Mutirão da Laje: mudanças entre as edições
Sem resumo de edição |
Sem resumo de edição |
||
| (3 revisões intermediárias por 2 usuários não estão sendo mostradas) | |||
| Linha 2: | Linha 2: | ||
'''Autor:''' [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Pablo_das_Oliveiras&action=edit&redlink=1 Pablo das Oliveiras]. | '''Autor:''' [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Pablo_das_Oliveiras&action=edit&redlink=1 Pablo das Oliveiras]. | ||
= Mutirão da laje = | |||
“Virar a laje” ou “bater a laje” são expressões populares com origem no trabalho coletivo e solidário de parentes, vizinhos e amigos, que corresponde à armação de escoras, “bater” e “esticar” o concreto fresco. Além dos instrumentos: pás, enxadas e baldes, juntam-se também facas, colheres, conchas e panelas; conforme os campos de ações de homens e mulheres. No Conjunto Habitacional Cidade de Deus - CDD, a laje foi um elemento introduzido pelo morador-construtor em sistema de mutirão, para ampliar a casa construída, originalmente, com telhado de madeira e telhas de barro. Os Conjuntos Habitacionais no Rio de Janeiro trazem marcas do processo autoritário e violento do Estado, como descreve Maria de Lourdes Silva no Verbete [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Drogas_na_Cidade_de_Deus Drogas em Cidade de Deus]: “a remoção compulsória de favelas e outras regiões da cidade do Rio de Janeiro, promovida sob o uso criminoso de invasões de domicílio, despejo e até incêndios para realocar populações inteiras em conjuntos habitacionais que não contavam com infraestrutura de água encanada e potável e rede de saneamento básico, numa região distante dos locais de emprego e ocupação dessas populações”, ainda hoje, impactam sobre os serviços, a compreensão e tratamentos dispensados às favelas e seus moradores. O programa de remoção de favelas pretendeu inserir as camadas mais pobres da população no SFH-Sistema Financeiro de Habitação, principalmente moradores das favelas situadas nas áreas mais valorizadas e cobiçadas pela especulação imobiliária, do Rio de Janeiro. Foram seus órgão governamentais: o BNH - Banco Nacional de Habitação (1964); a CHISAM - Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (1968-1973), no programa de remoção; a Companhia de Habitação Popular - COHAB-GB (Guanabara, 1962) Companhia Estadual de Habitação - CEHAB-RJ (assim nomeada após a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, 1975). Foram seus financiadores: o BNH, com recursos do FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (a partir de 1967); USAID - United States Agency for International Development (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), através do Acordo do Trigo e da Aliança para o Progresso (década de 1960), financiaram programas político econômico e social na América Latina, com inúmeras críticas de setores liberais, de esquerda e da opinião pública latino-americana às deficiências de de programa e suas metas, como instrumento a serviço dos interesses econômicos e estratégicos dos EUA no hemisfério. | |||
“Virar a laje” ou “bater a laje” são expressões populares com origem no trabalho coletivo e solidário de parentes, vizinhos e amigos, que corresponde à armação de escoras, “bater” e “esticar” o concreto fresco. Além dos instrumentos: pás, enxadas e baldes, juntam-se também facas, colheres, conchas e panelas; conforme os campos de ações de homens e mulheres. No Conjunto Habitacional Cidade de Deus - CDD, a laje foi um elemento introduzido pelo morador-construtor em sistema de mutirão, para ampliar a casa construída, originalmente, com telhado de madeira e telhas de barro. Os Conjuntos Habitacionais no Rio de Janeiro trazem marcas do processo autoritário e violento do Estado, como descreve Maria de Lourdes Silva no Verbete Drogas em Cidade de Deus: “a remoção compulsória de favelas e outras regiões da cidade do Rio de Janeiro, promovida sob o uso criminoso de invasões de domicílio, despejo e até incêndios para realocar populações inteiras em conjuntos habitacionais que não contavam com infraestrutura de água encanada e potável e rede de saneamento básico, numa região distante dos locais de emprego e ocupação dessas populações”, ainda hoje, impactam sobre os serviços, a compreensão e tratamentos dispensados às favelas e seus moradores. | |||
| |||
O programa de remoção de favelas pretendeu inserir as camadas mais pobres da população no SFH-Sistema Financeiro de Habitação, principalmente moradores das favelas situadas nas áreas mais valorizadas e cobiçadas pela especulação imobiliária, do Rio de Janeiro. Foram seus órgão governamentais: o BNH - Banco Nacional de Habitação (1964); a CHISAM - Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (1968-1973), no programa de remoção; a Companhia de Habitação Popular - COHAB-GB (Guanabara, 1962) Companhia Estadual de Habitação - CEHAB-RJ (assim nomeada após a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, 1975). Foram seus financiadores: o BNH, com recursos do FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (a partir de 1967); USAID - United States Agency for International Development (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), através do Acordo do Trigo e da Aliança para o Progresso (década de 1960), financiaram programas político econômico e social na América Latina, com inúmeras críticas de setores liberais, de esquerda e da opinião pública latino-americana às deficiências de de programa e suas metas, como instrumento a serviço dos interesses econômicos e estratégicos dos EUA no hemisfério. | |||
Na sequência dos governos de Carlos Lacerda (1960-1965); Negrão de Lima (1965-1971) e Chagas Freitas (1971-1974), entre os anos de 1962 a 1974, temos um balanço contundente do programa de remoções, ao contabilizar 80 favelas; 26.193 barracos e 139.218 habitantes removidos compulsoriamente (VALLADARES, 1978, p.39). | Na sequência dos governos de Carlos Lacerda (1960-1965); Negrão de Lima (1965-1971) e Chagas Freitas (1971-1974), entre os anos de 1962 a 1974, temos um balanço contundente do programa de remoções, ao contabilizar 80 favelas; 26.193 barracos e 139.218 habitantes removidos compulsoriamente (VALLADARES, 1978, p.39). | ||
| Linha 26: | Linha 22: | ||
Com a laje pronta, sem telhado por forração, a casa tem seu espaço ampliado e aberto aos significados que se renovam conforme seus usos. Essa ampliação potencializa uma área “livre” ou para mais um andar de moradia, por expansão horizontal e/ou vertical, que nem sempre edifica o prédio como unidade estrutural, mas representa uma sobreposição ou conjunto de áreas construídas, por vezes com acessos individualizados ao exterior, para múltiplas finalidades. Na construtiva da casa popular, em Cidade de Deus e demais favelas, observa-se um tipo de edificação recorrente, que utiliza materiais da construção civil entre outros arranjos (refugo de obras, lona plástica, compensado, chapa de carro e etc) e por possuir expressões formais e funções de usos tão diversos ganhou denominação própria e singela: “puxadinho”, isto é, construção que estende o imóvel para além da planta original, conforme oportunidade de espaço (vertical-horizontal) e condições materiais para sua edificação. | Com a laje pronta, sem telhado por forração, a casa tem seu espaço ampliado e aberto aos significados que se renovam conforme seus usos. Essa ampliação potencializa uma área “livre” ou para mais um andar de moradia, por expansão horizontal e/ou vertical, que nem sempre edifica o prédio como unidade estrutural, mas representa uma sobreposição ou conjunto de áreas construídas, por vezes com acessos individualizados ao exterior, para múltiplas finalidades. Na construtiva da casa popular, em Cidade de Deus e demais favelas, observa-se um tipo de edificação recorrente, que utiliza materiais da construção civil entre outros arranjos (refugo de obras, lona plástica, compensado, chapa de carro e etc) e por possuir expressões formais e funções de usos tão diversos ganhou denominação própria e singela: “puxadinho”, isto é, construção que estende o imóvel para além da planta original, conforme oportunidade de espaço (vertical-horizontal) e condições materiais para sua edificação. | ||
Esta e outras ações “informais” e paliativas concorrem no movimento socioeconômico do núcleo familiar e da comunidade, ampliando a oferta de moradias, para uso próprio ou comércio e geração de renda. Uma visão reducionista sobre a arquitetura popular não permite ver em seus fazeres, proliferações disseminadas de re-criações anônimas do espaço fundiário, que potencializam o cenário social, político e econômico da cidade. Na perspectiva histórica da casa na favela, Bruno Coutinho aponta no verbete Moradia, um processo construído e marcado por "desigualdades socioestruturais, tendo se consolidado ora mais, ora menos no espaço urbano, de acordo com a orientação das políticas de “desenvolvimento e reforma urbanos” e sua imbricação com os interesses relacionados de mercado – mais explicitamente o imobiliário – e políticos." | Esta e outras ações “informais” e paliativas concorrem no movimento socioeconômico do núcleo familiar e da comunidade, ampliando a oferta de moradias, para uso próprio ou comércio e geração de renda. Uma visão reducionista sobre a arquitetura popular não permite ver em seus fazeres, proliferações disseminadas de re-criações anônimas do espaço fundiário, que potencializam o cenário social, político e econômico da cidade. Na perspectiva histórica da casa na favela, Bruno Coutinho aponta no verbete [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Moradia Moradia], um processo construído e marcado por "desigualdades socioestruturais, tendo se consolidado ora mais, ora menos no espaço urbano, de acordo com a orientação das políticas de “desenvolvimento e reforma urbanos” e sua imbricação com os interesses relacionados de mercado – mais explicitamente o imobiliário – e políticos." | ||
Em diferentes favelas a laje performa papéis que possibilitam soluções às situações cotidianas, estejam elas localizadas em áreas planas ou pelos morros, como descreve Bianca Freire–Medeiros, no Verbete: Laje e Turismo, sobre usos das lajes, contíguas ou não, como “verdadeiras ruas suspensas, as quais prescindem, obviamente, traçados prévios” para transporte de geladeiras, sofás e “nos extremos de pontes invisíveis e precárias quando as crianças perseguem suas pipas pulando com rapidez entre lajes”. Vale citar Gilberto Gil: A refavela / Revela o salto / Que o preto pobre tenta dar / Quando se arranca / Do seu barraco / Prum bloco do BNH (...) A refavela / Revela o sonho / De minha alma, meu coração / De minha gente / Minha semente / Preta Maria, Zé, João (...). A poética e sínteses sociológicas de Gil nesta obra musical, para além do Conjunto Habitacional, revela a REFAVELA pelo éthos que nela se constrói. | Em diferentes favelas a laje performa papéis que possibilitam soluções às situações cotidianas, estejam elas localizadas em áreas planas ou pelos morros, como descreve Bianca Freire–Medeiros, no Verbete: [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Laje_e_Turismo Laje e Turismo], sobre usos das lajes, contíguas ou não, como “verdadeiras ruas suspensas, as quais prescindem, obviamente, traçados prévios” para transporte de geladeiras, sofás e “nos extremos de pontes invisíveis e precárias quando as crianças perseguem suas pipas pulando com rapidez entre lajes”. Vale citar Gilberto Gil: A refavela / Revela o salto / Que o preto pobre tenta dar / Quando se arranca / Do seu barraco / Prum bloco do BNH (...) A refavela / Revela o sonho / De minha alma, meu coração / De minha gente / Minha semente / Preta Maria, Zé, João (...). A poética e sínteses sociológicas de Gil nesta obra musical, para além do Conjunto Habitacional, revela a REFAVELA pelo éthos que nela se constrói. | ||
Os trabalhos realizados pelas mulheres encontram-se intimamente ligados aos realizados pelos homens, pois o convite para “virar” a laje está vinculado ao desfrute da comida que será servida aos participantes, principalmente, depois da laje posta, quase sempre, com fartura. Por pertencer ao mundo da casa, as tarefas das mulheres possuem pouca ou nenhuma visibilidade, quando iniciado no dia anterior ao mutirão, por seguir na intimidade da cozinha, durante o preparo dos alimentos e sua fervura; trabalho paralelo ao dos homens “batendo o concreto” na rua, às vistas públicas. Tais habilidades e valores explícitos e implícitos reafirmam a divisão sexual de papéis sociais existente no cotidiano dos sujeitos envolvidos nesse mutirão. | Os trabalhos realizados pelas mulheres encontram-se intimamente ligados aos realizados pelos homens, pois o convite para “virar” a laje está vinculado ao desfrute da comida que será servida aos participantes, principalmente, depois da laje posta, quase sempre, com fartura. Por pertencer ao mundo da casa, as tarefas das mulheres possuem pouca ou nenhuma visibilidade, quando iniciado no dia anterior ao mutirão, por seguir na intimidade da cozinha, durante o preparo dos alimentos e sua fervura; trabalho paralelo ao dos homens “batendo o concreto” na rua, às vistas públicas. Tais habilidades e valores explícitos e implícitos reafirmam a divisão sexual de papéis sociais existente no cotidiano dos sujeitos envolvidos nesse mutirão. | ||
| Linha 38: | Linha 34: | ||
| | ||
= Referência bibliográfica = | |||
ABREU, Maurício A. de A Evolução Urbana da Cidade do Rio de Janeiro, 2º edição, Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1997. | <br/> ABREU, Maurício A. de A Evolução Urbana da Cidade do Rio de Janeiro, 2º edição, Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1997. | ||
CERTEAU, Michel de. ‘A invenção do cotidiano – 1. Artes de fazer’. 10ª edição, Petrópolis: Vozes, 1994. | CERTEAU, Michel de. ‘A invenção do cotidiano – 1. Artes de fazer’. 10ª edição, Petrópolis: Vozes, 1994. | ||
| Linha 59: | Linha 55: | ||
| | ||
| |||
| |||
| |||
[[Category:Cidade de Deus]][[Category:Mutirão]][[Category:Trabalho coletivo]][[Category:Temática - Associativismo e Movimentos Sociais]][[Category:Temática - Habitação]] | |||
