Marielle Franco: mudanças entre as edições

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Mari, como era conhecida entre suas amigas, amigos e colegas de trabalho, apresentava-se recorrentemente como '''mulher, negra, mãe, socióloga e cria da Maré'''! Agora, Marielle Franco passa a ser também símbolo das lutas de todas as mulheres que desejam um mundo livre de opressões. Não à toa, a frase “'''Marielle é semente'''” tomou conta do mundo.
Mari, como era conhecida entre suas amigas, amigos e colegas de trabalho, apresentava-se recorrentemente como '''mulher, negra, mãe, socióloga e cria da Maré'''! Agora, Marielle Franco passa a ser também símbolo das lutas de todas as mulheres que desejam um mundo livre de opressões. Não à toa, a frase “'''Marielle é semente'''” tomou conta do mundo.


<span style="font-size:large;">'''Cria da Maré'''</span><br/> Cria, gíria que, nas favelas do Rio de Janeiro, se refere a quem nasceu e cresceu - foi criado - em determinado território. Maré nome popular do '''[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=O_Bairro_da_Maré Conjunto de Favelas da Maré]''', localizado na zona norte do Rio de Janeiro. A Maré abriga 16 favelas ( Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque União, Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiros, Vila do Pinheiro, Vila do João, 'Salsa e Merengue', Marcílio Dias, Roquete Pinto, Praia de Ramos, Bento Ribeiro Dantas e Mandacaru) e 129 mil moradores segundo o Censo Maré 2010. Ao se apresentar como Cria da Maré, Marielle reivindicava a sua identidade de favelada e a importância deste lugar em sua trajetória e também formação.
= <span style="font-size:large;">'''Cria da Maré'''</span> =
 
Cria, gíria que, nas favelas do Rio de Janeiro, se refere a quem nasceu e cresceu - foi criado - em determinado território. Maré nome popular do '''[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=O_Bairro_da_Maré Conjunto de Favelas da Maré]''', localizado na zona norte do Rio de Janeiro. A Maré abriga 16 favelas ( Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque União, Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiros, Vila do Pinheiro, Vila do João, 'Salsa e Merengue', Marcílio Dias, Roquete Pinto, Praia de Ramos, Bento Ribeiro Dantas e Mandacaru) e 129 mil moradores segundo o Censo Maré 2010. Ao se apresentar como Cria da Maré, Marielle reivindicava a sua identidade de favelada e a importância deste lugar em sua trajetória e também formação.


Como grande partes das favelas Cariocas, a Maré é composta por uma maioria negra, nordestina, ou descendente de nordestinos. A família de Marielle não é diferente.&nbsp;Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto (Seu Toinho), seus pais, são descentes de paraibanos. Seu avô paterno&nbsp;foi um dos primeiros moradores da Maré, ainda na época em que a maioria das casas eram palafitas. Parte de sua “tendinha” encontra-se exposto no Museu da Maré. A primeira filha do casal, Marielle Francisco da Silva, nasceu em 27 de julho de 1979. A menina comunicativa e serelepe cresceu na &nbsp;Maré, morando em diferentes localidades ao longo da vida, Conjunto Esperança, Timbau, Baixa do Sapateiro e Conjunto Manoel Nóbrega. Ainda criança, Marielle ganha uma irmã, Anielle, por quem muitas vezes enfrentou garotos encrenqueiros e a quem já&nbsp;ensinava a não baixar a cabeça para ninguém. &nbsp;Marielle ressaltava que foi uma adolescente favelada, que estudou em escolas públicas, frequentou o grupo jovem da Igreja Católica, brincava na rua e fugia para ir ao [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Baile_Funk '''baile funk'''].
Como grande partes das favelas Cariocas, a Maré é composta por uma maioria negra, nordestina, ou descendente de nordestinos. A família de Marielle não é diferente.&nbsp;Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto (Seu Toinho), seus pais, são descentes de paraibanos. Seu avô paterno&nbsp;foi um dos primeiros moradores da Maré, ainda na época em que a maioria das casas eram palafitas. Parte de sua “tendinha” encontra-se exposto no Museu da Maré. A primeira filha do casal, Marielle Francisco da Silva, nasceu em 27 de julho de 1979. A menina comunicativa e serelepe cresceu na &nbsp;Maré, morando em diferentes localidades ao longo da vida, Conjunto Esperança, Timbau, Baixa do Sapateiro e Conjunto Manoel Nóbrega. Ainda criança, Marielle ganha uma irmã, Anielle, por quem muitas vezes enfrentou garotos encrenqueiros e a quem já&nbsp;ensinava a não baixar a cabeça para ninguém. &nbsp;Marielle ressaltava que foi uma adolescente favelada, que estudou em escolas públicas, frequentou o grupo jovem da Igreja Católica, brincava na rua e fugia para ir ao [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Baile_Funk '''baile funk'''].


<br/> <span style="font-size:large;">'''Mãe'''</span><br/> Como a mesma repetia, em um primeiro momento, Marielle&nbsp;não fugiu das estatísticas. Aos 19 anos tornou-se mãe de sua única, filha Luyara Santos. “Ser mãe na favela não é fácil”, contava Marielle, sempre narrando histórias de quando Luyara era bebê. Empurrar o carrinho pelos becos e vielas esburacados, sem saneamento básico e, principalmente, debaixo de muito tiro, eram alguns dos maiores desafios da Marielle-mãe. Luyara nasceu em uma maternidade pública, estudava em creche pública&nbsp;e viveu seus primeiros anos de vida na Maré. Aos poucos, com muito trabalho e algumas oportunidades, Marielle foi reescrevendo essa história, acessando novos caminhos e proporcionando à sua filha uma vida menos atribulada. Quando Luyara tinha por volta de 8 anos, Marielle conseguiu se formar em Ciências Sociais, passou a trabalhar diretamente com Direitos Humanos, algo que já era parte de sua vida através da militância. Assim, conseguiu pagar os estudos da filha, que se formou no Ensino Médio e, atualmente, estuda na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).&nbsp;
= <span style="font-size:large;">'''Mãe'''</span> =
 
Como a mesma repetia, em um primeiro momento, Marielle&nbsp;não fugiu das estatísticas. Aos 19 anos tornou-se mãe de sua única, filha Luyara Santos. “Ser mãe na favela não é fácil”, contava Marielle, sempre narrando histórias de quando Luyara era bebê. Empurrar o carrinho pelos becos e vielas esburacados, sem saneamento básico e, principalmente, debaixo de muito tiro, eram alguns dos maiores desafios da Marielle-mãe. Luyara nasceu em uma maternidade pública, estudava em creche pública&nbsp;e viveu seus primeiros anos de vida na Maré. Aos poucos, com muito trabalho e algumas oportunidades, Marielle foi reescrevendo essa história, acessando novos caminhos e proporcionando à sua filha uma vida menos atribulada. Quando Luyara tinha por volta de 8 anos, Marielle conseguiu se formar em Ciências Sociais, passou a trabalhar diretamente com Direitos Humanos, algo que já era parte de sua vida através da militância. Assim, conseguiu pagar os estudos da filha, que se formou no Ensino Médio e, atualmente, estuda na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).&nbsp;


Muitas pessoas acreditavam que Luyara era irmã de Marielle, devido à semelhança e à relação de amizade das duas. Faziam muitas atividades juntas, mas uma das que mais gostavam eram os ensaios do Bloco Apafunk, em que Luyara tocava caixa, cantava e estava aprendendo a reger; e Marielle tocava tamborim e agogô. Mesmo com pouco tempo e uma vida muito corrida, ela não deixava de ir aos encontros semanais, ressaltando sempre que era o lugar de se divertir com a filha.
Muitas pessoas acreditavam que Luyara era irmã de Marielle, devido à semelhança e à relação de amizade das duas. Faziam muitas atividades juntas, mas uma das que mais gostavam eram os ensaios do Bloco Apafunk, em que Luyara tocava caixa, cantava e estava aprendendo a reger; e Marielle tocava tamborim e agogô. Mesmo com pouco tempo e uma vida muito corrida, ela não deixava de ir aos encontros semanais, ressaltando sempre que era o lugar de se divertir com a filha.


<span style="font-size:large;">'''Socióloga'''</span><br/> Em 2000, &nbsp;ainda com a filha pequena, Marielle consegue retomar os estudos e o plano &nbsp;de ingressar em uma faculdade. A jovem, então, retorna ao &nbsp;pré-vestibular comunitário no [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=O_Centro_de_Estudos_e_Ações_Solidárias_da_Maré '''Centro de Ações Solidárias da Maré (CEASM)'''], o qual já tinha frequentado a primeira turma e saído por conta da maternidade. Foi neste pré-vestibular que Marielle depositou suas esperanças em conquistar uma vaga na universidade e após 2 anos ingressou na universidade. &nbsp;Foi também no CEASM que a jovem conseguiu um de seus primeiros empregos, na secretaria da ONG.&nbsp;
= <span style="font-size:large;">'''Socióloga'''</span> =
 
Em 2000, &nbsp;ainda com a filha pequena, Marielle consegue retomar os estudos e o plano &nbsp;de ingressar em uma faculdade. A jovem, então, retorna ao &nbsp;pré-vestibular comunitário no [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=O_Centro_de_Estudos_e_Ações_Solidárias_da_Maré '''Centro de Ações Solidárias da Maré (CEASM)'''], o qual já tinha frequentado a primeira turma e saído por conta da maternidade. Foi neste pré-vestibular que Marielle depositou suas esperanças em conquistar uma vaga na universidade e após 2 anos ingressou na universidade. &nbsp;Foi também no CEASM que a jovem conseguiu um de seus primeiros empregos, na secretaria da ONG.&nbsp;


A partir de então, Marielle começa a ocupar espaços pouco acessíveis para a maioria das/os moradores de favelas e periferias da cidade. Em 2002, ingressou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde cursou Ciências Sociais com uma bolsa integral obtida pelo Programa Universidade para Todos (Prouni). Enfrentou a dupla e tripla jornada de trabalho como grande parte das mulheres, não foi fácil conciliar os estudos com o trabalho e a maternidade. As dificuldades eram enormes, para além das questões financeiras, bem comuns ao cotidiano das classes mais baixas, sobretudo a juventude negra e periférica. Havia também a distância entre sua casa e a universidade, a precariedade e o alto preço do transporte público, a falta de políticas públicas para as mulheres mães, além do racismo cotidiano.
A partir de então, Marielle começa a ocupar espaços pouco acessíveis para a maioria das/os moradores de favelas e periferias da cidade. Em 2002, ingressou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde cursou Ciências Sociais com uma bolsa integral obtida pelo Programa Universidade para Todos (Prouni). Enfrentou a dupla e tripla jornada de trabalho como grande parte das mulheres, não foi fácil conciliar os estudos com o trabalho e a maternidade. As dificuldades eram enormes, para além das questões financeiras, bem comuns ao cotidiano das classes mais baixas, sobretudo a juventude negra e periférica. Havia também a distância entre sua casa e a universidade, a precariedade e o alto preço do transporte público, a falta de políticas públicas para as mulheres mães, além do racismo cotidiano.
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Em 2006, participou da campanha que elegeu Marcelo Freixo à deputado estadual do Rio de Janeiro. Desde o primeiro mandato &nbsp;de Freixo, Marielle atuou como assessora parlamentar. Entre as ações desenvolvidas por ela, estava a constante articulação com diversos movimentos sociais, desde o movimento feminista, aos movimentos de favelas e de cultura. Um exemplo foi sua atuação durante o processo de aprovação da Lei 5543/2009, conhecida como Lei Funk é Cultura, que define o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Atuou também &nbsp;como coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (CDDHC/Alerj), presidida por Marcelo Freixo. Marielle se tornou referência no atendimento às violações aos direitos humanos no Rio de Janeiro e seu telefone um dos mais acionados nestas situações. O que não deixou de acontecer quando se tornou vereadora.
Em 2006, participou da campanha que elegeu Marcelo Freixo à deputado estadual do Rio de Janeiro. Desde o primeiro mandato &nbsp;de Freixo, Marielle atuou como assessora parlamentar. Entre as ações desenvolvidas por ela, estava a constante articulação com diversos movimentos sociais, desde o movimento feminista, aos movimentos de favelas e de cultura. Um exemplo foi sua atuação durante o processo de aprovação da Lei 5543/2009, conhecida como Lei Funk é Cultura, que define o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Atuou também &nbsp;como coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (CDDHC/Alerj), presidida por Marcelo Freixo. Marielle se tornou referência no atendimento às violações aos direitos humanos no Rio de Janeiro e seu telefone um dos mais acionados nestas situações. O que não deixou de acontecer quando se tornou vereadora.


Na CDDHC/Alerj, Marielle passou a deixar sua marca e imprimir uma nova estratégia diante dos desafios colocados para a esquerda do Rio de Janeiro. Seu olhar para a favela era nítido e uma característica evidente de sua atuação, mas ela não aceitava ficar nesta “zona de conforto”. Foi então que ela passou a dar uma atenção especial não somente às vítimas de violações de Direitos Humanos, mas também às mães e familiares de vítimas de violência do Estado e, posteriormente, aos policiais e agentes de segurança pública vítimas de violações.&nbsp;<br/> &nbsp;<br/> <span style="font-size:large;">'''Mulher'''</span><br/> Em sua vida de jovem favelada, como a mesma gostava de reivindicar, Marielle já questionava a limitação de acesso das mulheres aos espaços, quando por exemplo, pegou a bola de garotos que não queriam deixar sua irmã Anielle jogar porque era mulher. Tinha consciência de que podemos ocupar os lugares que quisermos, de “garota furacão” ao “corredor dos bailes, exemplos que citava a partir de sua própria vivência.
= Na CDDHC/Alerj, Marielle passou a deixar sua marca e imprimir uma nova estratégia diante dos desafios colocados para a esquerda do Rio de Janeiro. Seu olhar para a favela era nítido e uma característica evidente de sua atuação, mas ela não aceitava ficar nesta “zona de conforto”. Foi então que ela passou a dar uma atenção especial não somente às vítimas de violações de Direitos Humanos, mas também às mães e familiares de vítimas de violência do Estado e, posteriormente, aos policiais e agentes de segurança pública vítimas de violações.&nbsp;<br/> &nbsp;<br/> <span style="font-size:large;">'''Mulher'''</span> =
 
Em sua vida de jovem favelada, como a mesma gostava de reivindicar, Marielle já questionava a limitação de acesso das mulheres aos espaços, quando por exemplo, pegou a bola de garotos que não queriam deixar sua irmã Anielle jogar porque era mulher. Tinha consciência de que podemos ocupar os lugares que quisermos, de “garota furacão” ao “corredor dos bailes, exemplos que citava a partir de sua própria vivência.


No entanto, é a partir da maternidade, que sua consciência sobre o que é ser mulher em nossas sociedade aumenta, seja pela vivência da negação ao direito da licença maternidade, uma vez que a mesma retorna ao trabalho como recreadora de uma creche infantil da prefeitura do Rio de Janeiro, quando sua filha ainda tinha apenas três meses de vida; a sobrecarga materna, por ser praticamente a única responsável pelos cuidados com sua filha e casa; e, posteriormente, a vivência da criação da filha sem a presença do pai.
No entanto, é a partir da maternidade, que sua consciência sobre o que é ser mulher em nossas sociedade aumenta, seja pela vivência da negação ao direito da licença maternidade, uma vez que a mesma retorna ao trabalho como recreadora de uma creche infantil da prefeitura do Rio de Janeiro, quando sua filha ainda tinha apenas três meses de vida; a sobrecarga materna, por ser praticamente a única responsável pelos cuidados com sua filha e casa; e, posteriormente, a vivência da criação da filha sem a presença do pai.
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Já em sua atuação como vereadora, Marielle ressaltava a importância da articulação dos diversos movimentos feministas, como constantemente afirmava “das feministas históricas às feministas das hashtags”, o que não se limitou a mera retórica. Durante seu mandato, todas as ações parlamentares referentes aos direitos das mulheres foram realizadas em articulação e/ou consulta aos mais diversos movimentos feministas, de mulheres lésbicas, negras, jovens, instituições e militantes históricas com atuação nas pautas do enfrentamento à violência contra as mulheres, saúde sexual e saúde reprodutiva, entre outros.&nbsp;
Já em sua atuação como vereadora, Marielle ressaltava a importância da articulação dos diversos movimentos feministas, como constantemente afirmava “das feministas históricas às feministas das hashtags”, o que não se limitou a mera retórica. Durante seu mandato, todas as ações parlamentares referentes aos direitos das mulheres foram realizadas em articulação e/ou consulta aos mais diversos movimentos feministas, de mulheres lésbicas, negras, jovens, instituições e militantes históricas com atuação nas pautas do enfrentamento à violência contra as mulheres, saúde sexual e saúde reprodutiva, entre outros.&nbsp;


Algumas das construções mais emblemáticas foram, a construção do Projeto de Lei pela garantia do atendimento aos casos de aborto legal na cidade do Rio de Janeiro, construído em articulação e consultas com com diversas organizações e referências &nbsp;movimento feminista e de saúde do Rio de Janeiro, apresentado no primeiro dia de sua legislatura; e do Projeto de Lei que tornava o Dia da Visibilidade Lésbica (29 de agosto) uma data oficial do calendário municipal. Mesmo não aprovado, as articulações em torno do PL impulsionaram a construção da Frente Lésbica do Rio de Janeiro. Reprovado por apenas dois votos de diferença, foi o projeto com temática LGBT que chegou mais perto de ser aprovado na Câmara municipal do Rio de Janeiro.<br/> &nbsp;<br/> <span style="font-size:large;">'''Negra'''</span><br/> Marielle afirmava que antes se reconhecer como mulher negra, ela tinha já tinha a identidade de favelada. É assim que ela chega a PUC, e como toda uma geração de juventude negra que acessou à universidade nas últimas décadas, nesse espaço que se aprofunda o reconhecimento e auto-afirmação de sua negritude e identidade de mulher negra. Sendo determinantes nesse processo, os debates sobre a invisibilidade das trajetórias negras. A mesma afirmava o quanto tinha sido importante para ela descobrir que Lélia Gonzalez havia sido diretora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, no qual ela estudava.
Algumas das construções mais emblemáticas foram, a construção do Projeto de Lei pela garantia do atendimento aos casos de aborto legal na cidade do Rio de Janeiro, construído em articulação e consultas com com diversas organizações e referências &nbsp;movimento feminista e de saúde do Rio de Janeiro, apresentado no primeiro dia de sua legislatura; e do Projeto de Lei que tornava o Dia da Visibilidade Lésbica (29 de agosto) uma data oficial do calendário municipal. Mesmo não aprovado, as articulações em torno do PL impulsionaram a construção da Frente Lésbica do Rio de Janeiro. Reprovado por apenas dois votos de diferença, foi o projeto com temática LGBT que chegou mais perto de ser aprovado na Câmara municipal do Rio de Janeiro.
 
= <span style="font-size:large;">'''Negra'''</span> =
 
Marielle afirmava que antes se reconhecer como mulher negra, ela tinha já tinha a identidade de favelada. É assim que ela chega a PUC, e como toda uma geração de juventude negra que acessou à universidade nas últimas décadas, nesse espaço que se aprofunda o reconhecimento e auto-afirmação de sua negritude e identidade de mulher negra. Sendo determinantes nesse processo, os debates sobre a invisibilidade das trajetórias negras. A mesma afirmava o quanto tinha sido importante para ela descobrir que Lélia Gonzalez havia sido diretora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, no qual ela estudava.


Esse lugar da referência de mulheres negras passa a ser uma constante em sua trajetória, estando várias delas entre suas preferências de leitura. Angela Davis, a qual ela tinha tanta vontade de conhecer e Conceição Evaristo, a quem teve a oportunidade de homenagear com a Medalha Pedro Ernesto, a maior honraria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, eram algumas de suas escritoras favoritas. &nbsp;Com a execução política de Marielle, ela que passa a ser referência para as suas referências e para gerações de mulheres negras, mais velhas e mais jovens que ela.
Esse lugar da referência de mulheres negras passa a ser uma constante em sua trajetória, estando várias delas entre suas preferências de leitura. Angela Davis, a qual ela tinha tanta vontade de conhecer e Conceição Evaristo, a quem teve a oportunidade de homenagear com a Medalha Pedro Ernesto, a maior honraria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, eram algumas de suas escritoras favoritas. &nbsp;Com a execução política de Marielle, ela que passa a ser referência para as suas referências e para gerações de mulheres negras, mais velhas e mais jovens que ela.
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Antes, Marielle já inspirava muitas mulheres negras, em especial as jovens, que desde sua campanha não perdiam a oportunidade de abordar Marielle nas ruas, em atos, manifestações ou mesmo no dia a dia, para pedir fotos e falar o quanto se sentiam representadas por ela. Não foram poucas as que, ao serem atendidas por Marielle na Comissão de Defesa da Mulher da Câmara Municipal, tinham um olhar de identificação.&nbsp;
Antes, Marielle já inspirava muitas mulheres negras, em especial as jovens, que desde sua campanha não perdiam a oportunidade de abordar Marielle nas ruas, em atos, manifestações ou mesmo no dia a dia, para pedir fotos e falar o quanto se sentiam representadas por ela. Não foram poucas as que, ao serem atendidas por Marielle na Comissão de Defesa da Mulher da Câmara Municipal, tinham um olhar de identificação.&nbsp;


Esse processo de auto-afirmação de sua identidade negra passa a ser também visualmente identificado em seu corpo, através de seu cabelo (em que ela parou de aplicar químicas conhecidas como “relaxamento” em 2015), roupas e turbantes. A referência à ancestralidade e a representatividade também se torna central e ficam cada vez mais presentes em seu discurso e prática. Marielle reiterava constantemente que não se poderia esperar mais 10 anos para a eleição de outra mulher negra na Câmara do Rio de Janeiro com pautas progressistas, fazendo referência ao período entre as eleições de Benedita da Silva (1982), Jurema Batista (1992) e sua própria eleição (2016).<br/> &nbsp;<br/> <span style="font-size:large;">'''Vereadora'''</span><br/> A decisão de se candidatar a vereadora nas eleições de 2016 refletia o acúmulo político da trajetória pessoal e de militância de Marielle. Sua campanha foi realizada de forma reconhecidamente ousada e coletiva. Mulher na rua, na luta e na raça, #MulheRaça, foi o slogan de sua pré-campanha. &nbsp;Já durante a campanha, através do lema “Eu sou porque nós somos”, inspirado no provérbio africano “Ubuntu” anunciava sua candidatura como uma construção coletiva e suas posições como defensora de direitos humanos, feminista, favelada e negra. Já colocava em prática sua preocupação com a participação das mulheres nos espaços de decisão, viabilizando espaços infantis/recreativos em todas as atividades de campanha e posteriormente, de seu mandato. Esta experiência foi transformada em um panfleto orientador sobre espaços infantis para outros mandatos, partidos e coletivos. O material foi lançado durante o evento Mulheres na Política, realizado em 30 de novembro de 2017 pelo mandato, marcando a imensa importância das vozes das mães para a construção das políticas implementadas por Marielle Franco.
Esse processo de auto-afirmação de sua identidade negra passa a ser também visualmente identificado em seu corpo, através de seu cabelo (em que ela parou de aplicar químicas conhecidas como “relaxamento” em 2015), roupas e turbantes. A referência à ancestralidade e a representatividade também se torna central e ficam cada vez mais presentes em seu discurso e prática. Marielle reiterava constantemente que não se poderia esperar mais 10 anos para a eleição de outra mulher negra na Câmara do Rio de Janeiro com pautas progressistas, fazendo referência ao período entre as eleições de Benedita da Silva (1982), Jurema Batista (1992) e sua própria eleição (2016).
 
= <span style="font-size:large;">'''Vereadora'''</span> =
 
A decisão de se candidatar a vereadora nas eleições de 2016 refletia o acúmulo político da trajetória pessoal e de militância de Marielle. Sua campanha foi realizada de forma reconhecidamente ousada e coletiva. Mulher na rua, na luta e na raça, #MulheRaça, foi o slogan de sua pré-campanha. &nbsp;Já durante a campanha, através do lema “Eu sou porque nós somos”, inspirado no provérbio africano “Ubuntu” anunciava sua candidatura como uma construção coletiva e suas posições como defensora de direitos humanos, feminista, favelada e negra. Já colocava em prática sua preocupação com a participação das mulheres nos espaços de decisão, viabilizando espaços infantis/recreativos em todas as atividades de campanha e posteriormente, de seu mandato. Esta experiência foi transformada em um panfleto orientador sobre espaços infantis para outros mandatos, partidos e coletivos. O material foi lançado durante o evento Mulheres na Política, realizado em 30 de novembro de 2017 pelo mandato, marcando a imensa importância das vozes das mães para a construção das políticas implementadas por Marielle Franco.


Como resultado dessa potente campanha, Marielle foi eleita eleita com 46.502 votos, a quinta parlamentar mais votada da cidade do Rio de Janeiro e a &nbsp;segunda mulher com mais votos. Gostava de sempre salientar que, de todas as urnas computadas na cidade do Rio de Janeiro, em 100% delas foram computados votos no 50777, seu número durante a campanha eleitoral de 2016.
Como resultado dessa potente campanha, Marielle foi eleita eleita com 46.502 votos, a quinta parlamentar mais votada da cidade do Rio de Janeiro e a &nbsp;segunda mulher com mais votos. Gostava de sempre salientar que, de todas as urnas computadas na cidade do Rio de Janeiro, em 100% delas foram computados votos no 50777, seu número durante a campanha eleitoral de 2016.
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A frente da presidência da Comissão da Mulher, Marielle inovou ao trazer sua experiência anterior e torná-la também um espaço de atendimento às mulheres e não só um espaço burocrático. Neste período a comissão da mulher atuou no acolhimento, orientação e acompanhamento de 45 casos relacionados aos direitos das mulheres, desde casos de assédio na rua, assédio no ambiente de trabalho, agressão física, violência sexual e até feminicídios.&nbsp;
A frente da presidência da Comissão da Mulher, Marielle inovou ao trazer sua experiência anterior e torná-la também um espaço de atendimento às mulheres e não só um espaço burocrático. Neste período a comissão da mulher atuou no acolhimento, orientação e acompanhamento de 45 casos relacionados aos direitos das mulheres, desde casos de assédio na rua, assédio no ambiente de trabalho, agressão física, violência sexual e até feminicídios.&nbsp;


Grande parte desta experiência está registrada no relatório da Comissão da Mulher, que já &nbsp;estava sendo produzido &nbsp;com os dados de trabalho do primeiro ano de trabalho. Após a noite de 14 de Março, o material foi finalizado pela equipe da Mandata Marielle Franco, revisado e ampliado para incorporar tudo que foi construído até o dia 14 de Março de 2018.&nbsp;<br/> A curta e intensa experiência da Mandata Marielle Franco, repercutiu o feminismo que acreditamos, construído de gerações em gerações, traçando a política no coletivo, sem suprimir nossa diversidade. &nbsp;“Diversas mas não dispersas’! Não podemos deixar de apontar, no entanto, que seu término violento reflete a ausência de uma democracia plena em nosso país, negada a milhares de pessoas, que se sentiam representadas por Marielle Franco.<br/> &nbsp;<br/> '''<span style="font-size:large;">Semente</span>'''<br/> Marielle Franco teve sua vida interrompida na noite de 14 de março de 2018, quando voltava para sua casa com seu motorista, Anderson Gomes, e sua amiga e assessora, Fernanda Chaves, única sobrevivente do atentado. Naquele dia, Marielle e outras mulheres negras realizaram a que seria a última atividade de Marielle “Jovens negras movendo as estruturas”, esta foi a última roda de conversa em que mulheres e toda a cidade puderam dialogar com Marielle. Na mesma noite, ainda atônitos com a notícia que parecia não fazer sentido, alguns militantes do PSOL, amigas e &nbsp;amigos próximos e assessoras de Marielle se reuniram para se abraçar. Enquanto isso, alguns eventos nas redes chamavam para uma mobilização na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal, local que nitidamente nunca mais foi o mesmo após a passagem de Marielle.&nbsp;
Grande parte desta experiência está registrada no relatório da Comissão da Mulher, que já &nbsp;estava sendo produzido &nbsp;com os dados de trabalho do primeiro ano de trabalho. Após a noite de 14 de Março, o material foi finalizado pela equipe da Mandata Marielle Franco, revisado e ampliado para incorporar tudo que foi construído até o dia 14 de Março de 2018.&nbsp;<br/> A curta e intensa experiência da Mandata Marielle Franco, repercutiu o feminismo que acreditamos, construído de gerações em gerações, traçando a política no coletivo, sem suprimir nossa diversidade. &nbsp;“Diversas mas não dispersas’! Não podemos deixar de apontar, no entanto, que seu término violento reflete a ausência de uma democracia plena em nosso país, negada a milhares de pessoas, que se sentiam representadas por Marielle Franco.
 
= '''<span style="font-size:large;">Semente</span>''' =
 
Marielle Franco teve sua vida interrompida na noite de 14 de março de 2018, quando voltava para sua casa com seu motorista, Anderson Gomes, e sua amiga e assessora, Fernanda Chaves, única sobrevivente do atentado. Naquele dia, Marielle e outras mulheres negras realizaram a que seria a última atividade de Marielle “Jovens negras movendo as estruturas”, esta foi a última roda de conversa em que mulheres e toda a cidade puderam dialogar com Marielle. Na mesma noite, ainda atônitos com a notícia que parecia não fazer sentido, alguns militantes do PSOL, amigas e &nbsp;amigos próximos e assessoras de Marielle se reuniram para se abraçar. Enquanto isso, alguns eventos nas redes chamavam para uma mobilização na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal, local que nitidamente nunca mais foi o mesmo após a passagem de Marielle.&nbsp;


E foi o que aconteceu. Logo pela manhã, enquanto acontecia o velório na parte interna da Câmara Municipal, a praça já estava tomada de pessoas, em sua maioria mulheres, exigindo respostas sobre o crime. Outras cidades brasileiras também realizaram protestos e vigílias em memória de Marielle. Ao longo do dia, as ruas do centro da cidade, entre a Cinelândia e a Praça XV, estavam tomadas. Era possível perceber uma grande maioria de mulheres, em especial jovens e negras, &nbsp;chorando e se abraçando pela perda de uma representante que há muito a esquerda sonhava eleger. Durante todo o dia, o noticiário brasileiro e internacional repercutiu as poucas informações que existiam sobre o crime. Artistas, intelectuais e políticos manifestaram indignação e tristeza pelas redes sociais.
E foi o que aconteceu. Logo pela manhã, enquanto acontecia o velório na parte interna da Câmara Municipal, a praça já estava tomada de pessoas, em sua maioria mulheres, exigindo respostas sobre o crime. Outras cidades brasileiras também realizaram protestos e vigílias em memória de Marielle. Ao longo do dia, as ruas do centro da cidade, entre a Cinelândia e a Praça XV, estavam tomadas. Era possível perceber uma grande maioria de mulheres, em especial jovens e negras, &nbsp;chorando e se abraçando pela perda de uma representante que há muito a esquerda sonhava eleger. Durante todo o dia, o noticiário brasileiro e internacional repercutiu as poucas informações que existiam sobre o crime. Artistas, intelectuais e políticos manifestaram indignação e tristeza pelas redes sociais.