos da década de 1980. Período marcado, no governo municipal, pelo desenvolvimento do Cadastro de Favelas (IPLANRIO, 1983). Publicado em 1983, os trabalhos de pesquisa para sua construção começaram em 1980/81 e as informações produzidas neste processo alimentaram uma séries de ações governamentais dos três níveis de governo: municipal, estadual e federal. É no seio dos estudos para construção do Cadastro de Favelas que a noção de aglomerados e complexos de favelas se consolida. | ||
No período de 1980-1983, uma série de ações de urbanização de favelas, dos diversos níveis de governo, são realizadas, como o processo de eletrificação de favelas pela Light e o Proface/CEDAE, cujo objetivo era levar água de modo sistemático e estruturado para as favelas da cidade. O que esses programas têm em comum é o fato de serem setoriais, isto é, referem-se a um tipo de serviço público específico (luz e água, respectivamente), a ser implantado em um grande número de favelas. Mas, há outro tipo de ações concentrados em uma única favela ou conjunto de favelas, como o projeto Mutirão/UNESCO, o Projeto Rio | No período de 1980-1983, uma série de ações de urbanização de favelas, dos diversos níveis de governo, são realizadas, como o processo de eletrificação de favelas pela Light e o Proface/CEDAE, cujo objetivo era levar água de modo sistemático e estruturado para as favelas da cidade. O que esses programas têm em comum é o fato de serem setoriais, isto é, referem-se a um tipo de serviço público específico (luz e água, respectivamente), a ser implantado em um grande número de favelas. Mas, há outro tipo de ações concentrados em uma única favela ou conjunto de favelas, como o projeto Mutirão/UNESCO, o Projeto Rio<ref>Muito já foi produzido sobre o Projeto Rio ao longo dos anos desde sua realização, abordando diversos aspectos, desde a mobilização social desenvolvida no momento de sua implantação até aspectos técnicos do Projeto. A título de aproximação inicial, sugerimos como material de consulta sobre o Projeto Rio, as matérias produzidas pelo Rio on Watch, disponíveis no link: https://rioonwatch.org.br/?p=26789</ref> e o Projeto de Desenvolvimento Social de Favelas do Rio de Janeiro<ref>Sobre o Projeto de Desenvolvimento Social de Favelas do Rio de Janeiro, ver, neste dicionário, o verbete “Pertencimento ao Complexo do Alemão”. </ref>. | ||
O projeto Mutirão foi uma ação realizada através de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) e a UNESCO, realizada na Rocinha e que visava a realização de ações de urbanização na área em regime de ajuda mútua; o Projeto Rio, foi uma grande intervenção na produção de infraestrutura urbana e moradias, levada a cabo pelo Governo Federal na área atualmente conhecida como Complexo do Maré; já o Projeto de Desenvolvimento Social de Favelas do Rio de Janeiro é um grande diagnóstico elaborado pela SMDS, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre as favelas do Jacarezinho e do Complexo do Alemão. É possível ver que a realização das quatro maiores intervenções concentradas em uma favela ou conjunto de favelas na cidade do Rio de Janeiro no início dos anos 1980 se baseou em uma nova hierarquia urbana, impactada pelo desenvolvimento da noção de aglomerado ou complexo de favelas. | O projeto Mutirão foi uma ação realizada através de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) e a UNESCO, realizada na Rocinha e que visava a realização de ações de urbanização na área em regime de ajuda mútua; o Projeto Rio, foi uma grande intervenção na produção de infraestrutura urbana e moradias, levada a cabo pelo Governo Federal na área atualmente conhecida como Complexo do Maré; já o Projeto de Desenvolvimento Social de Favelas do Rio de Janeiro é um grande diagnóstico elaborado pela SMDS, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre as favelas do Jacarezinho e do Complexo do Alemão. É possível ver que a realização das quatro maiores intervenções concentradas em uma favela ou conjunto de favelas na cidade do Rio de Janeiro no início dos anos 1980 se baseou em uma nova hierarquia urbana, impactada pelo desenvolvimento da noção de aglomerado ou complexo de favelas. | ||
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Esse três momentos históricos ilustram como foi desenvolvida e consolidada, no seio de um quadro técnico da Prefeitura, a noção de “complexo” de favela. Não explicam, necessariamente, como o seu uso se ampliou e foi apropriado por outros atores políticos urbanos como os jornalistas, outros agentes públicos e mesmo entre as/os cariocas de maneira geral; tampouco, dão conta dos novos sentidos que lhe são atribuídos aos longos dos últimos anos, como uma possível lógica militarizada por trás de sua operação. Mas, não é por isso que esta análise histórica deixa de contribuir para uma compreensão do presente. Como veremos. | Esse três momentos históricos ilustram como foi desenvolvida e consolidada, no seio de um quadro técnico da Prefeitura, a noção de “complexo” de favela. Não explicam, necessariamente, como o seu uso se ampliou e foi apropriado por outros atores políticos urbanos como os jornalistas, outros agentes públicos e mesmo entre as/os cariocas de maneira geral; tampouco, dão conta dos novos sentidos que lhe são atribuídos aos longos dos últimos anos, como uma possível lógica militarizada por trás de sua operação. Mas, não é por isso que esta análise histórica deixa de contribuir para uma compreensão do presente. Como veremos. | ||
== Novas escalas urbanas == | |||
O resgate histórico feito nas páginas acima, ainda que não avance para além do início da década de 1990, traz contribuições para pensarmos o presente, sobretudo, quando analisamos a mudança na hierarquia urbana que ela produziu e, por consequência, na escolha de áreas que receberão recursos, serviços e programas. Isso mostra que o surgimento dos “complexos” de favelas, no seio da gestão urbana municipal, promoveu a produção de uma nova escala urbana de pertencimento e de realização de políticas públicas (Matiolli, 2016). | O resgate histórico feito nas páginas acima, ainda que não avance para além do início da década de 1990, traz contribuições para pensarmos o presente, sobretudo, quando analisamos a mudança na hierarquia urbana que ela produziu e, por consequência, na escolha de áreas que receberão recursos, serviços e programas. Isso mostra que o surgimento dos “complexos” de favelas, no seio da gestão urbana municipal, promoveu a produção de uma nova escala urbana de pertencimento e de realização de políticas públicas (Matiolli, 2016). | ||
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Bem como são múltiplas as definições do Complexo do Alemão, se você pergunta a uma moradora ou morador onde começa e termina o bairro. Há quem diga , por exemplo, que o Morro do Adeus faz parte e outras que o excluem se sua percepção do Alemão; há quem o associe ao Complexo da Penha; e por aí vai. Assim, enquanto nova escala de pertencimento, as pessoas que ali vivem podem ter mais uma referência de lugar para evocar, se lhe for estratégico; em outras palavras, não é que as/os moradoras/es não se identifiquem com o “complexo”, e sim que vão acionar seu pertencimento a ele de acordo com as circunstâncias. | Bem como são múltiplas as definições do Complexo do Alemão, se você pergunta a uma moradora ou morador onde começa e termina o bairro. Há quem diga , por exemplo, que o Morro do Adeus faz parte e outras que o excluem se sua percepção do Alemão; há quem o associe ao Complexo da Penha; e por aí vai. Assim, enquanto nova escala de pertencimento, as pessoas que ali vivem podem ter mais uma referência de lugar para evocar, se lhe for estratégico; em outras palavras, não é que as/os moradoras/es não se identifiquem com o “complexo”, e sim que vão acionar seu pertencimento a ele de acordo com as circunstâncias. | ||
Quando vemos a organização política no Complexo do Alemão nos últimos anos, é possível ver que as associações de moradores criadas na região que veio a ganhar esse nome se referenciam a suas localidades como a Nova Brasília, o Morro do Alemão, a Baiana, Grota entre outras. Diferentemente das novas organizações sociais que vão surgir no fim da década de 1990, com as ONG’s, inicialmente, e, mais recentemente, os coletivos, que vão ter como referência local, o Complexo do Alemão. O que cria uma intricada cartografia política que vai gerar as mais diversas alianças, como, por exemplo, no caso do Juntos pelo Complexo do Alemão | Quando vemos a organização política no Complexo do Alemão nos últimos anos, é possível ver que as associações de moradores criadas na região que veio a ganhar esse nome se referenciam a suas localidades como a Nova Brasília, o Morro do Alemão, a Baiana, Grota entre outras. Diferentemente das novas organizações sociais que vão surgir no fim da década de 1990, com as ONG’s, inicialmente, e, mais recentemente, os coletivos, que vão ter como referência local, o Complexo do Alemão. O que cria uma intricada cartografia política que vai gerar as mais diversas alianças, como, por exemplo, no caso do Juntos pelo Complexo do Alemão<ref>Para versões mais detalhadas desse exemplo, ver, neste dicionário, os verbetes: “pertencimento ao Complexo do Alemão”; “As associações de moradores do Complexo do Alemão” e “Juntos pelo Complexo do Alemão”.</ref>. | ||
Para além da dimensão da ação coletiva, do ponto de vista individual, é possível ver como as pessoas também podem acionar positivamente o Complexo do Alemão em suas iniciativas. Ao longo dos anos mais recentes, é possível ver empreendimentos locais que viram, na existência do “Complexo” uma marca que acionaram em seus negócios, como no caso da agência de turismo “Turismo no Alemão”, a marca de roupas “Complexidade urbana” e mesmo a cerveja “Complexo do Alemão”. | Para além da dimensão da ação coletiva, do ponto de vista individual, é possível ver como as pessoas também podem acionar positivamente o Complexo do Alemão em suas iniciativas. Ao longo dos anos mais recentes, é possível ver empreendimentos locais que viram, na existência do “Complexo” uma marca que acionaram em seus negócios, como no caso da agência de turismo “Turismo no Alemão”, a marca de roupas “Complexidade urbana” e mesmo a cerveja “Complexo do Alemão”. | ||
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== Referências bibliográficas == | |||
ALVITO, Marcos . As Cores de Acari. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003. v. 1. 300p | ALVITO, Marcos . As Cores de Acari. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003. v. 1. 300p | ||
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