Ladeira dos Tabajaras: mudanças entre as edições
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Inserido pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco | |||
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A Ladeira dos Tabajaras é uma favela na Zona Sul do Rio de Janeiro, que começa na Rua Siqueira Campos (Copacabana) e termina na Rua Real Grandeza (Botafogo). A favela luta há anos contra o despejo e por mais estrutura. | |||
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= A Batalha dos Tabajaras, por Sindia Santos = | |||
Escrito para o blog [https://outraspalavras.net/sem-categoria/a-batalha-dos-tabajaras/ Outras Palavras] | |||
É um bairro em ruínas, feito de escombros de gente e suas histórias. Lugar onde cães e gatos resistem ao abandono e vagam sozinhos e com fome, guardando a entrada de onde viviam com seus donos. Dia após dia a ladeira é apagada por montes de entulhos e pelo som de marretadas que não cessam. | |||
[[Category:Temática - Favelas e Periferias]] | Pelas vielas, moradores se lembram de um tempo de começo. Tijolo por tijolo, parede por parede, rua a rua, tudo ali foi construído por eles. A força de inventar um bairro, transmitida por décadas, de morador a morador. E agora o assombro da destruição. | ||
A primeira pancada na porta foi violenta. Isabel e sua enteada de 13 anos assustaram-se. Das 450 casas que formavam a Ladeira dos Tabajaras, 85 resistiam ao medo de virar ruínas e entulhos. Ela abriu a porta e policias, acompanhados de funcionários da prefeitura, exigiam a retirada imediata dos móveis e pertences da casa. Era um despejo sem aviso prévio, sem ordem judicial e Isabel estava grávida de sete meses. | |||
Ela sabia que aquele era o começo de uma série de ameaças que terminaria com a casa em escombros, destruída o suficiente para perder a identidade. Casas-fantasmas a assombrar aqueles que insistiam em ficar no bairro. | |||
Sem saber o que fazer, Isabel trancou a casa e foi buscar o marido, José, no trabalho. Quando voltavam, receberam a ligação dos moradores dizendo que naquele instante a prefeitura invadia sua residência. | |||
_ Pegamos um táxi e quando chegamos vimos a porta arrombada e flagramos os policiais remexendo em nossas coisas. | |||
Nem José, nem os moradores conseguiram impedir que portas e janelas fossem arrancadas e as paredes quebradas, ou que abrissem um buraco num dos cômodos do segundo piso, a fim de facilitar a retirada do moveis. Geladeira, fogão, microondas foram parar na rua; as roupinhas do bebê jogadas sobre fezes de cães. | |||
_ Eles chegam quebrando tudo; não perguntam se pode mexer ali, se aquilo vai te prejudicar, mesmo quando há fiação elétrica nas paredes eles quebram. Não isolam as casas geminadas, e se há morador no andar de baixo, eles quebram o de cima. Não respeitam nada, chegam e metem a marreta. Bené, de 78 anos não agüentou ver o bairro que ajudou a levantar sofrer mais aquela violência e passou mal ao final do conflito que se estendeu das 10h30 até às 19h. | |||
Do lado de fora da casa, Mariana, de 13 anos, filha do primeiro casamento de José, assistia a madrasta em pânico e o pai desesperado por não ter para onde ir. | |||
_ É assim que nos ameaçam, conta Maria do Carmo que vive nos Tabajaras há 45 anos. Recebo telefonemas dizendo que o nosso tempo acabou. Que vai vir uma escavadeira. Que vai nos tirar de nossas casas e pôr tudo o que é nosso na rua. Não consigo falar mais nada. | |||
A história da Ladeira dos Tabajaras remete ao trajeto que Dom Pedro usava como atalho pra ir do Jardim Botânico à região litorânea. Nessa época o trecho recebia o nome de “Caminho do Boi”; em 1855, passou a ser chamado de “Ladeira do Barroso”, em homenagem a José Martins Barroso, que a transformou numa estrada ligando Copacabana e Botafogo. Foi em 1917, que o caminho passou a ser chamado de Ladeira dos Tabajaras, por conta de índios que, vindos do nordeste, habitavam os morros São João Batista e Saudade, ambos cortados pela ladeira. A comunidade existe desde 1921, os primeiros ocupantes foram 19 famílias de funcionários do cemitério, colocadas ali com o apoio da Santa Casa de Misericórdia. | |||
A moradora mais antiga do bairro hoje é Bené, que vive há mais de meio século na região. Por 35 anos morou no quilometro 668, casa 05, pagando aluguel. Somente com a regularização do processo de reassentamento, que aconteceu em 1988, na gestão do prefeito Saturnino Braga, ela começou a construir a casa no quilometro 1014, onde vive há mais de 20 anos. Esse trecho, que agora é conhecido como “Estradinha 1014” é o foco dos conflitos de remoção na Ladeira dos Tabajaras. | |||
Foi lá que Bené ficou viúva e sozinha criou nove filhos. | |||
_ Todos se formaram, três deles são bacharéis e foram criados aqui. Bené tem orgulho da história que construiu ali, e sem saber, faz justiça ao nome do bairro onde mora. Tabajara é um termo tupi que servia para denominar aqueles com os quais se podia estabelecer relações de reciprocidade ou de guerra, daí a tradução como “cunhado” ou “inimigo”. O termo não classifica uma tribo especifica, mas uma relação de posições assumidas por grupos indígenas. Bené: | |||
_ Ainda não tremi, estou firme, com fé em Deus porque o resto é balela. Vim de uma raça forte. | |||
A primeira ameaça de remoção ao bairro dos Tabajaras aconteceu em 1996, depois de uma denúncia de invasão do cemitério, que foi esclarecida com a documentação do reassentamento. A segunda ameaça surgiu com o governo de César Maia, em 2007 e mais uma vez, o laudo de 1988 serviu para comprovar que a área não apresentava risco para moradia e impediu os planos de remover a comunidade, que acabou sendo incluída no programa de urbanização “Favela-bairro”. | |||
Em outubro de 2009, teve início um censo com a promessa de melhorias para o morro. Em abril de 2010, pouco antes das chuvas, a Secretária Municipal de Habitação (SMH), em reunião com a comunidade, anunciou que os moradores teriam de deixar o bairro sob a acusação de invasão publica e ocupação de área de risco. Em contrapartida apresentou propostas de indenização, compra assistida e ingresso no projeto “Minha casa minha vida”. | |||
Nenhuma casa foi derrubada com as chuvas e mesmo assim a remoção foi posta em prática com ferocidade. Nenhum outro bairro do Rio sofreu tamanha investida como a Ladeira. No mesmo mês, a Fundação de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Georio) declarou possuir um laudo geral de 12 páginas atestando o risco. Morador algum viu sequer um técnico ir ao bairro fazer vistoria. O laudo foi questionado pelo corpo de assessores técnicos do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública. Diferentemente da administração municipal, os engenheiros da defensoria fizeram um estudo aprofundado de campo, concluindo que somente duas casas merecem atenção no que se refere à redução dos riscos de escorregamento e que os custos associados às obras de contenção e drenagem são muito inferiores as obras de remoção. Até porque as remoções implicam em custos sociais, afetivos e emocionais que nunca poderão ser mensurados. | |||
_ O engenheiro disse que o nosso maior problema é que moramos numa área de rico e não de risco. Conta Dejanira, que há 25 anos vive nos Tabajaras. | |||
No final daquele dramático dia, a justiça expediu um liminar, dizendo que a ação da policia e da prefeitura era ilegal. Mas mesmo assim, José não tinha mais para onde ir. Suas roupas haviam sumido, seus móveis e pertences apreendidos e levados para um depósito que ele não sabia onde era; sua casa violada, já não o podia proteger do tempo, era lugar vazio, cheio de buracos. | |||
Três dias depois, dormindo no que restava da residência, sobre um colchão emprestado pelos vizinhos, José e Isabel receberam a noticia de uma decisão judicial que interrompia a demolição de sua casa e de todo o bairro. A decisão determinava pena de multa diária de 20 mil reais à prefeitura, em caso de descumprimento. E mandava ainda que a prefeitura retirasse em cinco dias os entulhos acumulados nas ruas que obstruíam as vias de acesso e escadarias. | |||
Mas batalha ainda não terminou, a região vale muito dinheiro e com a perspectiva da Copa, Olimpíadas e outros eventos, novas e violentas investidas são esperadas. A guerra dos Tabajaras ainda não terminou. | |||
[https://picasaweb.google.com/101087015786037022701/LadeiraDosTabajaras# Veja mais fotos] da favela. | |||
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[[Category:Temática - Favelas e Periferias]][[Category:Ladeira dos Tabajaras]] | |||
