Saúde no Complexo do Alemão: mudanças entre as edições

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  Autoras: Lúcia Oliveira Cabral e Mariza Nascimento, com a colaboração de Natália Fazzioni.
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O objetivo deste verbete é apresentar uma história das lutas por políticas públicas em saúde no Complexo do Alemão e do acesso aos serviços de saúde pela população residente deste conjunto de favelas. Tal história, de lutas, desafios e conquistas, tem em seu projeto uma disputa, entre as demandas populares e as políticas de Estado<ref>Dito de outro modo, poderíamos caracterizar tal dualidade a partir do embate entre o Movimento Sanitarista e o Movimento Privativista.</ref>. Busca-se aqui focar as estratégias comunitárias de promoção da saúde e a construção de respostas a essa forma de gerir a saúde dentro do desafio que o Complexo do Alemão viveu e vive. A história do SUS e os desafios propostos em sua implantação como política de saúde, caminha desigual nas classes mais empobrecidas, sobretudo nas favelas, com dois projetos em disputa na contemporaneidade. É a partir deste ponto de vista que este texto foi construído por três mulheres. Primeiramente, Lucia Cabral e Mariza Nascimento, as duas vindas da Paraíba para a favela, espaço onde aprenderam a ter a força de liderar e mobilizar as conquistas de direitos, ou seja, a militar na busca por um estado democrático de direitos. E por fim, com a colaboração de Natália Fazzioni, pesquisadora da área da saúde e antropologia, que tem procurado, em suas pesquisas, evidenciar a potência da luta por saúde no Complexo do Alemão e seus inúmeros desafios.
O objetivo deste verbete é apresentar uma história das lutas por políticas públicas em saúde no [[Complexo do Alemão]] e do acesso aos serviços de saúde pela população residente deste conjunto de favelas. Tal história, de lutas, desafios e conquistas, tem em seu projeto uma disputa, entre as demandas populares e as políticas de Estado<ref>Dito de outro modo, poderíamos caracterizar tal dualidade a partir do embate entre o Movimento Sanitarista e o Movimento Privativista.</ref>. Busca-se aqui focar as estratégias comunitárias de promoção da saúde e a construção de respostas a essa forma de gerir a saúde dentro do desafio que o Complexo do Alemão viveu e vive. A história do SUS e os desafios propostos em sua implantação como política de saúde, caminha desigual nas classes mais empobrecidas, sobretudo nas favelas, com dois projetos em disputa na contemporaneidade. É a partir deste ponto de vista que este texto foi construído por três mulheres. Primeiramente, Lucia Cabral e Mariza Nascimento, as duas vindas da Paraíba para a favela, espaço onde aprenderam a ter a força de liderar e mobilizar as conquistas de direitos, ou seja, a militar na busca por um estado democrático de direitos. E por fim, com a colaboração de Natália Fazzioni, pesquisadora da área da saúde e antropologia, que tem procurado, em suas pesquisas, evidenciar a potência da luta por saúde no Complexo do Alemão e seus inúmeros desafios.


== A década de 1980 ==
== A década de 1980 ==
A história de luta para o acesso à saúde pública no Complexo do Alemão teve início na &nbsp;década de 1880 e tornou-se mais sistemática no final dos anos 1990. Relatos de moradores indicam que, nessa época, os serviços de saúde mais utilizados pela população local eram: o SAMDU de Ramos (Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência), o PAM Ramos (Posto de Assistência Médica); o posto de saúde Américo Veloso na Praia de Ramos (hoje CMS Américo Veloso) e o PAM de Del Castilho. Nenhum deles estava dentro do Complexo do Alemão e os dois últimos localizavam-se consideravelmente distantes de onde a maior parte da população vivia. Apesar das narrativas de moradores evidenciarem a qualidade desses serviços de saúde e do atendimento recebido ali, muitos relembram também as noites em claro passadas na espera e o longo tempo que levavam para serem atendidos. Muitas vezes, era necessário recorrer à figura do médico particular, sobretudo a um que atendia dentro da comunidade da Grota, em uma farmácia que era de propriedade de sua família. Nessa época, também não era possível acessar dentistas pelo serviço público e alguns dentistas particulares atendiam no espaço da associação de moradores da Grota, onde eventualmente também ocorriam campanhas de vacinação, realizadas por algum dos centros de saúde nos arredores.
A história de luta para o acesso à saúde pública no [[Complexo do Alemão]] teve início na &nbsp;década de 1880 e tornou-se mais sistemática no final dos anos 1990. Relatos de moradores indicam que, nessa época, os serviços de saúde mais utilizados pela população local eram: o SAMDU de Ramos (Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência), o PAM Ramos (Posto de Assistência Médica); o posto de saúde Américo Veloso na Praia de Ramos (hoje CMS Américo Veloso) e o PAM de Del Castilho. Nenhum deles estava dentro do Complexo do Alemão e os dois últimos localizavam-se consideravelmente distantes de onde a maior parte da população vivia. Apesar das narrativas de moradores evidenciarem a qualidade desses serviços de saúde e do atendimento recebido ali, muitos relembram também as noites em claro passadas na espera e o longo tempo que levavam para serem atendidos. Muitas vezes, era necessário recorrer à figura do médico particular, sobretudo a um que atendia dentro da comunidade da Grota, em uma farmácia que era de propriedade de sua família. Nessa época, também não era possível acessar dentistas pelo serviço público e alguns dentistas particulares atendiam no espaço da associação de moradores da Grota, onde eventualmente também ocorriam campanhas de vacinação, realizadas por algum dos centros de saúde nos arredores.


Tal situação levou a uma forte mobilização social por saúde nas décadas de 1980 e 1990, que estiveram profundamente vinculadas às associações de moradores e também à articulação com instituições religiosas, além da inserção de lideranças comunitárias em conselhos e espaços de participação social. Ainda nos anos 1980, duas figuras se destacaram, Odete, que era presidente da associação de moradores da Grota e Mariza, que futuramente tornou-se presidente da associação do Morro do Adeus. Antes disso, Mariza havia participado de um programa de saúde bucal, no qual atuava como agente social ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) no início dos anos 1980, liderado sobretudo pela vereadora Dilza Terra (PDT), em seu período como secretária. Já Odete, era conhecida por sempre mobilizar a população contra as ameaças de fechamento da SAMDU, além dos serviços que eram oferecidos na associação da qual era presidente.
Tal situação levou a uma forte mobilização social por saúde nas décadas de 1980 e 1990, que estiveram profundamente vinculadas às associações de moradores e também à articulação com instituições religiosas, além da inserção de lideranças comunitárias em conselhos e espaços de participação social. Ainda nos anos 1980, duas figuras se destacaram, Odete, que era presidente da associação de moradores da Grota e Mariza, que futuramente tornou-se presidente da associação do Morro do Adeus. Antes disso, Mariza havia participado de um programa de saúde bucal, no qual atuava como agente social ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) no início dos anos 1980, liderado sobretudo pela vereadora Dilza Terra (PDT), em seu período como secretária. Já Odete, era conhecida por sempre mobilizar a população contra as ameaças de fechamento da SAMDU, além dos serviços que eram oferecidos na associação da qual era presidente.