Mortalidade por COVID-19 no Santa Marta: mudanças entre as edições
Sem resumo de edição |
Sem resumo de edição |
||
| Linha 9: | Linha 9: | ||
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">A partir de um roteiro inicial, conversou-se com lideranças locais e moradores espalhados na favela, buscando identificar as mortes no período indicado. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Por ser de tamanho médio para pequeno e ter uma conformação geográfica que facilita a comunicação interna (contida fisicamente por dois muros que a ladeiam), as notícias, principalmente de morte, circulam muito rapidamente na Favela. Foram feitas sondagens nas redes sociais da Favela, por onde circula todo tipo de informação, inclusive morte e enterros, e coletadas informação sobre as mortes a partir de conversa direta com os moradores. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Foi contratada uma moradora local, ex-agente de saúde da clínica da família e formada em Serviço Social para abordar os familiares e conversar sobre as mortes, com o objetivo de saber quantos morreram de Covid 19 e em que condições. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Resultados: </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Foram identificados inicialmente 10 pessoas que morreram entre fevereiro e junho na favela de Santa Marta, de qualquer causa possível. No entanto, um foi descartado por já não morar na favela há alguns anos, apesar de ter familiares e amigos no Santa Marta. Portanto, ocorreram 9 óbitos, cujas famílias foram entrevistadas. Cinco morreram em decorrência da Covid 19, confirmada pelas circunstâncias: atestado óbito COVID-19 suspeito, ou sepultamento protocolo COVID-19. Não existiram exames ou atestados confirmatórios, mais um símbolo da incapacidade do Estado em lidar com a doença. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Os casos: </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">01. Morador 1 – Mulher, branca, 39 anos de idade. Informante: cunhada. Já estava doente, foi ao médico e chegou a ficar internada. Informante comentou: “Foi muito rápido o tempo entre internação e morte”. Acredita que foi infectada no hospital. Tinha ferida na perna: machucou em determinado momento. Tinha alguns furúnculos pelo corpo. Diabética. Hipertensa. Obesa. Transferida para um hospital em Piedade, ficou internada uma semana. Não fez exame para Covid-19 e os familiares não receberam nenhuma orientação. Deixou quatro filhos, uma maior de idade. Atestado de óbito: Doença respiratória aguda; Covid-19 suspeita; Doença coronariana; Diabetes Mellitus. Enterro com protocolo Covid 02. Morador 2 – Mulher, branca, 35 anos. Informante: o marido. Morreu de infarto. Era asmática. Teve o primeiro infarto em casa. Foi ao médico e, em seguida, foi internada e entubada. Na casa, ninguém teve sintomas da Covid. Ficou uma semana entubada. Tirou o tubo. Tinha acompanhamento clínico. Segundo os médicos, ela teve um segundo infarto. No entanto, houve melhora e o marido chegou a receber ligação para levar material de higiene e roupa porque a paciente passaria para a enfermaria. Mas na sexta-feira à noite informaram sua morte. Deixou duas crianças menores e marido. Ele não mostrou certidão de óbito porque estava de mudança para outra moradia no próprio Morro. O marido estava muito fragilizado, mas aberto ao diálogo. Atencioso, tentando mostrar equilíbrio diante da perda e remetendo-se sempre aos filhos, sua base para suportar a dor. Enterro normal. 03. Morador 3 – Mulher, preta, 84 anos. Informante: sobrinha. Hipertensa descontrolada. Com Alzheimer há aproximadamente um ano. Morava sozinha. Acumuladora. Três dias de internação. Dores no peito, falta de ar e tosse. Em casa, queda dentro do banheiro. Batimento baixo. Pressão alta. Internada no Miguel Couto, sala vermelha. Decorridos três dias da internação, ligaram para família e comunicaram o óbito. Suspeita de Covid-19. Atestado óbito confirma Covid-19, dentre outras causas. Atestado de óbito: Insuficiência respiratória aguda; Covid-19 suspeita; Hipertensão Arterial; DMC; Diabetes Mellitus tipo 2 Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pelo Corona Vírus 04. Morador 4 – Mulher, preta, 74 anos. Informante: filha, com quem morava. Hipertensa. Fístula (incontinência urinária e fezes). Em oito anos, várias internações. Problema circulatório: varizes internas sem circulação sanguínea. Acompanhada por angiologista, que há mais de quatro anos indicou cirurgia, mas ela nunca aceitou. Segundo a filha ela só tinha um rim. Nos últimos meses apareceram bolhas nas pernas que estouravam e viravam feridas. Antes da pandemia, mensalmente recebia visita da Clínica da Família. Visitas suspensas neste período. Umas duas vezes teve que descer com a mãe até a clínica para ser atendida em função do agravamento das feridas nas pernas. Tinha dificuldade para andar e estava perdendo o apetite. Há um mês (início de junho) desceu de maca e foi internada no SER Leblon, na sala amarela. Uma semana internada. Fez hemodiálise. Ficou um dia entubada. Atestado de óbito: Choque séptico, sepse cutânea e piodermite e DRC/Hemodiálise. Enterro normal. 05. Morador 5 –Mulher, parda, 76 anos. Informante: marido. Morreu de falência múltipla dos órgãos. Já estava doente e muito fragilizada. Hipertensa, fumante, fragilizada física e emocionalmente. Indicação de depressão. Chegou a ir ao médico. Foi internada. Passou mal em casa. Há um ano sem apetite. Em maio ficou internada 15 dias no Ser Leblon. Liberada, voltou para casa. Depois que perdeu a filha, em 2009, ficou em depressão, não se alimentava adequadamente, fumante, hipertensa, negligente com a própria saúde. Familiares não deram muita atenção (“cansaram dela”). Depois de uns anos passou a reclamar de dores no mesmo braço. Constantemente ia ao posto (Clínica da Família). Teve derrame em casa. Foi internada, teve alta e voltou para casa. Passados quinze dias morreu em casa. Enterro normal. 06. Morador 6 – Mulher, parda, 68 anos. Informante: filha. Morreu de pneumonia e insuficiência respiratória. O teste para detectar Covid-19 não foi conclusivo. Já estava doente. Tinha diabete (insulina dependente) e Alzheimer, e era hipertensa. Chegou a ir ao médico. Era acompanhada pela Clínica da Família. Ficou internada uma semana na </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">UPA de Copacabana. Na casa, a filha teve sintomas da Covid-19, mas não fez teste. As três pessoas que moram na casa, incluindo uma criança, não fizeram teste. Sobre o enterro, relatou a impotência diante do protocolo e a dor que causa a lembrança dessa forma de se despedir. Filha está sendo acompanhada pela Clínica da Família e, apesar de ter tido todos os sintomas, não fez o teste que confirma o vírus. Ficou de enviar o atestado de óbito da mãe, mas diz não constar a Covid-19 como causa. O sepultamento seguiu o protocolo dos contaminados pela Covid 19. 07. Morador 7 – Mulher, preta, 30 anos. Informante: mãe. Morreu de insuficiência respiratória, pneumonia: pulmões comprometidos. Já estava doente e internada há três anos. Causa da internação: Meningite hidroencefálica (acúmulo de líquido). Não morreu de Covid. Ninguém na casa teve a doença. A mãe falou por uma hora e meia sobre todo o processo vivido pela família nesse período de internação. Tudo ficou muito confuso nos tempos da pandemia devido às restrições no acompanhamento da paciente, internada no Miguel Couto. Ela tinha acompanhante, mas as visitas foram suspensas a partir do início da pandemia. A mãe não mostrou o atestado de óbito. Enterro normal, com a presença dos familiares. 08. Morador 8 – Mulher, branca, 55 anos. Informante: cuidadora (vizinha) e filho que, posteriormente, complementou as informações. Morreu de Covid-19. Falência múltipla dos órgãos. Tinha problemas mentais (depressão), hipertensa, obesa. Chegou a ir ao médico e ficou internada. Todos os quatro moradores da casa tiveram os sintomas da doença. Foi rápida a evolução do quadro. Durante três dias: tosse, febre, cansaço. Levada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Copacabana. Ficou internada uma semana. Depois, transferida para o hospital Ronaldo Gazola, onde ficou entubada por uma semana e veio a óbito. Duas semanas se passaram entre os primeiros sintomas e a morte. As quatro pessoas da família autorizadas a acompanhar o enterro não conseguiram chegar, cabendo ao padrasto e ao coveiro a responsabilidade pelo sepultamento. A causa da morte foi confirmada pelo seu filho no Facebook e, também, pelo esposo que não estava mais morando na comunidade. A informante não teve acesso à certidão de óbito. Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pela Covid-19. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Conversa complementar com o filho - Sábado – 04.07: relatou estar afastado, pela segunda vez, do trabalho devido aos sintomas da Covid, agora mais fortes: falta de paladar e olfato, febre, diarreia. Fez teste na farmácia e testou positivo, novamente. Disse que perdeu mais dois membros da família, não moradores do Santa Marta, contaminados pela Covid-19. Na casa que morava com a mãe (5 pessoas), todos tiveram sintomas da doença, até mesmo a criança de 10 anos: dor estomacal e febre. O caso desta família já foi reportado em uma emissora de televisão. Obs.: A cuidadora é vizinha e mora na casa ao lado, com família composta por 5 pessoas, dentre elas uma idosa de 85 anos com problemas de saúde. Ninguém fez teste para Covid-19. 09. Morador 9 – Homem, branco, 63 anos. Informante: irmã. Morreu de Covid-19. Era diabético e hipertenso. Sentiu-se mal, foi ao médico e ficou internado. Segundo a irmã, o processo durou uma semana. Morava com a mulher e um filho. Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pela Covid-19. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Obs.: Informações foram prestadas pela irmã e vizinhos. A esposa não se relaciona bem com a irmã e é pouco sociável com os vizinhos. Não abriu a porta para nossa pesquisa. </span></span></p> | <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">A partir de um roteiro inicial, conversou-se com lideranças locais e moradores espalhados na favela, buscando identificar as mortes no período indicado. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Por ser de tamanho médio para pequeno e ter uma conformação geográfica que facilita a comunicação interna (contida fisicamente por dois muros que a ladeiam), as notícias, principalmente de morte, circulam muito rapidamente na Favela. Foram feitas sondagens nas redes sociais da Favela, por onde circula todo tipo de informação, inclusive morte e enterros, e coletadas informação sobre as mortes a partir de conversa direta com os moradores. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Foi contratada uma moradora local, ex-agente de saúde da clínica da família e formada em Serviço Social para abordar os familiares e conversar sobre as mortes, com o objetivo de saber quantos morreram de Covid 19 e em que condições. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Resultados: </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Foram identificados inicialmente 10 pessoas que morreram entre fevereiro e junho na favela de Santa Marta, de qualquer causa possível. No entanto, um foi descartado por já não morar na favela há alguns anos, apesar de ter familiares e amigos no Santa Marta. Portanto, ocorreram 9 óbitos, cujas famílias foram entrevistadas. Cinco morreram em decorrência da Covid 19, confirmada pelas circunstâncias: atestado óbito COVID-19 suspeito, ou sepultamento protocolo COVID-19. Não existiram exames ou atestados confirmatórios, mais um símbolo da incapacidade do Estado em lidar com a doença. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Os casos: </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">01. Morador 1 – Mulher, branca, 39 anos de idade. Informante: cunhada. Já estava doente, foi ao médico e chegou a ficar internada. Informante comentou: “Foi muito rápido o tempo entre internação e morte”. Acredita que foi infectada no hospital. Tinha ferida na perna: machucou em determinado momento. Tinha alguns furúnculos pelo corpo. Diabética. Hipertensa. Obesa. Transferida para um hospital em Piedade, ficou internada uma semana. Não fez exame para Covid-19 e os familiares não receberam nenhuma orientação. Deixou quatro filhos, uma maior de idade. Atestado de óbito: Doença respiratória aguda; Covid-19 suspeita; Doença coronariana; Diabetes Mellitus. Enterro com protocolo Covid 02. Morador 2 – Mulher, branca, 35 anos. Informante: o marido. Morreu de infarto. Era asmática. Teve o primeiro infarto em casa. Foi ao médico e, em seguida, foi internada e entubada. Na casa, ninguém teve sintomas da Covid. Ficou uma semana entubada. Tirou o tubo. Tinha acompanhamento clínico. Segundo os médicos, ela teve um segundo infarto. No entanto, houve melhora e o marido chegou a receber ligação para levar material de higiene e roupa porque a paciente passaria para a enfermaria. Mas na sexta-feira à noite informaram sua morte. Deixou duas crianças menores e marido. Ele não mostrou certidão de óbito porque estava de mudança para outra moradia no próprio Morro. O marido estava muito fragilizado, mas aberto ao diálogo. Atencioso, tentando mostrar equilíbrio diante da perda e remetendo-se sempre aos filhos, sua base para suportar a dor. Enterro normal. 03. Morador 3 – Mulher, preta, 84 anos. Informante: sobrinha. Hipertensa descontrolada. Com Alzheimer há aproximadamente um ano. Morava sozinha. Acumuladora. Três dias de internação. Dores no peito, falta de ar e tosse. Em casa, queda dentro do banheiro. Batimento baixo. Pressão alta. Internada no Miguel Couto, sala vermelha. Decorridos três dias da internação, ligaram para família e comunicaram o óbito. Suspeita de Covid-19. Atestado óbito confirma Covid-19, dentre outras causas. Atestado de óbito: Insuficiência respiratória aguda; Covid-19 suspeita; Hipertensão Arterial; DMC; Diabetes Mellitus tipo 2 Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pelo Corona Vírus 04. Morador 4 – Mulher, preta, 74 anos. Informante: filha, com quem morava. Hipertensa. Fístula (incontinência urinária e fezes). Em oito anos, várias internações. Problema circulatório: varizes internas sem circulação sanguínea. Acompanhada por angiologista, que há mais de quatro anos indicou cirurgia, mas ela nunca aceitou. Segundo a filha ela só tinha um rim. Nos últimos meses apareceram bolhas nas pernas que estouravam e viravam feridas. Antes da pandemia, mensalmente recebia visita da Clínica da Família. Visitas suspensas neste período. Umas duas vezes teve que descer com a mãe até a clínica para ser atendida em função do agravamento das feridas nas pernas. Tinha dificuldade para andar e estava perdendo o apetite. Há um mês (início de junho) desceu de maca e foi internada no SER Leblon, na sala amarela. Uma semana internada. Fez hemodiálise. Ficou um dia entubada. Atestado de óbito: Choque séptico, sepse cutânea e piodermite e DRC/Hemodiálise. Enterro normal. 05. Morador 5 –Mulher, parda, 76 anos. Informante: marido. Morreu de falência múltipla dos órgãos. Já estava doente e muito fragilizada. Hipertensa, fumante, fragilizada física e emocionalmente. Indicação de depressão. Chegou a ir ao médico. Foi internada. Passou mal em casa. Há um ano sem apetite. Em maio ficou internada 15 dias no Ser Leblon. Liberada, voltou para casa. Depois que perdeu a filha, em 2009, ficou em depressão, não se alimentava adequadamente, fumante, hipertensa, negligente com a própria saúde. Familiares não deram muita atenção (“cansaram dela”). Depois de uns anos passou a reclamar de dores no mesmo braço. Constantemente ia ao posto (Clínica da Família). Teve derrame em casa. Foi internada, teve alta e voltou para casa. Passados quinze dias morreu em casa. Enterro normal. 06. Morador 6 – Mulher, parda, 68 anos. Informante: filha. Morreu de pneumonia e insuficiência respiratória. O teste para detectar Covid-19 não foi conclusivo. Já estava doente. Tinha diabete (insulina dependente) e Alzheimer, e era hipertensa. Chegou a ir ao médico. Era acompanhada pela Clínica da Família. Ficou internada uma semana na </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">UPA de Copacabana. Na casa, a filha teve sintomas da Covid-19, mas não fez teste. As três pessoas que moram na casa, incluindo uma criança, não fizeram teste. Sobre o enterro, relatou a impotência diante do protocolo e a dor que causa a lembrança dessa forma de se despedir. Filha está sendo acompanhada pela Clínica da Família e, apesar de ter tido todos os sintomas, não fez o teste que confirma o vírus. Ficou de enviar o atestado de óbito da mãe, mas diz não constar a Covid-19 como causa. O sepultamento seguiu o protocolo dos contaminados pela Covid 19. 07. Morador 7 – Mulher, preta, 30 anos. Informante: mãe. Morreu de insuficiência respiratória, pneumonia: pulmões comprometidos. Já estava doente e internada há três anos. Causa da internação: Meningite hidroencefálica (acúmulo de líquido). Não morreu de Covid. Ninguém na casa teve a doença. A mãe falou por uma hora e meia sobre todo o processo vivido pela família nesse período de internação. Tudo ficou muito confuso nos tempos da pandemia devido às restrições no acompanhamento da paciente, internada no Miguel Couto. Ela tinha acompanhante, mas as visitas foram suspensas a partir do início da pandemia. A mãe não mostrou o atestado de óbito. Enterro normal, com a presença dos familiares. 08. Morador 8 – Mulher, branca, 55 anos. Informante: cuidadora (vizinha) e filho que, posteriormente, complementou as informações. Morreu de Covid-19. Falência múltipla dos órgãos. Tinha problemas mentais (depressão), hipertensa, obesa. Chegou a ir ao médico e ficou internada. Todos os quatro moradores da casa tiveram os sintomas da doença. Foi rápida a evolução do quadro. Durante três dias: tosse, febre, cansaço. Levada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Copacabana. Ficou internada uma semana. Depois, transferida para o hospital Ronaldo Gazola, onde ficou entubada por uma semana e veio a óbito. Duas semanas se passaram entre os primeiros sintomas e a morte. As quatro pessoas da família autorizadas a acompanhar o enterro não conseguiram chegar, cabendo ao padrasto e ao coveiro a responsabilidade pelo sepultamento. A causa da morte foi confirmada pelo seu filho no Facebook e, também, pelo esposo que não estava mais morando na comunidade. A informante não teve acesso à certidão de óbito. Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pela Covid-19. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Conversa complementar com o filho - Sábado – 04.07: relatou estar afastado, pela segunda vez, do trabalho devido aos sintomas da Covid, agora mais fortes: falta de paladar e olfato, febre, diarreia. Fez teste na farmácia e testou positivo, novamente. Disse que perdeu mais dois membros da família, não moradores do Santa Marta, contaminados pela Covid-19. Na casa que morava com a mãe (5 pessoas), todos tiveram sintomas da doença, até mesmo a criança de 10 anos: dor estomacal e febre. O caso desta família já foi reportado em uma emissora de televisão. Obs.: A cuidadora é vizinha e mora na casa ao lado, com família composta por 5 pessoas, dentre elas uma idosa de 85 anos com problemas de saúde. Ninguém fez teste para Covid-19. 09. Morador 9 – Homem, branco, 63 anos. Informante: irmã. Morreu de Covid-19. Era diabético e hipertenso. Sentiu-se mal, foi ao médico e ficou internado. Segundo a irmã, o processo durou uma semana. Morava com a mulher e um filho. Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pela Covid-19. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Obs.: Informações foram prestadas pela irmã e vizinhos. A esposa não se relaciona bem com a irmã e é pouco sociável com os vizinhos. Não abriu a porta para nossa pesquisa. </span></span></p> | ||
=== <span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Para além das mortes</span></span> === | === <span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Para além das mortes</span></span> === | ||
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 4: Toma conta de 5 a 11 crianças em uma sala de 3m por 5m. Além da televisão, não há outro equipamento pedagógico de apoio. Com as creches fechadas, muitas mães não têm onde deixar os filhos. A pessoa doente não morreu de Covid, no entanto, as condições da casa revelam outros desafios/carências que são potencializados e ganham visibilidade neste período de pandemia. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 1: Aos 50 anos, casal de filhos já adultos, avó de dois netos, vida estabilizada, teve que assumir a criação dos 3 filhos menores deixados pela pessoa que morreu. Ela é casada com o irmão do marido da falecida. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 8: Vizinha de longa data da senhora doente, assumiu a tarefa de cuidar dela até o final da vida. A causa da morte foi confirmada: Covid-19. A vizinha até o momento da pesquisa não tinha se submetido a nenhum teste para verificar se houve ou não contaminação. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante moradores 6 e 8: Depoimento marcante daqueles que tiveram entes queridos enterrados sob o protocolo Covid-19: despedida não ritualizada, marcas que permanecem por muito tempo. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 6: Depressão é explicitada neste caso. No entanto, está presente sob outros sintomas: tristeza, isolamento, falta de apetite, desânimo, incertezas. A quem recorrer? </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Os detalhes estão mostrados na tabela 1, abaixo. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"> | <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 4: Toma conta de 5 a 11 crianças em uma sala de 3m por 5m. Além da televisão, não há outro equipamento pedagógico de apoio. Com as creches fechadas, muitas mães não têm onde deixar os filhos. A pessoa doente não morreu de Covid, no entanto, as condições da casa revelam outros desafios/carências que são potencializados e ganham visibilidade neste período de pandemia. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 1: Aos 50 anos, casal de filhos já adultos, avó de dois netos, vida estabilizada, teve que assumir a criação dos 3 filhos menores deixados pela pessoa que morreu. Ela é casada com o irmão do marido da falecida. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 8: Vizinha de longa data da senhora doente, assumiu a tarefa de cuidar dela até o final da vida. A causa da morte foi confirmada: Covid-19. A vizinha até o momento da pesquisa não tinha se submetido a nenhum teste para verificar se houve ou não contaminação. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante moradores 6 e 8: Depoimento marcante daqueles que tiveram entes queridos enterrados sob o protocolo Covid-19: despedida não ritualizada, marcas que permanecem por muito tempo. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Informante morador 6: Depressão é explicitada neste caso. No entanto, está presente sob outros sintomas: tristeza, isolamento, falta de apetite, desânimo, incertezas. A quem recorrer? </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Os detalhes estão mostrados na tabela 1, abaixo. </span></span></p> <p style="text-align: justify;">[[File:Tabela 01.png|thumb|center|500px|Tabela 01.png]][[File:Tabela 02.png|thumb|center|500px|Tabela 02.png]]</p> | ||
=== <span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Do que se está morrendo no Santa Marta? </span></span> === | === <span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Do que se está morrendo no Santa Marta? </span></span> === | ||
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">O número de mortes por COVID-19 na favela está longe dos prognósticos iniciais. Ainda não se tem uma explicação para isso. O número de contaminados é impreciso na medida em que não há testagem, o que resulta em /produz uma subnotificação </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Dos nove óbitos identificados no período, oito mulheres e um homem, seis tinham mais de 50 anos e três na faixa dos trinta. Quatro eram brancos e cinco pretos. Todos que morreram tinham uma ou mais doenças pré-existentes: Hipertensão, diabetes, obesidade, doenças respiratórias e doença renal. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">O que fazer para combater as doenças que estão matando a população de favela: hipertensão, diabetes, obesidade, depressão? Considerada a “doença do século vinte”, a depressão segue “invisível” nos territórios da pobreza. As Clinicas da Família estão preparadas para lidar, descobrir e acompanhar esses casos? </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Aprofundar a reflexão sobre o maior número de mortes entre mulheres, no Santa Marta, diferente dos dados gerais sobre a doença. </span></span></p> | <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">O número de mortes por COVID-19 na favela está longe dos prognósticos iniciais. Ainda não se tem uma explicação para isso. O número de contaminados é impreciso na medida em que não há testagem, o que resulta em /produz uma subnotificação </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Dos nove óbitos identificados no período, oito mulheres e um homem, seis tinham mais de 50 anos e três na faixa dos trinta. Quatro eram brancos e cinco pretos. Todos que morreram tinham uma ou mais doenças pré-existentes: Hipertensão, diabetes, obesidade, doenças respiratórias e doença renal. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">O que fazer para combater as doenças que estão matando a população de favela: hipertensão, diabetes, obesidade, depressão? Considerada a “doença do século vinte”, a depressão segue “invisível” nos territórios da pobreza. As Clinicas da Família estão preparadas para lidar, descobrir e acompanhar esses casos? </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Aprofundar a reflexão sobre o maior número de mortes entre mulheres, no Santa Marta, diferente dos dados gerais sobre a doença. </span></span></p> | ||
== <span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Conclusões imediatas ou: A título de conclusões provisórias? </span></span> == | == <span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Conclusões imediatas ou: A título de conclusões provisórias? </span></span> == | ||
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Essa pesquisa reflete o processo histórico de organização, resistência e pensamento de setores representativos da favela Santa Marta: </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">a) Dimensões e conformação do território da favela facilitou o controle; b) O cuidado imediato com os moradores, alimentares e sanitários, bem como os </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">cuidados pessoais, resultou em número de mortes aquém dos prognósticos da pandemia sobre favelas; c) Presença ativa da sociedade civil de dentro e de fora da favela, apesar da ausência do </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Estado; d) Evidencia-se o maior número de mulheres mortas pelo Covid e/ou por suspeita de </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Covid; e) As condições domésticas e locais da falta de políticas públicas de assistência, sanitária </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">e habitacional, especialmente, dificultam a prevenção e acompanhamento da saúde dos moradoresmanutenção da saúde; f) Desafio: Testes do Covid para todos os moradores! g) A diferença de tratamento entre a favela e o asfalto exige mudança urgente imediata </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">de acesso às politicas públicas; </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Observação final: Essa pesquisa reflete o processo histórico de organização, atitude e pensamento de setores representativos dessa favela. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">x.x.x.x. x.x.x.x.x.x.x </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">O Corona Vírus vai passar e a desigualdade continuará matando nos territórios populares? </span></span></p> | <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Essa pesquisa reflete o processo histórico de organização, resistência e pensamento de setores representativos da favela Santa Marta: </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">a) Dimensões e conformação do território da favela facilitou o controle; b) O cuidado imediato com os moradores, alimentares e sanitários, bem como os </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">cuidados pessoais, resultou em número de mortes aquém dos prognósticos da pandemia sobre favelas; c) Presença ativa da sociedade civil de dentro e de fora da favela, apesar da ausência do </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Estado; d) Evidencia-se o maior número de mulheres mortas pelo Covid e/ou por suspeita de </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Covid; e) As condições domésticas e locais da falta de políticas públicas de assistência, sanitária </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">e habitacional, especialmente, dificultam a prevenção e acompanhamento da saúde dos moradoresmanutenção da saúde; f) Desafio: Testes do Covid para todos os moradores! g) A diferença de tratamento entre a favela e o asfalto exige mudança urgente imediata </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">de acesso às politicas públicas; </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Observação final: Essa pesquisa reflete o processo histórico de organização, atitude e pensamento de setores representativos dessa favela. </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">x.x.x.x. x.x.x.x.x.x.x </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">O Corona Vírus vai passar e a desigualdade continuará matando nos territórios populares? </span></span></p> | ||
== | == [[File:Santa Marta Proteção Para Todos.png|thumb|center|500px]] == | ||
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Associação Escola sem Muros Grupo Eco </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Rua Mestre Diniz, 33, Botafogo – Rio de Janeiro </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">'''F'''acebook – Grupo.Eco </span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size:small;">Instagram - @grupoeco.stm </span></span></p> | |||
= Mortalidade por covid no Santa Marta = | = Mortalidade por covid no Santa Marta = | ||
| Linha 170: | Linha 170: | ||
_______________ | _______________ | ||
* JULIANA CONTAIFER - juliana.contaifer@metropoles.com - ATUALIZADO 29/06/2020 10:0 | *JULIANA CONTAIFER - juliana.contaifer@metropoles.com - ATUALIZADO 29/06/2020 10:0 | ||
Santa Marta Proteção Para Todos: | Santa Marta Proteção Para Todos: | ||
