Luiz Antonio Machado da Silva: mudanças entre as edições
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'''Autoras: [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Jussara_Freire Jussara Freire] e [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Lia_Rocha Lia de Mattos Rocha] | '''Autoras: [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Jussara_Freire Jussara Freire] e [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Lia_Rocha Lia de Mattos Rocha]''' | ||
'''Publicado originalmente na [http://www.revistas.uff.br/index.php/antropolitica/article/view/22 Revista Antropolítica], em 2010.''' | '''Publicado originalmente na [http://www.revistas.uff.br/index.php/antropolitica/article/view/22 Revista Antropolítica], em 2010.''' | ||
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Retomando essa proposta e buscando analisar as relações entre a figura do mediador (aqueles que são formados por ou em contato com porta-vozes de “sociologias de fora”) e do tradutor (uma vez posto em contato “ou formado”, o mediador se tornaria uma espécie de tradutor das “sociologias de fora” para “dentro”, isto é, nos contextos acadêmicos nos quais ele se encontra), propomos inserir, nessas abordagens, análises sobre as avaliações pessoais de pesquisadores brasileiros de destaque nessa área como pontos de vista nativos (e começando com pesquisadores acadêmicos atuando no Rio de Janeiro) sobre a presença destes e de outros protagonistas “de fora”. A avaliação desses atores torna-se importante para compreender como esta Sociologia Urbana (certamente como muitas outras) se forma em um processo criativo e dinâmico de trocas recíprocas e de interpretação de outros autores e abordagens. Desta forma, ao analisar a dinâmica da Sociologia Urbana brasileira e, mais especificamente, as influências recíprocas que participam de sua constituição, propomos entender como ela se constitui como uma ciência en train de se faire (LATOUR, 1989), através das formas de explorar e de experimentar outros mundos (científicos, mas, como veremos com nosso primeiro autor, não somente) vizinhos e estranhos, próximos e distantes, o que acaba formando este arranjo denominado Sociologia Urbana. Dessa forma, em vez de buscar a essência deste arranjo, propomos aqui apenas descrever a “feliz bagunça” (op. cit.) deste arranjo científico. Por este motivo, o presente artigo apresenta-se como um fragmento de um mosaico que procuramos reconstituir, escolhendo dar início a este projeto com a análise da obra de Luiz Antonio Machado da Silva. | Retomando essa proposta e buscando analisar as relações entre a figura do mediador (aqueles que são formados por ou em contato com porta-vozes de “sociologias de fora”) e do tradutor (uma vez posto em contato “ou formado”, o mediador se tornaria uma espécie de tradutor das “sociologias de fora” para “dentro”, isto é, nos contextos acadêmicos nos quais ele se encontra), propomos inserir, nessas abordagens, análises sobre as avaliações pessoais de pesquisadores brasileiros de destaque nessa área como pontos de vista nativos (e começando com pesquisadores acadêmicos atuando no Rio de Janeiro) sobre a presença destes e de outros protagonistas “de fora”. A avaliação desses atores torna-se importante para compreender como esta Sociologia Urbana (certamente como muitas outras) se forma em um processo criativo e dinâmico de trocas recíprocas e de interpretação de outros autores e abordagens. Desta forma, ao analisar a dinâmica da Sociologia Urbana brasileira e, mais especificamente, as influências recíprocas que participam de sua constituição, propomos entender como ela se constitui como uma ciência en train de se faire (LATOUR, 1989), através das formas de explorar e de experimentar outros mundos (científicos, mas, como veremos com nosso primeiro autor, não somente) vizinhos e estranhos, próximos e distantes, o que acaba formando este arranjo denominado Sociologia Urbana. Dessa forma, em vez de buscar a essência deste arranjo, propomos aqui apenas descrever a “feliz bagunça” (op. cit.) deste arranjo científico. Por este motivo, o presente artigo apresenta-se como um fragmento de um mosaico que procuramos reconstituir, escolhendo dar início a este projeto com a análise da obra de Luiz Antonio Machado da Silva. | ||
== Por que inaugurar este Projeto com a trajetória e a obra de Luiz Antonio Machado da Silva? == | == Por que inaugurar este Projeto com a trajetória e a obra de Luiz Antonio Machado da Silva? == | ||
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Por fim, não poderíamos deixar de mencionar o fato de que ambas as autoras foram orientadas por Luiz Antonio Machado da Silva. Esta relação, sem dúvida, justifica também – mas não somente – a nossa escolha sob o ângulo das aproximações intelectuais e de amizade que tecemos com o nosso orientador. Ainda que não seja o motivo exclusivo, as próprias trocas e experiências acadêmicas com Machado da Silva foram tão enriquecedoras e decisivas nas nossas próprias trajetórias que este artigo se apresenta também como uma modesta homenagem a esta personagem que, esperamos, fará jus à importância de sua contribuição na Sociologia Urbana brasileira. Em termos das condições de entrevistas, a menção a esta relação é também importante na medida em que Machado da Silva compartilhou conosco diferentes momentos de sua trajetória com um alto nível de detalhes durante três dias, o que seria certamente difícil de acontecer sem haver uma relação preestabelecida de confiança e de parceria entre as entrevistadoras e o entrevistado. | Por fim, não poderíamos deixar de mencionar o fato de que ambas as autoras foram orientadas por Luiz Antonio Machado da Silva. Esta relação, sem dúvida, justifica também – mas não somente – a nossa escolha sob o ângulo das aproximações intelectuais e de amizade que tecemos com o nosso orientador. Ainda que não seja o motivo exclusivo, as próprias trocas e experiências acadêmicas com Machado da Silva foram tão enriquecedoras e decisivas nas nossas próprias trajetórias que este artigo se apresenta também como uma modesta homenagem a esta personagem que, esperamos, fará jus à importância de sua contribuição na Sociologia Urbana brasileira. Em termos das condições de entrevistas, a menção a esta relação é também importante na medida em que Machado da Silva compartilhou conosco diferentes momentos de sua trajetória com um alto nível de detalhes durante três dias, o que seria certamente difícil de acontecer sem haver uma relação preestabelecida de confiança e de parceria entre as entrevistadoras e o entrevistado. | ||
== Ciclos de vida e de temas de um outsider == | == Ciclos de vida e de temas de um outsider == | ||
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Ainda que não fosse um aluno exemplar na escola (longe disso), Machado da Silva gostava muito de ler, particularmente romances. Quando descobriu a obra literária de Jean-Paul Sartre, ficou muito sensibilizado com os romances deste autor. Aos 18 anos, seu colega Moacir Palmeira ofereceu-lhe um livro de Kierkegaard, que teve destaque para Machado. Já nessa ocasião, foi rotulado pelo amigo de existencialista: “e hoje vejo que ele tinha razão”, ainda que se nomeie como um existencialista no sentido dos romances de Sartre, e não de sua filosofia. Vale mencionar esse interesse pela literatura pelo fato de que esta experiência desperta um primeiro contato com obras e correntes às quais Machado da Silva atribuiu uma importância significativa na forma de problematizar sua obra sociológica (com “um pano de fundo” existencialista), ou ainda, na escolha de certos temas (por exemplo, a obra de Émile Zola, escritor francês identificado com o realismo e naturalismo, é citada pelo entrevistado como um tipo de abordagem das camadas populares parecida com a que ele mesmo faria). | Ainda que não fosse um aluno exemplar na escola (longe disso), Machado da Silva gostava muito de ler, particularmente romances. Quando descobriu a obra literária de Jean-Paul Sartre, ficou muito sensibilizado com os romances deste autor. Aos 18 anos, seu colega Moacir Palmeira ofereceu-lhe um livro de Kierkegaard, que teve destaque para Machado. Já nessa ocasião, foi rotulado pelo amigo de existencialista: “e hoje vejo que ele tinha razão”, ainda que se nomeie como um existencialista no sentido dos romances de Sartre, e não de sua filosofia. Vale mencionar esse interesse pela literatura pelo fato de que esta experiência desperta um primeiro contato com obras e correntes às quais Machado da Silva atribuiu uma importância significativa na forma de problematizar sua obra sociológica (com “um pano de fundo” existencialista), ou ainda, na escolha de certos temas (por exemplo, a obra de Émile Zola, escritor francês identificado com o realismo e naturalismo, é citada pelo entrevistado como um tipo de abordagem das camadas populares parecida com a que ele mesmo faria). | ||
Foi com seu colega de praia, Otávio Velho, que Machado se inscreveu no curso de graduação em Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) entre 1961 e 1964. Apesar de sua entrada no curso ter sido meio por acaso, sem saber direito do que se tratava, afirmou que ao ter seus primeiros contatos com a produção e o pensamento sociológico, percebeu que tinha descoberto “sua praia”. Por convite de um professor da universidade, quase ao mesmo tempo em que fazia a graduação na PUC, realizou um curso de especialização em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia, entre 1962 e 1963. Na PUC, o quadro de professores e de alunos era bem variado: entre os professores havia muitos padres e também cientistas sociais importantes como José Artur Rios; entre os alunos encontravam-se aqueles sem interesse em seguir uma carreira acadêmica, e também colegas que tiveram grande importância em seu percurso profissional e intelectual, particularmente Moacir Palmeira (professor titular do Museu Nacional – UFRJ) e Sérgio Lemos. | Foi com seu colega de praia, Otávio Velho, que Machado se inscreveu no curso de graduação em Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) entre 1961 e 1964. Apesar de sua entrada no curso ter sido meio por acaso, sem saber direito do que se tratava, afirmou que ao ter seus primeiros contatos com a produção e o pensamento sociológico, percebeu que tinha descoberto “sua praia”. Por convite de um professor da universidade, quase ao mesmo tempo em que fazia a graduação na PUC, realizou um curso de especialização em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia, entre 1962 e 1963. Na PUC, o quadro de professores e de alunos era bem variado: entre os professores havia muitos padres e também cientistas sociais importantes como José Artur Rios; entre os alunos encontravam-se aqueles sem interesse em seguir uma carreira acadêmica, e também colegas que tiveram grande importância em seu percurso profissional e intelectual, particularmente Moacir Palmeira (professor titular do Museu Nacional – UFRJ) e Sérgio Lemos. | ||
=== A “entrada na Carreira”, do tema do trabalho à informalidade === | === A “entrada na Carreira”, do tema do trabalho à informalidade === | ||
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Os temas do mercado de trabalho, da marginalidade e da pobreza – explorados nas primeiras pesquisas acadêmicas feitas por Machado da Silva – continuaram sendo seu objeto de interesse em seu exercício como professor, tanto no IUPERJ quanto no curso de ciências sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, onde ingressou em 1986. A questão da informalidade, tratada em particular nas décadas de 1980 e 1990, não aparece apenas em termos do mercado de trabalho; o autor se interessa pelas relações entre instituições formais e outras que estão no limiar desta definição, como sua pesquisa sobre escolas de samba e jogo do bicho, realizado em coautoria com Filippina Chinelli. Assim, a abordagem dos temas atuais permanece sendo realizada através da lente que privilegia as formas de sociabilidade dos subalternos, marginalizados e “excluídos”, mesmo quando esta se volta para temas como trabalho. Paralelamente, nesse período, o autor também já trabalhava com a temática dos movimentos sociais. | Os temas do mercado de trabalho, da marginalidade e da pobreza – explorados nas primeiras pesquisas acadêmicas feitas por Machado da Silva – continuaram sendo seu objeto de interesse em seu exercício como professor, tanto no IUPERJ quanto no curso de ciências sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, onde ingressou em 1986. A questão da informalidade, tratada em particular nas décadas de 1980 e 1990, não aparece apenas em termos do mercado de trabalho; o autor se interessa pelas relações entre instituições formais e outras que estão no limiar desta definição, como sua pesquisa sobre escolas de samba e jogo do bicho, realizado em coautoria com Filippina Chinelli. Assim, a abordagem dos temas atuais permanece sendo realizada através da lente que privilegia as formas de sociabilidade dos subalternos, marginalizados e “excluídos”, mesmo quando esta se volta para temas como trabalho. Paralelamente, nesse período, o autor também já trabalhava com a temática dos movimentos sociais. | ||
=== Habitações populares, favelas e sociabilidade === | === Habitações populares, favelas e sociabilidade === | ||
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Quando Machado da Silva se dedicou à análise dos movimentos sociais urbanos, tema central na Sociologia Urbana dos anos 1980, no âmbito do grupo sobre movimentos sociais da Anpocs, o autor segue uma direção que se distingue nitidamente daquela de muitos outros estudiosos sobre este tema. Em vez de tomar a noção de movimentos sociais como unívoca, ou taken for granted, o autor analisa, em um artigo, com Ziccardi, publicado em 1983, e em outro, com Ana Clara Torres Ribeiro, em 1985, os paradigmas que fundamentam as pesquisas dessa época. Vale destacar que Machado da Silva estava interessado na temática dos movimentos sociais desde o final dos anos 1970. O artigo em coautoria com Ziccardi (Machado da Silva e Ziccardi, 1979, publicado em 1983, na Ciências Sociais Hoje, no 2 ), apresentado no GT Movimentos Sociais Urbanos do III Encontro da Anpocs, anuncia assim a agenda de pesquisa que será consolidada nos anos 1980. Nesse artigo, os autores realizaram uma releitura dos trabalhos existentes sobre a temática dos movimentos sociais urbanos, pois observam uma “precariedade” “de marcos teóricos” (Machado da Silva e Ziccardi, 1983, p. 9) mobilizados para a compreensão dessa temática. Buscaram também compreender as “possibilidades e limitações que apresentam estas formas de organização e luta no interior dos processos de mudança social” (idem: ibidem). Por este motivo, analisam as tendências da sociologia urbana latino-americana sobre este tema e, em seguida, discutiram as limitações das definições atribuídas aos “movimentos sociais urbanos”. Em outros termos, a proposta consistia em uma sociografia (ainda que de modo exploratório) das produções da Sociologia Urbana sobre a temática dos movimentos sociais urbanos. | Quando Machado da Silva se dedicou à análise dos movimentos sociais urbanos, tema central na Sociologia Urbana dos anos 1980, no âmbito do grupo sobre movimentos sociais da Anpocs, o autor segue uma direção que se distingue nitidamente daquela de muitos outros estudiosos sobre este tema. Em vez de tomar a noção de movimentos sociais como unívoca, ou taken for granted, o autor analisa, em um artigo, com Ziccardi, publicado em 1983, e em outro, com Ana Clara Torres Ribeiro, em 1985, os paradigmas que fundamentam as pesquisas dessa época. Vale destacar que Machado da Silva estava interessado na temática dos movimentos sociais desde o final dos anos 1970. O artigo em coautoria com Ziccardi (Machado da Silva e Ziccardi, 1979, publicado em 1983, na Ciências Sociais Hoje, no 2 ), apresentado no GT Movimentos Sociais Urbanos do III Encontro da Anpocs, anuncia assim a agenda de pesquisa que será consolidada nos anos 1980. Nesse artigo, os autores realizaram uma releitura dos trabalhos existentes sobre a temática dos movimentos sociais urbanos, pois observam uma “precariedade” “de marcos teóricos” (Machado da Silva e Ziccardi, 1983, p. 9) mobilizados para a compreensão dessa temática. Buscaram também compreender as “possibilidades e limitações que apresentam estas formas de organização e luta no interior dos processos de mudança social” (idem: ibidem). Por este motivo, analisam as tendências da sociologia urbana latino-americana sobre este tema e, em seguida, discutiram as limitações das definições atribuídas aos “movimentos sociais urbanos”. Em outros termos, a proposta consistia em uma sociografia (ainda que de modo exploratório) das produções da Sociologia Urbana sobre a temática dos movimentos sociais urbanos. | ||
Em outra parceria, Machado da Silva e Ribeiro (1985) mostraram, em um trabalho também apresentado no GT Movimentos sociais urbanos da Anpocs, que a origem do paradigma das pesquisas sobre movimentos sociais se centrava em uma concepção dos movimentos sociais como expressões populares, alternativas, independentes e espontâneas, cujas relações com o Estado eram marcadas por antagonismos e conflitos – e que o diálogo que vinha se estabelecendo não englobava interlocutores que não compartilhassem dessa caracterização. Os autores identificaram também uma modificação na abordagem de temas clássicos: as análises transferiram-se da questão do papel do Estado ante a acumulação monopolista para a questão de demandas fundadas nas carências de meios de consumo coletivo; assim como o tema da dominação foi enquadrado pela discussão da democratização brasileira (op. cit., p. 324). No entanto, Machado da Silva e Ribeiro destacam que importantes dimensões foram eclipsadas nas análises produzidas, como a existência de outras formas de interação entre movimentos e o Estado que não o conflito (e a cooptação, como resultado negativo desse). Os autores apontam ainda que tal paradigma sobre os movimentos sociais resultou em análises que valorizam positivamente e superdimensionam o impacto das ações desses coletivos sobre a estrutura estatal. Estes seriam os dois pressupostos do paradigma: o Estado como interlocutor e antagonista dos movimentos e o impacto transformador das ações dos movimentos sobre esse polo rival. Assim, Machado da Silva e Ribeiro concluem que “todo o esforço analítico fica canalizado e limitado por uma polarização que antecipa as conclusões: de um lado, cooptação e/ou esvaziamento; de outro, mobilização e/ou enfrentamento” (op.cit., p. 326). | Em outra parceria, Machado da Silva e Ribeiro (1985) mostraram, em um trabalho também apresentado no GT Movimentos sociais urbanos da Anpocs, que a origem do paradigma das pesquisas sobre movimentos sociais se centrava em uma concepção dos movimentos sociais como expressões populares, alternativas, independentes e espontâneas, cujas relações com o Estado eram marcadas por antagonismos e conflitos – e que o diálogo que vinha se estabelecendo não englobava interlocutores que não compartilhassem dessa caracterização. Os autores identificaram também uma modificação na abordagem de temas clássicos: as análises transferiram-se da questão do papel do Estado ante a acumulação monopolista para a questão de demandas fundadas nas carências de meios de consumo coletivo; assim como o tema da dominação foi enquadrado pela discussão da democratização brasileira (op. cit., p. 324). No entanto, Machado da Silva e Ribeiro destacam que importantes dimensões foram eclipsadas nas análises produzidas, como a existência de outras formas de interação entre movimentos e o Estado que não o conflito (e a cooptação, como resultado negativo desse). Os autores apontam ainda que tal paradigma sobre os movimentos sociais resultou em análises que valorizam positivamente e superdimensionam o impacto das ações desses coletivos sobre a estrutura estatal. Estes seriam os dois pressupostos do paradigma: o Estado como interlocutor e antagonista dos movimentos e o impacto transformador das ações dos movimentos sobre esse polo rival. Assim, Machado da Silva e Ribeiro concluem que “todo o esforço analítico fica canalizado e limitado por uma polarização que antecipa as conclusões: de um lado, cooptação e/ou esvaziamento; de outro, mobilização e/ou enfrentamento” (op.cit., p. 326). | ||
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Nos últimos anos de existência do grupo, muitos dos pesquisadores participantes se afastaram. Esse distanciamento pode ser explicado pelas mudanças do final dos anos 1980 e pelas aproximações entre o Estado e a sociedade civil, modificando a configuração do campo e o próprio tratamento do tema dos movimentos sociais. Por este motivo, o grupo e os enfoques analisados por ele perdem progressivamente o sentido. Evidentemente, isso não significa que Machado da Silva perca o interesse pelo tema dos movimentos, mas este estará presente como figuração nas pesquisas empíricas que realizará sobre representações sociais da violência urbana. | Nos últimos anos de existência do grupo, muitos dos pesquisadores participantes se afastaram. Esse distanciamento pode ser explicado pelas mudanças do final dos anos 1980 e pelas aproximações entre o Estado e a sociedade civil, modificando a configuração do campo e o próprio tratamento do tema dos movimentos sociais. Por este motivo, o grupo e os enfoques analisados por ele perdem progressivamente o sentido. Evidentemente, isso não significa que Machado da Silva perca o interesse pelo tema dos movimentos, mas este estará presente como figuração nas pesquisas empíricas que realizará sobre representações sociais da violência urbana. | ||
=== Representações sociais sobre a violência urbana === | === Representações sociais sobre a violência urbana === | ||
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Os últimos projetos de pesquisa coordenados por Machado da Silva buscaram levantar dados empíricos para subsidiar essa construção analítica. Na pesquisa, Rompendo o cerceamento da palavra: a voz dos favelados em busca de reconhecimento, dezenas de depoimentos coletados tornaram concreta e visível a submissão imposta aos moradores de favelas pelos grupos de traficantes que dominam e controlam seus locais de moradias. Os resultados dessa pesquisa foram apresentados no livro ''Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas cariocas'', publicado pela Nova Fronteira em 2008, com organização de Machado da Silva. | Os últimos projetos de pesquisa coordenados por Machado da Silva buscaram levantar dados empíricos para subsidiar essa construção analítica. Na pesquisa, Rompendo o cerceamento da palavra: a voz dos favelados em busca de reconhecimento, dezenas de depoimentos coletados tornaram concreta e visível a submissão imposta aos moradores de favelas pelos grupos de traficantes que dominam e controlam seus locais de moradias. Os resultados dessa pesquisa foram apresentados no livro ''Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas cariocas'', publicado pela Nova Fronteira em 2008, com organização de Machado da Silva. | ||
== O rapport de Luiz Antonio Machado da Silva com seus objetos de estudo e com a pesquisa de campo''' ''' == | == O rapport de Luiz Antonio Machado da Silva com seus objetos de estudo e com a pesquisa de campo''' ''' == | ||
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Da mesma forma, Machado da Silva destaca que a escolha da temática sobre as favelas estava intimamente relacionada às suas aproximações com diversos mundos das favelas, quando era jovem. Neste sentido, os primeiros contatos com favelas não foram relacionados com a sua atuação profissional, e sim, com redes de pessoas que frequentava na época (por exemplo, a primeira vez que Machado entrou na favela foi com um grupo de soldados do Exército, que conheceu quando se alistou). Em seguida, sua relação com as favelas foi por afinidade e por atração: “sempre tive uma clara preferência pela marginalidade”. Tal preferência era associada a uma crítica em relação à classe média: “Eu sempre gostei da marginália porque não gostava de minha própria classe”. Frequentar os espaços marginais era uma forma de experimentar o rompimento com seu pertencimento familiar e de classe. | Da mesma forma, Machado da Silva destaca que a escolha da temática sobre as favelas estava intimamente relacionada às suas aproximações com diversos mundos das favelas, quando era jovem. Neste sentido, os primeiros contatos com favelas não foram relacionados com a sua atuação profissional, e sim, com redes de pessoas que frequentava na época (por exemplo, a primeira vez que Machado entrou na favela foi com um grupo de soldados do Exército, que conheceu quando se alistou). Em seguida, sua relação com as favelas foi por afinidade e por atração: “sempre tive uma clara preferência pela marginalidade”. Tal preferência era associada a uma crítica em relação à classe média: “Eu sempre gostei da marginália porque não gostava de minha própria classe”. Frequentar os espaços marginais era uma forma de experimentar o rompimento com seu pertencimento familiar e de classe. | ||
Além disso, a relação com os objetos de pesquisa de Machado da Silva também precisa ser relacionada com seu gosto pelo existencialismo, e não como uma identificação política ou ideológica com “o povo”. No caso de Machado, o engajamento com os campos escolhidos é antes “existencial” (uma indignação existencial associada à obra de Jean-Paul Sartre) e não se trata de uma mera “adesão ao povo”. Tratava-se também de formar uma crítica da classe média através da crítica das camadas populares. | Além disso, a relação com os objetos de pesquisa de Machado da Silva também precisa ser relacionada com seu gosto pelo existencialismo, e não como uma identificação política ou ideológica com “o povo”. No caso de Machado, o engajamento com os campos escolhidos é antes “existencial” (uma indignação existencial associada à obra de Jean-Paul Sartre) e não se trata de uma mera “adesão ao povo”. Tratava-se também de formar uma crítica da classe média através da crítica das camadas populares. | ||
== Considerações finais: “Do bloco do eu sozinho” == | == Considerações finais: “Do bloco do eu sozinho” == | ||
