Baile Funk: mudanças entre as edições

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<section begin="resumo" />'''[[Baile Funk]]''' é uma manifestação artística e cultural. Desde o anos 1970, a juventude suburbana e periférica do Rio de Janeiro se reunia em bailes marcados pela música tocada em potentes caixas de som, que destacavam os graves das batidas do soul e do funk cantados por artistas negros estadunidenses. Som alto e música black se somavam a danças de movimentos suingados e enérgicos, com ênfase no movimento dos quadris.
'''Autores: Adriana Facina e Dennis Novaes'''
Autores: Adriana Facina e Dennis Novaes
 
<section end="resumo" />
== O som acima do normal ==
== O som acima do normal ==


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== 1990: Nasce o Funk Carioca ==
== 1990: Nasce o Funk Carioca ==


= <span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Esses álbuns estimularam jovens artistas que antes eram apenas frequentadores das festas e que agora sonhavam ter suas próprias composições gravadas. Algumas dessas músicas se inspiravam em melodias de clássicos do miami bass e outros gêneros já citados enquanto outras combinavam características do samba, capoeira e manifestações musicais afro-brasileiras. Muitas destas canções fizeram sucesso em todo o país e consolidaram o funk carioca como um dos movimentos musicais mais populares da década de 1990. As gravações frequentemente tomavam como base rítmica faixas instrumentais de gêneros musicais norte-americanos. Entre elas, a mais popular era o “volt-mix”, retirada do lado B de um disco do DJ Battery Brain, artista radicado em Los Angeles cuja obra estaria mais próxima do ''electro funk ''(Palombini: 2017) .</span></span></span></span> =
<span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Esses álbuns estimularam jovens artistas que antes eram apenas frequentadores das festas e que agora sonhavam ter suas próprias composições gravadas. Algumas dessas músicas se inspiravam em melodias de clássicos do miami bass e outros gêneros já citados enquanto outras combinavam características do samba, capoeira e manifestações musicais afro-brasileiras. Muitas destas canções fizeram sucesso em todo o país e consolidaram o funk carioca como um dos movimentos musicais mais populares da década de 1990. As gravações frequentemente tomavam como base rítmica faixas instrumentais de gêneros musicais norte-americanos. Entre elas, a mais popular era o “volt-mix”, retirada do lado B de um disco do DJ Battery Brain, artista radicado em Los Angeles cuja obra estaria mais próxima do ''electro funk ''(Palombini: 2017) .</span></span></span></span>
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Desde a década de 1980 existiam brigas nos bailes entre diferentes galeras, turmas de jovens identificadas a diferentes bairros e locais da região metropolitana do Rio de Janeiro. Nos anos 1990, foram criados os “bailes de briga”, que se tornaram uma variação de baile bastante comum no mundo funk, buscando tornar rentável a atividade guerreira que já estimulava a frequência dos brigões. Nestas festas, grupos de jovens se reuniam nos clubes para dançar, namorar e brigar com rivais. Os grupos eram formados de acordo com o local de moradia e, no princípio, &nbsp;não havia relação mais estreita entre eles e as facções que naquele período disputavam territórios nas favelas cariocas. As brigas eram institucionalizadas e a emoção derivada delas fazia parte da diversão. Como em um LP, o baile se dividia entre lado A e Lado B, fronteira marcada por um corredor guardado por seguranças que, no auge da euforia instigada pela música, relaxavam o controle para que os dois lados pudessem se confrontar.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os bailes de corredor foram usados pela mídia corporativa e por agentes estatais como um exemplo do potencial violento e perigoso dos jovens favelados, justificando, assim, perseguição aos bailes. Como sublinham diversos autores, já no início da década de 1990 veículos de comunicação passaram a associar o funk e a juventude favelada ao tráfico de drogas ilícitas e à violência urbana, entendida como sinônimo de violência armada (Lopes: 2010; Herschman: 1997; Facina: 2010; Mattos: 2006). Essa juventude é representada como “classe perigosa” que tinha no funk seu “grito de guerra incivilizado” contra os “civilizados valores dominantes” (Facina: 2010). Esse estigma que associava a juventude negra e favelada e o funk à criminalidade foi reiterado ao longo da década de 1990 por políticas estatais e pela grande mídia, produzindo não apenas um inimigo como sua respectiva trilha sonora.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Como resposta a estas tentativas de criminalização funkeiros, donos de clubes e de equipes criaram os “festivais de galera”, que buscavam canalizar as disputas através de gincanas, danças e músicas. Ganham espaço neste período os raps “pede a paz”, que exaltavam as comunidades e pediam o fim da violência (Mattos: 2006, p. 34). Canções hoje clássicas como ''Endereço dos Bailes, ''dos MCs Júnior e Leonardo, ''Rap da Cidade de Deus'', de Cidinho e Doca e ''Rap do Salgueiro, ''de Claudinho e Buchecha, entre outras, são exemplos de músicas marcantes deste período.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os clamores por paz não impediram que os bailes fossem paulatinamente fechados e, ao fim da década de 1990, a maioria dos bailes em clubes havia sido extinta. Com os bailes tendo espaço cada vez mais restrito no asfalto, as favelas passaram a ser o principal ambiente de fruição do funk. Estes bailes já existiam desde a década de 1980, mas não tinham a proporção que alcançariam mais tarde. O final da década de 1990 também marcou a proliferação de bases que mixavam o volt-mix com ritmos afro-brasileiros. Mas nenhuma destas bases seria tão influente quanto o tamborzão.</span></span></span></span></p>  
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Desde a década de 1980 existiam brigas nos bailes entre diferentes galeras, turmas de jovens identificadas a diferentes bairros e locais da região metropolitana do Rio de Janeiro. Nos anos 1990, foram criados os “bailes de briga”, que se tornaram uma variação de baile bastante comum no mundo funk, buscando tornar rentável a atividade guerreira que já estimulava a frequência dos brigões. Nestas festas, grupos de jovens se reuniam nos clubes para dançar, namorar e brigar com rivais. Os grupos eram formados de acordo com o local de moradia e, no princípio, &nbsp;não havia relação mais estreita entre eles e as facções que naquele período disputavam territórios nas favelas cariocas. As brigas eram institucionalizadas e a emoção derivada delas fazia parte da diversão. Como em um LP, o baile se dividia entre lado A e Lado B, fronteira marcada por um corredor guardado por seguranças que, no auge da euforia instigada pela música, relaxavam o controle para que os dois lados pudessem se confrontar.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os bailes de corredor foram usados pela mídia corporativa e por agentes estatais como um exemplo do potencial violento e perigoso dos jovens favelados, justificando, assim, perseguição aos bailes. Como sublinham diversos autores, já no início da década de 1990 veículos de comunicação passaram a associar o funk e a juventude favelada ao tráfico de drogas ilícitas e à violência urbana, entendida como sinônimo de violência armada (Lopes: 2010; Herschman: 1997; Facina: 2010; Mattos: 2006). Essa juventude é representada como “classe perigosa” que tinha no funk seu “grito de guerra incivilizado” contra os “civilizados valores dominantes” (Facina: 2010). Esse estigma que associava a juventude negra e favelada e o funk à criminalidade foi reiterado ao longo da década de 1990 por políticas estatais e pela grande mídia, produzindo não apenas um inimigo como sua respectiva trilha sonora.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Como resposta a estas tentativas de criminalização funkeiros, donos de clubes e de equipes criaram os “festivais de galera”, que buscavam canalizar as disputas através de gincanas, danças e músicas. Ganham espaço neste período os raps “pede a paz”, que exaltavam as comunidades e pediam o fim da violência (Mattos: 2006, p. 34). Canções hoje clássicas como ''Endereço dos Bailes, ''dos MCs Júnior e Leonardo, ''Rap da Cidade de Deus'', de Cidinho e Doca e ''Rap do Salgueiro, ''de Claudinho e Buchecha, entre outras, são exemplos de músicas marcantes deste período.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os clamores por paz não impediram que os bailes fossem paulatinamente fechados e, ao fim da década de 1990, a maioria dos bailes em clubes havia sido extinta. Com os bailes tendo espaço cada vez mais restrito no asfalto, as favelas passaram a ser o principal ambiente de fruição do funk. Estes bailes já existiam desde a década de 1980, mas não tinham a proporção que alcançariam mais tarde. O final da década de 1990 também marcou a proliferação de bases que mixavam o volt-mix com ritmos afro-brasileiros. Mas nenhuma destas bases seria tão influente quanto o tamborzão.</span></span></span></span></p>  
== 2000: O Baile de Favela e o Tamborzão ==
== 2000: O Baile de Favela e o Tamborzão ==
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<span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Com o tempo, as constantes denúncias de violações de direitos, a crise financeira do estado do Rio de Janeiro e o fim dos megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, contribuíram para a falência desta iniciativa. Atualmente, as UPPs cumprem um papel meramente figurativo na maioria das favelas, incapazes de coibir o varejo de drogas ilícitas e suas armas de grosso calibre, como prometido anteriormente. Concebida a partir de um repertório estruturado em torno da metáfora da guerra (Leite: 2012), esta política sucumbiu aos desdobramentos de seu pecado original, a saber, o de tratar a população favelada como população a ser controlada e não como cidadãos cujos direitos devem ser resguardados (Birman: 2008). A derrocada, ainda não admitida oficialmente pelos agentes de Estado, contribuiu para que o funk carioca voltasse a respirar.</span></span></span></span></span>
<span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Com o tempo, as constantes denúncias de violações de direitos, a crise financeira do estado do Rio de Janeiro e o fim dos megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, contribuíram para a falência desta iniciativa. Atualmente, as UPPs cumprem um papel meramente figurativo na maioria das favelas, incapazes de coibir o varejo de drogas ilícitas e suas armas de grosso calibre, como prometido anteriormente. Concebida a partir de um repertório estruturado em torno da metáfora da guerra (Leite: 2012), esta política sucumbiu aos desdobramentos de seu pecado original, a saber, o de tratar a população favelada como população a ser controlada e não como cidadãos cujos direitos devem ser resguardados (Birman: 2008). A derrocada, ainda não admitida oficialmente pelos agentes de Estado, contribuiu para que o funk carioca voltasse a respirar.</span></span></span></span></span>
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Ao longo deste período de suspensão dos bailes imposto pelas UPPs, pequenos eventos aconteciam vez ou outra quando negociações locais com os comandos das UPPs, sempre truncadas e permeadas por conflitos, eram bem-sucedidas (Novaes: 2016, pp. 21 – 47). Mesmo assim, devido à falta de periodicidade e divulgação restrita, estes bailes eram voltados para os moradores da favela onde ocorriam e não tinham grande repercussão. Apesar disso, algumas regiões conseguiram manter seus bailes em funcionamento pleno, entre elas o Complexo da Maré, conjunto de favelas situadas às margens da Avenida Brasil. Ao menos dois bailes perenes ocorriam nas favelas da Nova Holanda e do Parque União. Isso fez com que a região se tornasse o principal reduto do funk carioca naquele período. Nas noites mais movimentadas cerca de 10.000 pessoas lotavam o baile da Nova Holanda, por exemplo.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Em 2015, um grupo de jovens DJs do Complexo da Maré passou a explorar um recurso que, embora não fosse novidade no funk, nunca havia sido levado aos limites que se ouvia ali. Músicas antes produzidas em um andamento que girava em torno de 130 batidas por minuto (bpm) chegavam ser executadas a 160 bpm. Ao acelerar o andamento se obtinha uma cadência que instigava a agitação dos dançarinos. Por outro lado, as músicas perdiam os graves, as vozes dos MCs ficavam mais agudas e, dependendo da base usada, a música se tornava apenas uma confusa massa sonora.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A alteração no andamento gerou uma polêmica que mobilizou os principais expoentes do mundo funk e foi apelidada por muitos de “a treta do 150bpm”. Pouco tempo depois das primeiras experimentações no andamento – e das consequentes críticas – o DJ Polyvox, um dos protagonistas do baile da Nova Holanda, criou a primeira base originalmente produzida em 150bpm. O “tambor coca-cola” foi elaborado a partir do som de uma garrafa de refrigerante batendo na porta de seu estúdio. A criação de Polyvox contribuiu para que as críticas arrefecessem ao mesmo tempo em que firmou o 150bpm como um “limite” mais aceitável para as experimentações no andamento. O ano de 2016, auge do baile da Nova Holanda, marcou também as Olimpíadas no Rio de Janeiro e o declínio das UPPs.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Progressivamente, alguns bailes voltaram a acontecer em diversas favelas e o título de principal centro irradiador do funk carioca foi concedido ao baile da Gaiola, onde outros DJs, como Rennan da Penha, também tratavam de aperfeiçoar as produções em 150bpm. A partir deste momento, o funk no andamento que o caracterizou nos últimos 20 anos seria um artigo em extinção nos bailes cariocas. O Baile da Gaiola tornou-se um fenômeno entre a juventude carioca e contribuiu para que o funk produzido no Rio de Janeiro retomasse a relevância no cenário nacional, com diversas músicas de sucesso lançadas nos últimos anos. Rennan da Penha, principal artista do baile, passou a sofrer perseguições dos aparatos de repressão do Estado. Acusado de envolvimento com o tráfico de drogas por conta de seu trabalho como DJ ele foi, em janeiro de 2016, mais um a compor as estatísticas de jovens negros encarcerados arbitrariamente. A falta de evidências não impediu que ele permanecesse privado da liberdade por cerca de quatro meses enquanto buscava provar sua inocência.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Após ser inocentado naquele ano, Rennan lançou músicas com artistas como Ludmilla, Livinho, entre outros que alcançaram sucesso nacional. Apesar do reconhecimento por seu trabalho - talvez justamente por isso - o Ministério Público recorreu e o DJ foi condenado em segunda instância no processo que o acusava de associação ao tráfico de drogas. A acusação, claramente arbitrária, argumentava que o artista seria “olheiro” do tráfico, uma das funções menos remuneradas em toda a cadeia do crime. A condenação de Rennan gerou diversas manifestações em todo o país que apontavam o viés racista de sua prisão. Beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu prisões após julgamento em segunda instância, o DJ foi solto em novembro de 2019. Seu caso não foi isolado. Em julho de 2019 outros nomes do movimento 150 bpm como os DJs Polyvox, FP do Trem Bala e Iasmin Turbininha, foram chamados para depor pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em mais uma tentativa de criminalizar o funk carioca.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Se existe uma continuidade no baile funk em seus 40 anos de existência, apesar das mudanças nas músicas, danças, modas, territórios etc, é a sua criminalização. Junto com ela, a incrível capacidade de sobrevivência dessa forma de lazer e criação artística, marcada pela permanente reinvenção criativa, baseada na teimosa insistência da juventude popular carioca em afirmar o direito a ser feliz.</span></span></span></span></p>   
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Ao longo deste período de suspensão dos bailes imposto pelas UPPs, pequenos eventos aconteciam vez ou outra quando negociações locais com os comandos das UPPs, sempre truncadas e permeadas por conflitos, eram bem-sucedidas (Novaes: 2016, pp. 21 – 47). Mesmo assim, devido à falta de periodicidade e divulgação restrita, estes bailes eram voltados para os moradores da favela onde ocorriam e não tinham grande repercussão. Apesar disso, algumas regiões conseguiram manter seus bailes em funcionamento pleno, entre elas o Complexo da Maré, conjunto de favelas situadas às margens da Avenida Brasil. Ao menos dois bailes perenes ocorriam nas favelas da Nova Holanda e do Parque União. Isso fez com que a região se tornasse o principal reduto do funk carioca naquele período. Nas noites mais movimentadas cerca de 10.000 pessoas lotavam o baile da Nova Holanda, por exemplo.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Em 2015, um grupo de jovens DJs do Complexo da Maré passou a explorar um recurso que, embora não fosse novidade no funk, nunca havia sido levado aos limites que se ouvia ali. Músicas antes produzidas em um andamento que girava em torno de 130 batidas por minuto (bpm) chegavam ser executadas a 160 bpm. Ao acelerar o andamento se obtinha uma cadência que instigava a agitação dos dançarinos. Por outro lado, as músicas perdiam os graves, as vozes dos MCs ficavam mais agudas e, dependendo da base usada, a música se tornava apenas uma confusa massa sonora.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A alteração no andamento gerou uma polêmica que mobilizou os principais expoentes do mundo funk e foi apelidada por muitos de “a treta do 150bpm”. Pouco tempo depois das primeiras experimentações no andamento – e das consequentes críticas – o DJ Polyvox, um dos protagonistas do baile da Nova Holanda, criou a primeira base originalmente produzida em 150bpm. O “tambor coca-cola” foi elaborado a partir do som de uma garrafa de refrigerante batendo na porta de seu estúdio. A criação de Polyvox contribuiu para que as críticas arrefecessem ao mesmo tempo em que firmou o 150bpm como um “limite” mais aceitável para as experimentações no andamento. O ano de 2016, auge do baile da Nova Holanda, marcou também as Olimpíadas no Rio de Janeiro e o declínio das UPPs.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Progressivamente, alguns bailes voltaram a acontecer em diversas favelas e o título de principal centro irradiador do funk carioca foi concedido ao baile da Gaiola, onde outros DJs, como Rennan da Penha, também tratavam de aperfeiçoar as produções em 150bpm. A partir deste momento, o funk no andamento que o caracterizou nos últimos 20 anos seria um artigo em extinção nos bailes cariocas. O Baile da Gaiola tornou-se um fenômeno entre a juventude carioca e contribuiu para que o funk produzido no Rio de Janeiro retomasse a relevância no cenário nacional, com diversas músicas de sucesso lançadas nos últimos anos. Rennan da Penha, principal artista do baile, passou a sofrer perseguições dos aparatos de repressão do Estado. Acusado de envolvimento com o tráfico de drogas por conta de seu trabalho como DJ ele foi, em janeiro de 2016, mais um a compor as estatísticas de jovens negros encarcerados arbitrariamente. A falta de evidências não impediu que ele permanecesse privado da liberdade por cerca de quatro meses enquanto buscava provar sua inocência.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Após ser inocentado naquele ano, Rennan lançou músicas com artistas como Ludmilla, Livinho, entre outros que alcançaram sucesso nacional. Apesar do reconhecimento por seu trabalho - talvez justamente por isso - o Ministério Público recorreu e o DJ foi condenado em segunda instância no processo que o acusava de associação ao tráfico de drogas. A acusação, claramente arbitrária, argumentava que o artista seria “olheiro” do tráfico, uma das funções menos remuneradas em toda a cadeia do crime. A condenação de Rennan gerou diversas manifestações em todo o país que apontavam o viés racista de sua prisão. Beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu prisões após julgamento em segunda instância, o DJ foi solto em novembro de 2019. Seu caso não foi isolado. Em julho de 2019 outros nomes do movimento 150 bpm como os DJs Polyvox, FP do Trem Bala e Iasmin Turbininha, foram chamados para depor pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em mais uma tentativa de criminalizar o funk carioca.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Se existe uma continuidade no baile funk em seus 40 anos de existência, apesar das mudanças nas músicas, danças, modas, territórios etc, é a sua criminalização. Junto com ela, a incrível capacidade de sobrevivência dessa forma de lazer e criação artística, marcada pela permanente reinvenção criativa, baseada na teimosa insistência da juventude popular carioca em afirmar o direito a ser feliz.</span></span></span></span></p>   
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