Drogas na Cidade de Deus: mudanças entre as edições

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#&nbsp;<span style="line-height:107%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''Origens da Cidade de Deus'''</font></font></font></span>  
<span style="line-height:107%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''Origens da Cidade de Deus'''</font></font></font></span>
 


<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">A história da Cidade de Deus começa com uma ação violenta do Estado: a remoção compulsória de favelas das áreas “nobres” da cidade do Rio de Janeiro. Promovida às custas de invasões de domicílio, despejo dos moradores e incêndios criminosos, a proposta era realocar populações inteiras em conjuntos habitacionais construídos em regiões distantes, de difícil acesso aos locais de emprego e ocupação dessas populações. Assim como as favelas de origem, contudo, esses conjuntos habitacionais também não contavam com infraestrutura de serviços, eram desassistidas de serviços públicos essenciais e contavam com escasso sistema de transporte público. O</font></font></font><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">''leitmotiv''</font></font></font><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">das remoções de favelas era a valorização dos terrenos ocupados, associado ao esforço de ordenamento do espaço da cidade pelo Estado, sempre precário, seletivo e excludente. Esse modelo de comprometimento do Estado republicano brasileiro com a modernização tem nas reformas Pereira Passos o primeiro grande investimento à modelagem do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro. Orientado às necessidades do capital e interesses das elites, não constava da proposta o fornecimento de serviços essenciais à população, como saneamento básico, água encanada, eletricidade, educação, saúde, trabalho e segurança, exceto esse último item, a força policial foi o único serviço ofertado de modo ostensivo pelo Estado desde o início.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">A história da Cidade de Deus começa com uma ação violenta do Estado: a remoção compulsória de favelas das áreas “nobres” da cidade do Rio de Janeiro. Promovida às custas de invasões de domicílio, despejo dos moradores e incêndios criminosos, a proposta era realocar populações inteiras em conjuntos habitacionais construídos em regiões distantes, de difícil acesso aos locais de emprego e ocupação dessas populações. Assim como as favelas de origem, contudo, esses conjuntos habitacionais também não contavam com infraestrutura de serviços, eram desassistidas de serviços públicos essenciais e contavam com escasso sistema de transporte público. O</font></font></font><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">''leitmotiv''</font></font></font><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">das remoções de favelas era a valorização dos terrenos ocupados, associado ao esforço de ordenamento do espaço da cidade pelo Estado, sempre precário, seletivo e excludente. Esse modelo de comprometimento do Estado republicano brasileiro com a modernização tem nas reformas Pereira Passos o primeiro grande investimento à modelagem do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro. Orientado às necessidades do capital e interesses das elites, não constava da proposta o fornecimento de serviços essenciais à população, como saneamento básico, água encanada, eletricidade, educação, saúde, trabalho e segurança, exceto esse último item, a força policial foi o único serviço ofertado de modo ostensivo pelo Estado desde o início.</font></font></font></span>
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<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">Aspectos da remoção das favelas originárias que compuseram a Cidade de Deus indicam a fragmentação dessas populações, incluindo separação de núcleos familiares, obrigando-os a reestruturação dos laços societários, especialmente quanto à vizinhança. Em Cidade de Deus acresce o fato de diferentes glebas terem sido construídas em diferentes momentos do percurso de formação da comunidade e tenha sido um dos fatores pelo qual ela tenha estabelecido uma identidade social local mediada por essa vizinhança: Quadra 141, Vacaria, Apês, Quadra 13, Moquiço, Pantanal, etc. Dentre as diversas formas associativas criadas no processo de sociabilidade pelas diferentes populações das favelas removidas àquele conjunto, denominado Cidade de Deus, tais como escolas de samba, associações de moradores, times de futebol, grupos ligados às organizações religiosas em suas diversas matrizes, das afrodescendentes às cristãs, temos aquelas ligadas às ações criminosas como grupos ligados às ações criminosas, como assaltos e roubos e, na sequência, venda de drogas, etc. Desde que diferentes grupos ligados às atividades criminosas passaram a conviver nesses territórios, uma dinâmica de reconhecimento mútuo e de definição e repartição do território se estabeleceu na comunidade. A venda de maconha vai se configurando, ao longo das décadas de 1960-70, como uma atividade rentável e mais segura do que os assaltos e roubos aos estabelecimentos comerciais, por exemplo, entre outras coisas, porque seus praticantes não precisavam se arriscar em outros territórios. Tal disputa está na origem da guerra pelo controle do tráfico de drogas no local.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">Aspectos da remoção das favelas originárias que compuseram a Cidade de Deus indicam a fragmentação dessas populações, incluindo separação de núcleos familiares, obrigando-os a reestruturação dos laços societários, especialmente quanto à vizinhança. Em Cidade de Deus acresce o fato de diferentes glebas terem sido construídas em diferentes momentos do percurso de formação da comunidade e tenha sido um dos fatores pelo qual ela tenha estabelecido uma identidade social local mediada por essa vizinhança: Quadra 141, Vacaria, Apês, Quadra 13, Moquiço, Pantanal, etc. Dentre as diversas formas associativas criadas no processo de sociabilidade pelas diferentes populações das favelas removidas àquele conjunto, denominado Cidade de Deus, tais como escolas de samba, associações de moradores, times de futebol, grupos ligados às organizações religiosas em suas diversas matrizes, das afrodescendentes às cristãs, temos aquelas ligadas às ações criminosas como grupos ligados às ações criminosas, como assaltos e roubos e, na sequência, venda de drogas, etc. Desde que diferentes grupos ligados às atividades criminosas passaram a conviver nesses territórios, uma dinâmica de reconhecimento mútuo e de definição e repartição do território se estabeleceu na comunidade. A venda de maconha vai se configurando, ao longo das décadas de 1960-70, como uma atividade rentável e mais segura do que os assaltos e roubos aos estabelecimentos comerciais, por exemplo, entre outras coisas, porque seus praticantes não precisavam se arriscar em outros territórios. Tal disputa está na origem da guerra pelo controle do tráfico de drogas no local.</font></font></font></span>
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<li><span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''A formação das bocas de fumo de maconha'''</font></font></font></span></li>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''A formação das bocas de fumo de maconha'''</font></font></font></span>
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<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">Ainda carece de mais pesquisas os modos como o fornecimento da maconha à época deixa de ser feito pelos pequenos cultivadores espalhados pelo país e é agregado ao aparato do tráfico internacional. Porém, tais questões nos levam a entender que o tráfico de drogas tem percurso próprio e distinto e que somente em algum momento de seu desenvolvimento as favelas passaram a compor um aspecto dessa trajetória. As vulnerabilidades e potencialidades que fazem da favela um espaço propício à venda dessas substâncias deita raízes especialmente no fato de estarem para além de onde o Estado concentrava suas atenções através de suas instituições de assistência e amparo social e, sobretudo, de controle social, quando a “vista grossa” da polícia, por um lado, e o seu envolvimento na construção do aparato do tráfico de drogas no país, por outro, fazem a atividade tomar as proporções que tem hoje.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">Ainda carece de mais pesquisas os modos como o fornecimento da maconha à época deixa de ser feito pelos pequenos cultivadores espalhados pelo país e é agregado ao aparato do tráfico internacional. Porém, tais questões nos levam a entender que o tráfico de drogas tem percurso próprio e distinto e que somente em algum momento de seu desenvolvimento as favelas passaram a compor um aspecto dessa trajetória. As vulnerabilidades e potencialidades que fazem da favela um espaço propício à venda dessas substâncias deita raízes especialmente no fato de estarem para além de onde o Estado concentrava suas atenções através de suas instituições de assistência e amparo social e, sobretudo, de controle social, quando a “vista grossa” da polícia, por um lado, e o seu envolvimento na construção do aparato do tráfico de drogas no país, por outro, fazem a atividade tomar as proporções que tem hoje.</font></font></font></span>
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<li><span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''As guerras criadas pela “Guerra às Drogas”'''</font></font></font></span></li>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''As guerras criadas pela “Guerra às Drogas”'''</font></font></font></span>
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<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">De todo modo, as questões relativas às drogas na Cidade de Deus, como de resto, nas outras regiões do país, não são as drogas ilícitas as únicas a trazerem problemas à população local. As drogas lícitas, quase sempre minimizadas quanto à capacidade de gerar riscos e danos frente às drogas ilícitas, também são geradoras de grandes transtornos à população local. Os altos índices de alcoolismo e de suas comorbidades, o uso excessivo de medicamentos controlados como estratégia da população para suportar o cotidiano implacável e violento.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">De todo modo, as questões relativas às drogas na Cidade de Deus, como de resto, nas outras regiões do país, não são as drogas ilícitas as únicas a trazerem problemas à população local. As drogas lícitas, quase sempre minimizadas quanto à capacidade de gerar riscos e danos frente às drogas ilícitas, também são geradoras de grandes transtornos à população local. Os altos índices de alcoolismo e de suas comorbidades, o uso excessivo de medicamentos controlados como estratégia da população para suportar o cotidiano implacável e violento.</font></font></font></span>
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<li><span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''Considerações Gerais'''</font></font></font></span></li>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''Considerações Gerais'''</font></font></font></span>
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<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">As drogas têm sido usadas como um eficaz dispositivo de controle social que atinge soberanamente as populações jovens, masculinas, pobres, negras e mestiças. O tráfico da favela é um negócio lucrativo, uma empresa que atende aos ditames da lógica capitalista aliada aos preceitos neoliberais mais radicais, com valorização da competência para o empreendedorismo pessoal bem-sucedido, implicando sagacidade e coragem para os desafios que envolve. Há um estilo de vida demarcado pelas alegorias do sucesso pessoal, do poder, do dinheiro sustentado pela sociedade de consumo, dos riscos assumidos. O escopo dessa engrenagem traduz uma continuidade entre a lógica que ordena o recrutamento de jovens para o tráfico e a que vigora na sociedade de classes com larga vantagem àquele, porque não requisita acúmulo de capital pessoal como escolaridade ou especializações.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">As drogas têm sido usadas como um eficaz dispositivo de controle social que atinge soberanamente as populações jovens, masculinas, pobres, negras e mestiças. O tráfico da favela é um negócio lucrativo, uma empresa que atende aos ditames da lógica capitalista aliada aos preceitos neoliberais mais radicais, com valorização da competência para o empreendedorismo pessoal bem-sucedido, implicando sagacidade e coragem para os desafios que envolve. Há um estilo de vida demarcado pelas alegorias do sucesso pessoal, do poder, do dinheiro sustentado pela sociedade de consumo, dos riscos assumidos. O escopo dessa engrenagem traduz uma continuidade entre a lógica que ordena o recrutamento de jovens para o tráfico e a que vigora na sociedade de classes com larga vantagem àquele, porque não requisita acúmulo de capital pessoal como escolaridade ou especializações.</font></font></font></span>


<span style="line-height:150%"> <font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">Nesse aspecto, a Cidade de Deus tem dado mostra de que a educação formal não tem conseguido representar uma alternativa para os jovens. Segundo dados do Censo Escolar/INEP/MEC, no ano de 2013, houve um aumento de mais de 50% no número de de alunos reprovados no ensino médio em Cidade de Deus, e que o percentual de abandono do ensino médio entre 2013 e 2014 foi acima dos 60%[[#sdfootnote2sym|<sup>2</sup>]]. Do mesmo modo, o percentual de mães adolescentes na Cidade de Deus (abaixo dos 20 anos) está 7,7% acima da média da cidade do Rio de Janeiro.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">Nesse aspecto, a Cidade de Deus tem dado mostra de que a educação formal não tem conseguido representar uma alternativa para os jovens. Segundo dados do Censo Escolar/INEP/MEC, no ano de 2013, houve um aumento de mais de 50% no número de de alunos reprovados no ensino médio em Cidade de Deus, e que o percentual de abandono do ensino médio entre 2013 e 2014 foi acima dos 60%[[#sdfootnote2sym|<sup>2</sup>]]. Do mesmo modo, o percentual de mães adolescentes na Cidade de Deus (abaixo dos 20 anos) está 7,7% acima da média da cidade do Rio de Janeiro.</font></font></font></span>


<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">A violência gerada nas guerras pelas drogas promoveu um deslocamento importante no perfil dos compradores que vão às bocas de fumo. Muitos usuários da cidade são abastecidos por intermediários e por uma variedade de drogas que não passam pelas bocas de fumo das comunidades. Essas bocas contam hoje com crescente número de consumidores locais entre estudantes e trabalhadores. Chegamos ao arcabouço perverso e bem urdido da guerra às drogas. É preciso interferir nesse modelo com urgência e encontrar formas de educar sobre as drogas de modo a promover relações saudáveis entre os homens e essas substâncias.</font></font></font></span>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">A violência gerada nas guerras pelas drogas promoveu um deslocamento importante no perfil dos compradores que vão às bocas de fumo. Muitos usuários da cidade são abastecidos por intermediários e por uma variedade de drogas que não passam pelas bocas de fumo das comunidades. Essas bocas contam hoje com crescente número de consumidores locais entre estudantes e trabalhadores. Chegamos ao arcabouço perverso e bem urdido da guerra às drogas. É preciso interferir nesse modelo com urgência e encontrar formas de educar sobre as drogas de modo a promover relações saudáveis entre os homens e essas substâncias.</font></font></font></span>
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<li><span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''Bibliografia:'''</font></font></font></span></li>
<span style="line-height:150%"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt">'''Bibliografia:'''</font></font></font></span>
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