Posse e Propriedade: mudanças entre as edições
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'''Introdução''' | |||
O tema posse e propriedade será abordado aqui em função da sua ligação com o direito à moradia e por ser um aspecto importante das regularizações fundiárias. O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra e este está regulamentado pelo modelo tradicional do direito de propriedade, que apresenta uma tendência excessivamente individualista e formalista. Isto significa que a moradia somente costuma ter uma efetiva proteção jurídica quando o morador é proprietário individual do bem e tem essa propriedade registrada em seu nome no cartório de registro de imóveis. | O tema posse e propriedade será abordado aqui em função da sua ligação com o direito à moradia e por ser um aspecto importante das regularizações fundiárias. O acesso à moradia depende fundamentalmente do acesso à terra e este está regulamentado pelo modelo tradicional do direito de propriedade, que apresenta uma tendência excessivamente individualista e formalista. Isto significa que a moradia somente costuma ter uma efetiva proteção jurídica quando o morador é proprietário individual do bem e tem essa propriedade registrada em seu nome no cartório de registro de imóveis. | ||
Acontece que a propriedade individual e exclusiva não é o único mecanismo capaz de gerar segurança aos moradores. Assim como não é possível apresentar um conceito singular e universal de propriedade, pois longe de ter uma essência ou características fixas, a propriedade está ligada ao contexto histórico onde é analisada e é efeito de arranjos jurídicos determinados por escolhas políticas que se alteram com o tempo. No entanto, é possível afirmar que, na história brasileira, ter propriedade significou e ainda significa ter um título formal que oficialize a aquisição desse direito pelos indivíduos; não havendo esse título, tratar-se-ia de posse ou detenção. | Acontece que a propriedade individual e exclusiva não é o único mecanismo capaz de gerar segurança aos moradores. Assim como não é possível apresentar um conceito singular e universal de propriedade, pois longe de ter uma essência ou características fixas, a propriedade está ligada ao contexto histórico onde é analisada e é efeito de arranjos jurídicos determinados por escolhas políticas que se alteram com o tempo. No entanto, é possível afirmar que, na história brasileira, ter propriedade significou e ainda significa ter um título formal que oficialize a aquisição desse direito pelos indivíduos; não havendo esse título, tratar-se-ia de posse ou detenção. | ||
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O regime das sesmarias vigorou até 1822, ano em que foram suspensas as emissões das cartas e deu-se a independência do Brasil. Este período foi marcado por profundas transformações no cenário econômico e no sistema produtivo brasileiro, tornando-se necessária a criação de condições mais propícias para a implementação do sistema capitalista com mudanças nas regras jurídicas e na teoria sobre a propriedade. | O regime das sesmarias vigorou até 1822, ano em que foram suspensas as emissões das cartas e deu-se a independência do Brasil. Este período foi marcado por profundas transformações no cenário econômico e no sistema produtivo brasileiro, tornando-se necessária a criação de condições mais propícias para a implementação do sistema capitalista com mudanças nas regras jurídicas e na teoria sobre a propriedade. | ||
Neste cenário surgiram a Lei de Terras, e a Lei de Hipotecas, as quais institucionalizam a propriedade como uma mercadoria, estabelecendo a compra devidamente registrada como forma de acesso à terra, buscando extinguir o apossamento e o cultivo como formas de aquisição (VARELA, 2005). Sobre este novo marco, as posses existentes até então poderiam ser legitimadas, mas aquelas que viessem a ocorrer a partir de então não poderiam mais servir para obtenção de propriedade. A legislação, deste modo, institucionalizou mecanismos cujos objetivos consistiam em regularizar ocupações e posses, diferenciar terras públicas e privadas e adequar-se à nova lógica de mercado. | Neste cenário surgiram a Lei de Terras--[[Usuário:Luciana Ximenes|Luciana Ximenes]] ([[Usuário Discussão:Luciana Ximenes|discussão]]) 11h49min de 22 de maio de 2019 (-03)--[[Usuário:Luciana Ximenes|Luciana Ximenes]] ([[Usuário Discussão:Luciana Ximenes|discussão]]) 11h49min de 22 de maio de 2019 (-03), e a Lei de Hipotecas, as quais institucionalizam a propriedade como uma mercadoria, estabelecendo a compra devidamente registrada como forma de acesso à terra, buscando extinguir o apossamento e o cultivo como formas de aquisição (VARELA, 2005). Sobre este novo marco, as posses existentes até então poderiam ser legitimadas, mas aquelas que viessem a ocorrer a partir de então não poderiam mais servir para obtenção de propriedade. A legislação, deste modo, institucionalizou mecanismos cujos objetivos consistiam em regularizar ocupações e posses, diferenciar terras públicas e privadas e adequar-se à nova lógica de mercado. | ||
Cabe destacar que tais mudanças se dão alinhadas à necessidade colocada pelo novo sistema econômico de ter o acúmulo de terras como importante aspecto do acúmulo de riqueza. Tendo em vista a crescente população pobre urbana de imigrantes e trabalhadores assalariados neste período e a fixação de preços mínimos para as terras devolutas, torna-se clara a exclusão destes grupos sociais, por não deterem riqueza suficiente para acessar esta nova mercadoria em circulação. | Cabe destacar que tais mudanças se dão alinhadas à necessidade colocada pelo novo sistema econômico de ter o acúmulo de terras como importante aspecto do acúmulo de riqueza. Tendo em vista a crescente população pobre urbana de imigrantes e trabalhadores assalariados neste período e a fixação de preços mínimos para as terras devolutas, torna-se clara a exclusão destes grupos sociais, por não deterem riqueza suficiente para acessar esta nova mercadoria em circulação. | ||
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'''F''''''unção social da propriedade e a importância da posse na garantia de direitos''' | |||
As mudanças constitucionais do último século e sua repercussão no sistema jurídico fizeram com que se estabelecessem novos contextos para a caracterização do direito de propriedade. O fortalecimento dos direitos fundamentais e o reconhecimento dos direitos sociais atribui ao Estado a obrigação de prover necessidades sociais e intervir de forma mais efetiva em prol dos interesses coletivos. Esse contexto tem efeito importante sobre o direito de propriedade, pois o seu exercício e proteção jurídica passam a incorporar uma condição de legitimidade: o cumprimento da função social. | As mudanças constitucionais do último século e sua repercussão no sistema jurídico fizeram com que se estabelecessem novos contextos para a caracterização do direito de propriedade. O fortalecimento dos direitos fundamentais e o reconhecimento dos direitos sociais atribui ao Estado a obrigação de prover necessidades sociais e intervir de forma mais efetiva em prol dos interesses coletivos. Esse contexto tem efeito importante sobre o direito de propriedade, pois o seu exercício e proteção jurídica passam a incorporar uma condição de legitimidade: o cumprimento da função social. | ||
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'''Instrumentos de regularização de posse e de propriedade''' | |||
Nos programas de regularização fundiária, a segurança da posse dos moradores de favela depende de formalização dos direitos sobre os bens e do registro destes no cartório de registro de imóveis. A legislação prevê diferentes mecanismos para essa regularização, podendo: assegurar o direito de posse ou de propriedade; titular direitos - individualmente por morador ou abrangendo várias moradias de uma área; gerar uma propriedade exclusiva ou compartilhada; e, ainda, gerar provisoriamente uma posse que posteriormente é convertida em propriedade. Enfim, atualmente a legislação disponibiliza uma ampla lista de instrumentos, os quais podem ser escolhidos de acordo com as características dos imóveis, da área na qual eles estão inseridos, dos fins para os quais são empregados, das escolhas feitas pelos entes responsáveis pela regularização fundiária, etc. | Nos programas de regularização fundiária, a segurança da posse dos moradores de favela depende de formalização dos direitos sobre os bens e do registro destes no cartório de registro de imóveis. A legislação prevê diferentes mecanismos para essa regularização, podendo: assegurar o direito de posse ou de propriedade; titular direitos - individualmente por morador ou abrangendo várias moradias de uma área; gerar uma propriedade exclusiva ou compartilhada; e, ainda, gerar provisoriamente uma posse que posteriormente é convertida em propriedade. Enfim, atualmente a legislação disponibiliza uma ampla lista de instrumentos, os quais podem ser escolhidos de acordo com as características dos imóveis, da área na qual eles estão inseridos, dos fins para os quais são empregados, das escolhas feitas pelos entes responsáveis pela regularização fundiária, etc. | ||
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'''Conclusão''' | '''Conclusão''' | ||
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'''REFERÊNCIAS''' | |||
CHRISTILLINO, Cristiano L. Sendo senhor: eu grilo. A desconstrução das cadeias sucessórias. In: O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Org. M. Motta e M. Secreto. Niterói: EDUFF, 2011, pp. 193-213. | CHRISTILLINO, Cristiano L. Sendo senhor: eu grilo. A desconstrução das cadeias sucessórias. In: O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Org. M. Motta e M. Secreto. Niterói: EDUFF, 2011, pp. 193-213. | ||
