Jane Nascimento: Antigamente, era tudo mato: mudanças entre as edições

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[[File:Jane.jpeg|right|upright]]'''Por Núcleo Piratininga de Comunicação'''
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O ano era 1966 quando os pais de Jane Nascimento decidiram se mudar com a família para uma localidade conhecida à época como Vila Cinco, em Jaquarepagá, no Rio de Janeiro. Ela e os irmãos viviam em uma região até então sem muitos vizinhos, onde as pessoas viviam da pesca, agricultura e da caça. Eram tempos mais simples, no limiar de um momento definidor para o destino econômico da Zona Oeste.
O ano era 1966 quando os pais de Jane Nascimento decidiram se mudar com a família para uma localidade conhecida à época como Vila Cinco, em Jaquarepagá, no Rio de Janeiro. Ela e os irmãos viviam em uma região até então sem muitos vizinhos, onde as pessoas viviam da pesca, agricultura e da caça. Eram tempos mais simples, no limiar de um momento definidor para o destino econômico da Zona Oeste.
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A vida profissional da jovem moradora de uma Zona Oeste tradicionalmente rural começou com a descoberta do gosto pela pintura. Pensava em estudar, em comprar material, mas a família era humilde e não podia investir. Até que um dia, o acaso deu uma ajudinha: “Um dia”, relembra, “eu encontrei na rua um dinheirinho - nem era muita coisa, não. Cheguei em casa e perguntei para minha mãe se podia ficar com esse dinheiro para comprar material para pintar”. Dona Josepha concordou, e Jane pode comprar seus primeiros pincéis, tintas e tela e começou a desenvolver pintura em tecido nas sobras dos tecidos que a mãe cozia em casa. “Sempre que eu encontrava um pedacinho de tecido dando sopa, eu gostava de ficar ali desenvolvendo.”
A vida profissional da jovem moradora de uma Zona Oeste tradicionalmente rural começou com a descoberta do gosto pela pintura. Pensava em estudar, em comprar material, mas a família era humilde e não podia investir. Até que um dia, o acaso deu uma ajudinha: “Um dia”, relembra, “eu encontrei na rua um dinheirinho - nem era muita coisa, não. Cheguei em casa e perguntei para minha mãe se podia ficar com esse dinheiro para comprar material para pintar”. Dona Josepha concordou, e Jane pode comprar seus primeiros pincéis, tintas e tela e começou a desenvolver pintura em tecido nas sobras dos tecidos que a mãe cozia em casa. “Sempre que eu encontrava um pedacinho de tecido dando sopa, eu gostava de ficar ali desenvolvendo.”


'''Trabalho e coletividade'''
= '''Trabalho e coletividade''' =


Daí, vieram os primeiros trabalhos. E a partir deles, veio despertar nela uma consciência diante de diversos problemas que dificultavam a vida - a dela e a de outros que só queriam trabalhar. Com 28 anos, indo trabalhar em Nova Iguaçu, viu um grupo de jovens, como ela, que andavam desocupados na praça, e decidiu dividir o que sabia de estamparia com eles. Deu certo. “Começou a formar fila pra comprar a camisa. Pessoal ficava “essa é a minha! Essa é a minha!”. “Eu ainda não era de movimento social, mas eu acho que eu já tinha um instinto.
Daí, vieram os primeiros trabalhos. E a partir deles, veio despertar nela uma consciência diante de diversos problemas que dificultavam a vida - a dela e a de outros que só queriam trabalhar. Com 28 anos, indo trabalhar em Nova Iguaçu, viu um grupo de jovens, como ela, que andavam desocupados na praça, e decidiu dividir o que sabia de estamparia com eles. Deu certo. “Começou a formar fila pra comprar a camisa. Pessoal ficava “essa é a minha! Essa é a minha!”. “Eu ainda não era de movimento social, mas eu acho que eu já tinha um instinto.
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“A Sheila foi muito importante na luta, pra gente [Vila Autódromo]. Ela acompanhou as principais reuniões nossas na prefeitura. Quando a gente [associação de moradores] ia, eu vinha na Claudia e pedia socorro, e a Claudinha mandava Sheila.” Ela se lembra dos anos de embate com a prefeitura pelo direito de morar onde sempre morou, na Vila Autódromo, em vista das remoções que o governo estava realizando para efetuar obras relativas aos Jogos Olímpicos de 2016 que aconteceriam na cidade.
“A Sheila foi muito importante na luta, pra gente [Vila Autódromo]. Ela acompanhou as principais reuniões nossas na prefeitura. Quando a gente [associação de moradores] ia, eu vinha na Claudia e pedia socorro, e a Claudinha mandava Sheila.” Ela se lembra dos anos de embate com a prefeitura pelo direito de morar onde sempre morou, na Vila Autódromo, em vista das remoções que o governo estava realizando para efetuar obras relativas aos Jogos Olímpicos de 2016 que aconteceriam na cidade.


'''Vila Autódromo'''
= '''Vila Autódromo''' =


Segundo o site Museu das Remoções e a própria Jane, a <span style="color:#222222">Vila Autódromo teve sua origem nos anos 1960, como colônia de pescadores estabelecida às margens da Lagoa de Jacarepaguá. Na década seguinte, a população cresceu em vista das oportunidades de trabalho na construção das grandes obras na região, como o Riocentro e o Autódromo de Jacarepaguá – que inspirou o nome da comunidade.</span>
Segundo o site Museu das Remoções e a própria Jane, a <span style="color:#222222">Vila Autódromo teve sua origem nos anos 1960, como colônia de pescadores estabelecida às margens da Lagoa de Jacarepaguá. Na década seguinte, a população cresceu em vista das oportunidades de trabalho na construção das grandes obras na região, como o Riocentro e o Autódromo de Jacarepaguá – que inspirou o nome da comunidade.</span>
<p style="margin-bottom:27.0pt; text-align:justify"><span style="background:white"><span style="color:#222222">A própria prefeitura foi responsável por levar mais gente à comunidade. Houve dois reassentamentos no local - de moradores de comunidades que também sofreram remoções -, feitos pela Secretaria de Habitação: um de moradores da favela Cardoso Fontes, e outro de alguns moradores da Cidade de Deus.</span></span></p> <p style="margin-bottom:27.0pt; text-align:justify">Nos anos 1980, os moradores construíram uma associação, e fez um esforço para regularizar serviços fundamentais que até então eram negados aquelas pessoas: água e esgoto, luz elétrica, gás, telefone. O governo de Leonel Brizola (PDT 1991-1994) iniciou um programa de regularização fundiária na região.</p>  
<p style="margin-bottom:27.0pt; text-align:justify"><span style="background:white"><span style="color:#222222">A própria prefeitura foi responsável por levar mais gente à comunidade. Houve dois reassentamentos no local - de moradores de comunidades que também sofreram remoções -, feitos pela Secretaria de Habitação: um de moradores da favela Cardoso Fontes, e outro de alguns moradores da Cidade de Deus.</span></span></p> <p style="margin-bottom:27.0pt; text-align:justify">Nos anos 1980, os moradores construíram uma associação, e fez um esforço para regularizar serviços fundamentais que até então eram negados aquelas pessoas: água e esgoto, luz elétrica, gás, telefone. O governo de Leonel Brizola (PDT 1991-1994) iniciou um programa de regularização fundiária na região.</p> <p style="margin-bottom:27.0pt; text-align:justify">Nos anos 1990, Eduardo Paes começava a integrar o dia a dia daquela população quando foi subprefeito da Barra da Tijuca durante a gestão Cesar Maia. O plano de governo para a região consistia em expulsar os moradores das proximidades do autódromo para explorar o terreno em empreendimentos privados, por sua localização interessante. Ele nunca mais daria sossego.</p>
Nos anos 1990, Eduardo Paes começava a integrar o dia a dia daquela população quando foi subprefeito da Barra da Tijuca durante a gestão Cesar Maia. O plano de governo para a região consistia em expulsar os moradores das proximidades do autódromo para explorar o terreno em empreendimentos privados, por sua localização interessante. Ele nunca mais daria sossego.
 
<span style="background:white"><span style="color:#222222">Em sua gestão como prefeito na cidade (2009-2016), os grandes eventos esportivos da década estiveram no centro de atenção da gestão. A remoção de comunidades de baixa renda foi uma marca do governo de Paes. Vila Autódromo, onde Jane morava, era uma das quase 120 comunidades a serem reassentadas pelo Município. Mais de 20 mil famílias foram removidas em função da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olímpicos.</span></span>
<span style="background:white"><span style="color:#222222">Em sua gestão como prefeito na cidade (2009-2016), os grandes eventos esportivos da década estiveram no centro de atenção da gestão. A remoção de comunidades de baixa renda foi uma marca do governo de Paes. Vila Autódromo, onde Jane morava, era uma das quase 120 comunidades a serem reassentadas pelo Município. Mais de 20 mil famílias foram removidas em função da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olímpicos.</span></span>


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Ela reclama que a qualidade de vida de quem dependia da pesca e outras atividades que garantiam o sustento &nbsp;caiu muito com a condição imposta pelo Minha Casa Minha Vida. “A Vila Autódromo, como outras comunidades, era agrícola, pesqueira… e as pessoas foram removidas pra dentro de apartamento”.
Ela reclama que a qualidade de vida de quem dependia da pesca e outras atividades que garantiam o sustento &nbsp;caiu muito com a condição imposta pelo Minha Casa Minha Vida. “A Vila Autódromo, como outras comunidades, era agrícola, pesqueira… e as pessoas foram removidas pra dentro de apartamento”.


'''Movimento Social'''
= '''Movimento Social''' =


“Movimento Social pra mim é a melhor religião do mundo. Por que ele luta por um mundo melhor”. Ela não se lembra de quantos movimentos já participou, mas sua trajetória é longa. Desde quando as filhas entraram para a escola, e ela passou a se envolver no Conselho Escola Comunidade. Até chegar no MUP, já em Vila Autódromo, a história é longa. “São tantos, que não vou lembrar o nome, não. Eu não tenho partido nenhum, eu vou apoiar aquele candidato - por exemplo - que eu sentir que quer o bem”.
“Movimento Social pra mim é a melhor religião do mundo. Por que ele luta por um mundo melhor”. Ela não se lembra de quantos movimentos já participou, mas sua trajetória é longa. Desde quando as filhas entraram para a escola, e ela passou a se envolver no Conselho Escola Comunidade. Até chegar no MUP, já em Vila Autódromo, a história é longa. “São tantos, que não vou lembrar o nome, não. Eu não tenho partido nenhum, eu vou apoiar aquele candidato - por exemplo - que eu sentir que quer o bem”.


Atualmente, ela escreve no jornal ''Abaixo Assinado'', de Jacarepaguá, a convite do editor da folha, feita por moradores da região. Em sua primeira coluna, ela trata da condição de vida que moradores retirados de seus locais de origem. “A gente vai atrás de onde estão os problemas pra divulgar”. Ela, mesma, diz ter diversos problemas de saúde em decorrência do estresse acumulado e do atual endereço, onde relata se sentir uma estranha. “O mundo foi tomado por um sentimento de medo e ódio. E isso tudo vai me adoecendo. Tem hora que eu entro em parafuso dentro do apartamento. Eu me sinto deslocada.”
Atualmente, ela escreve no jornal [[Jornal_Abaixo-assinado_de_Jacarepaguá|''Abaixo Assinado'',]] de Jacarepaguá, a convite do editor da folha, feita por moradores da região. Em sua primeira coluna, ela trata da condição de vida que moradores retirados de seus locais de origem. “A gente vai atrás de onde estão os problemas pra divulgar”. Ela, mesma, diz ter diversos problemas de saúde em decorrência do estresse acumulado e do atual endereço, onde relata se sentir uma estranha. “O mundo foi tomado por um sentimento de medo e ódio. E isso tudo vai me adoecendo. Tem hora que eu entro em parafuso dentro do apartamento. Eu me sinto deslocada.”


'''Amizades'''
= '''Amizades''' =


Apesar de tantos problemas, Jane se sente feliz ao encontrar parceiros que lutam pelas mesmas causas que ela, e são verdadeiras na luta. Ela sabe diferenciar quem é quem. “Tirando aqueles oportunistas que acham brechas pra tirar proveito, o resto se salva.” Ela fica emocionada ao relembrar da trajetória de pessoas próximas a ela, que antes sentiam medo e hoje, são verdadeiros líderes, como o ex-presidente da associação de moradores de Vila Autódromo, graças ao encorajamento dela própria. “Eu me lembro que eu chegava nas mesas, pegava o microfone e dava pra ele: “Levanta, vai representar o seu papel! Você tem força e não vai usar?”. E ele passou a falar.”
Apesar de tantos problemas, Jane se sente feliz ao encontrar parceiros que lutam pelas mesmas causas que ela, e são verdadeiras na luta. Ela sabe diferenciar quem é quem. “Tirando aqueles oportunistas que acham brechas pra tirar proveito, o resto se salva.” Ela fica emocionada ao relembrar da trajetória de pessoas próximas a ela, que antes sentiam medo e hoje, são verdadeiros líderes, como o ex-presidente da associação de moradores de Vila Autódromo, graças ao encorajamento dela própria. “Eu me lembro que eu chegava nas mesas, pegava o microfone e dava pra ele: “Levanta, vai representar o seu papel! Você tem força e não vai usar?”. E ele passou a falar.”


Essas sementes que ela plantou no caminho e que geraram afetos são os frutos que ela carrega pela vida. “Interessante que amizade a gente vai construindo um monte e parece um bonde que vai passando. Elas ficam, mas vão se renovando. Aí a gente volta lá atrás e reencontra as amizades lá de trás”.
Essas sementes que ela plantou no caminho e que geraram afetos são os frutos que ela carrega pela vida. “Interessante que amizade a gente vai construindo um monte e parece um bonde que vai passando. Elas ficam, mas vão se renovando. Aí a gente volta lá atrás e reencontra as amizades lá de trás”.
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