Atenção primária, empoderamento e direito à saúde: mudanças entre as edições

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<p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">GOVERNO, MERCADO E COMUNIDADE NA ATENÇÃO PRIMÁRIA DE SAÚDE- APS</span></span></span></span></p> <p style="text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Autora: Sonia Fleury</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;">&nbsp;</p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A maior parte dos serviços de saúde localizados em favelas são unidades de Atenção Primária de Saúde - APS. Muitas delas envolvem o trabalho de Agentes Comunitários de Saúde e de Equipes de Saúde da Família. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Ministério da Saúde foi criado oficialmente em 1991, com o objetivo de melhorar o acolhimento dos usuários do sistema de saúde, por meio de pessoas da própria comunidade que fossem treinadas para exercer funções no sistema e encaminhar os pacientes para outros profissionais especializados. Espera-se, desta forma diminuir a distância entre os agentes públicos e os usuários, já que o agente comunitário seria o elo de ligação entre ambos. Também se supõe que a capacitação de pessoas da comunidade represente um processo de empoderamento dos moradores. O conceito de empoderamento, que vem do termo inglês ''empowerment'' passou a ser usado como um objetivo em todos os projetos comunitários, em especial os financiados pelas agências internacionais de cooperação e/ou executados pelas Organizações Não Governamentais – ONG.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A Estratégia de Saúde da família é definida pelo Ministério da Saúde como um meio para expansão, qualificação e consolidação da atenção básica, de forma a permitir a reorganização do sistema de saúde. Dessa maneira, espera-se que o sistema que está basicamente centrado no processo curativo com base nas unidades hospitalares seja revertido para um modelo de atenção que privilegia a prevenção e é executado em unidades básicas de saúde, a menor custo e maior proximidade com a comunidade. O Manual de Atenção Básica do Ministério da Saúde considera que “</span></span></span><span style="font-size:9.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:black">Um ponto importante é o estabelecimento de uma equipe multiprofissional (equipe de Saúde da Família – eSF) composta por, no mínimo: (I) médico generalista, ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade; (II) enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; (III) auxiliar ou técnico de enfermagem; e (IV) agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados a essa composição os profissionais de Saúde Bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal”.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">&nbsp;</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">No entanto, esse modelo de atenção à saúde voltado para a prevenção e com o envolvimento de equipes multidisciplinares e agentes comunitários tem raízes bem mais antigas, dentro e fora do Brasil.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Uma referência fundamental foi a Conferência de Alma-Ata, realizada em 1978 nessa cidade da antiga URSS, cuja declaração, assinada pelos governos participantes, assumiu o compromisso de assegurar “Saúde para Todos até o Ano 2000”.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os principais pontos da Declaração de Alma-Ata foram a Definição de saúde como resultante de um processo de determinação social; o estatuto da saúde como direito; o reconhecimento das desigualdades; a relação entre saúde e desenvolvimento; o direito à participação; a responsabilização dos governos pela saúde de seus cidadãos, e a centralidade dos cuidados primários de saúde.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">“</span></span></span>I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">II) A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política, social e economicamente inaceitável e constitui, por isso, objeto da preocupação comum de todos os países.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">IV) É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">V) Os governos têm pela saúde de seus povos uma responsabilidade que só pode ser realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais. Uma das principais metas sociais dos governos, das organizações internacionais e de toda a comunidade mundial na próxima década deve ser a de que todos os povos do mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">VI) Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A Conferência de Alma-Ata influenciou governos em todo o mundo na busca de organização de sistemas universais de saúde, organizados a partir da atenção primária de saúde. Também influenciou as lutas dos movimentos sociais, como o Movimento da Reforma Sanitária no Brasil, na luta pela inscrição do Direito à Saúde como um direito constitucional.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Desde o meado dos anos 1970, com a vitória da oposição, organizada na frente que ficou conhecida como MDB, ao partido do governo militar, a ARENA, em importantes cidades de porte médio onde eram permitidas eleições, inicia-se a introdução desse modelo de atenção baseado na APS, em diferentes partes do Brasil. Inspirado no sucesso do modelo cubano de atenção à saúde e legitimado pela declaração de Alma-Ata, buscou-se uma saída para uma atenção mais próxima da população, com abordagem preventiva e uso de agentes comunitários de saúde. Foram implantados projetos pioneiros em Montes Claros, no PIASS em vários estados do Nordeste, em Niterói, em Campinas. Dessas experiências surgem as bases materiais do projeto de construção do SUS.</span></span></span></span></p>  
<p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A maior parte dos serviços de saúde localizados em favelas são unidades de Atenção Primária de Saúde - APS. Muitas delas envolvem o trabalho de Agentes Comunitários de Saúde e de Equipes de Saúde da Família. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Ministério da Saúde foi criado oficialmente em 1991, com o objetivo de melhorar o acolhimento dos usuários do sistema de saúde, por meio de pessoas da própria comunidade que fossem treinadas para exercer funções no sistema e encaminhar os pacientes para outros profissionais especializados. Espera-se, desta forma diminuir a distância entre os agentes públicos e os usuários, já que o agente comunitário seria o elo de ligação entre ambos. Também se supõe que a capacitação de pessoas da comunidade represente um processo de empoderamento dos moradores. O conceito de empoderamento, que vem do termo inglês ''empowerment'' passou a ser usado como um objetivo em todos os projetos comunitários, em especial os financiados pelas agências internacionais de cooperação e/ou executados pelas Organizações Não Governamentais – ONG.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A Estratégia de Saúde da família é definida pelo Ministério da Saúde como um meio para expansão, qualificação e consolidação da atenção básica, de forma a permitir a reorganização do sistema de saúde. Dessa maneira, espera-se que o sistema que está basicamente centrado no processo curativo com base nas unidades hospitalares seja revertido para um modelo de atenção que privilegia a prevenção e é executado em unidades básicas de saúde, a menor custo e maior proximidade com a comunidade. O Manual de Atenção Básica do Ministério da Saúde considera que “</span></span></span><span style="font-size:9.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:black">Um ponto importante é o estabelecimento de uma equipe multiprofissional (equipe de Saúde da Família – eSF) composta por, no mínimo: (I) médico generalista, ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade; (II) enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; (III) auxiliar ou técnico de enfermagem; e (IV) agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados a essa composição os profissionais de Saúde Bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal”.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">&nbsp;</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">No entanto, esse modelo de atenção à saúde voltado para a prevenção e com o envolvimento de equipes multidisciplinares e agentes comunitários tem raízes bem mais antigas, dentro e fora do Brasil.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Uma referência fundamental foi a Conferência de Alma-Ata, realizada em 1978 nessa cidade da antiga URSS, cuja declaração, assinada pelos governos participantes, assumiu o compromisso de assegurar “Saúde para Todos até o Ano 2000”.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os principais pontos da Declaração de Alma-Ata foram a Definição de saúde como resultante de um processo de determinação social; o estatuto da saúde como direito; o reconhecimento das desigualdades; a relação entre saúde e desenvolvimento; o direito à participação; a responsabilização dos governos pela saúde de seus cidadãos, e a centralidade dos cuidados primários de saúde.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">“</span></span></span>I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">II) A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política, social e economicamente inaceitável e constitui, por isso, objeto da preocupação comum de todos os países.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">IV) É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">V) Os governos têm pela saúde de seus povos uma responsabilidade que só pode ser realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais. Uma das principais metas sociais dos governos, das organizações internacionais e de toda a comunidade mundial na próxima década deve ser a de que todos os povos do mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%">VI) Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.</span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A Conferência de Alma-Ata influenciou governos em todo o mundo na busca de organização de sistemas universais de saúde, organizados a partir da atenção primária de saúde. Também influenciou as lutas dos movimentos sociais, como o Movimento da Reforma Sanitária no Brasil, na luta pela inscrição do Direito à Saúde como um direito constitucional.</span></span></span></span></p> <p style="text-align: justify;"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Desde o meado dos anos 1970, com a vitória da oposição, organizada na frente que ficou conhecida como MDB, ao partido do governo militar, a ARENA, em importantes cidades de porte médio onde eram permitidas eleições, inicia-se a introdução desse modelo de atenção baseado na APS, em diferentes partes do Brasil. Inspirado no sucesso do modelo cubano de atenção à saúde e legitimado pela declaração de Alma-Ata, buscou-se uma saída para uma atenção mais próxima da população, com abordagem preventiva e uso de agentes comunitários de saúde. Foram implantados projetos pioneiros em Montes Claros, no PIASS em vários estados do Nordeste, em Niterói, em Campinas. Dessas experiências surgem as bases materiais do projeto de construção do SUS.</span></span></span></span></p>  
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