Favela Modelo: mudanças entre as edições

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<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">O processo de “pacificação” envolveu um novo ordenamento dos territórios com UPP. Ordenamento este que incluiu a regularização do fornecimento de eletricidade e de água, assim como do funcionamento dos estabelecimentos comerciais nos territórios “pacificados”. Moradores do Santa Marta reclamam, contudo, que tal regularização não veio acompanhada de uma melhora significativa dos serviços prestados. Eles queixam-se de ter que pagar, por exemplo, a mesma taxa de esgoto paga pelos moradores do “asfalto”, já que o saneamento dessas áreas não é o mesmo e o fornecimento também não é igualmente distribuído, uma vez que falta água no morro com frequência.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No caso da iluminação pública, a reclamação se repete. Os moradores lembram que pagam pela iluminação pública, mas constantemente tem que caminhar por ruas escuras na favela. Prevalece, portanto, entre os moradores a sensação de que, apesar de estarem pagando as mesmas taxas que os moradores de outras áreas da cidade, não são tratados da mesma forma que o resto da população carioca, o que fere sua condição de cidadania (OST; FLEURY; 2013, p. 651). Um morador do Santa Marta resumiu essa sensação:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Bom, segurança é um conceito muito amplo. Iluminação pública é segurança! E temos, hoje, no Santa Marta, dezenas de lâmpadas queimadas, que a Rio Luz – desculpe o termo que eu vou usar, de novo – caga e anda. Na conta de luz aparece a famigerada taxa de iluminação pública. A gente paga e não tem iluminação pública, também paga taxa de esgoto junto com a conta de luz, mas aqui tem um monte de vala a céu aberto e vive faltando água. Então, que cidadania é essa? Que inclusão é essa da favela na cidade? (Trecho de entrevista com morador do Santa Marta)&nbsp;&nbsp;</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Além disso, muitos moradores relatam que vêm encontrando dificuldade para arcar com as contas de luz que não param de aumentar. Eles apontam que esse aumento constante gera uma grande ansiedade, já que não permite que cada família possa prever quanto terá que gastar a cada mês.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Diversos moradores da favela estabelecem uma associação entre as contas altas e o fato da medição do consumo de energia elétrica no Santa Marta ser realizado através de ''chips''. Como apontam Cunha e Mello (2012, p. 157), em 2010, a Light instalou na favela “um sistema de telemediação para todas as ações, através do qual a companhia faz cortes e ligações diretamente da empresa e controla o consumo residencial sem precisar medir o relógio todo mês, como fazia anteriormente”. Tal sistema já foi investigado pelo Ministério Público, que indicou que ele parasse de ser utilizado, mas os ''chips'' ainda continuam sendo usados em diversas favelas e vêm sendo constantemente criticados pelos moradores.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Além das contas de luz e da água, outro fator que vem pesando no orçamento dos moradores de áreas “pacificadas” é o aumento do valor dos aluguéis que subiu abruptamente nos últimos anos[[#_ftn4|<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">[4]</span></span>]]. Há relatos de que alguns moradores já se mudaram de áreas com UPP devido ao aumento do preço do aluguel. Uma ex-moradora do morro me disse, em 2012, em uma entrevista, que não dava mais para morar no Santa Marta porque “está muito caro o aluguel aqui no morro e tem que pagar a luz, tem que pagar a água. E lá para onde eu mudei agora não paga luz, não paga água, não paga nada”.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No entanto, vale notar que a valorização imobiliária, embora tenha prejudicado quem tem que pagar aluguel, beneficiou alguns moradores do Santa Marta que possuem imóveis para alugar no morro. Essas pessoas viram seus rendimentos com aluguéis multiplicarem-se nos últimos anos. Como afirmou uma moradora: “tem gente aí [no morro] que tem três, dez, quinze, vinte imóveis...&nbsp; Esse pessoal está faturando. (...) Tem um espaço aqui três por três, um porãozinho com água que pensei que era impossível alguém morar, mas foi alugado”.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Em 2010, ''O Globo'' divulgou uma reportagem sobre Zé do Carmo que foi apelidado pelo jornal de “Eike Batista do Dona Marta”. Considerado um empresário de sucesso na favela, ele é dono de uma barbearia, de um salão de beleza e possui diversos imóveis. Ele costuma alugar esses imóveis não só para os locais, mas também para estrangeiros.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Outros moradores do Santa Marta, assim como Zé do Carmo, vêm lucrando com a constante presença de “pessoas de fora” na favela. Alguns conseguem uma renda extra alugando o espaço onde ocorrem as gravações ou participando da produção das filmagens que ocorrem com frequência no morro. E há ainda um grupo de moradores que, desde a “pacificação”, vem lucrando guiando artistas, políticos de outros países e muitos turistas que têm visitado a favela nos últimos anos.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p>  
<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">O processo de “pacificação” envolveu um novo ordenamento dos territórios com UPP. Ordenamento este que incluiu a regularização do fornecimento de eletricidade e de água, assim como do funcionamento dos estabelecimentos comerciais nos territórios “pacificados”. Moradores do Santa Marta reclamam, contudo, que tal regularização não veio acompanhada de uma melhora significativa dos serviços prestados. Eles queixam-se de ter que pagar, por exemplo, a mesma taxa de esgoto paga pelos moradores do “asfalto”, já que o saneamento dessas áreas não é o mesmo e o fornecimento também não é igualmente distribuído, uma vez que falta água no morro com frequência.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No caso da iluminação pública, a reclamação se repete. Os moradores lembram que pagam pela iluminação pública, mas constantemente tem que caminhar por ruas escuras na favela. Prevalece, portanto, entre os moradores a sensação de que, apesar de estarem pagando as mesmas taxas que os moradores de outras áreas da cidade, não são tratados da mesma forma que o resto da população carioca, o que fere sua condição de cidadania (OST; FLEURY; 2013, p. 651). Um morador do Santa Marta resumiu essa sensação:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Bom, segurança é um conceito muito amplo. Iluminação pública é segurança! E temos, hoje, no Santa Marta, dezenas de lâmpadas queimadas, que a Rio Luz – desculpe o termo que eu vou usar, de novo – caga e anda. Na conta de luz aparece a famigerada taxa de iluminação pública. A gente paga e não tem iluminação pública, também paga taxa de esgoto junto com a conta de luz, mas aqui tem um monte de vala a céu aberto e vive faltando água. Então, que cidadania é essa? Que inclusão é essa da favela na cidade? (Trecho de entrevista com morador do Santa Marta)&nbsp;&nbsp;</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Além disso, muitos moradores relatam que vêm encontrando dificuldade para arcar com as contas de luz que não param de aumentar. Eles apontam que esse aumento constante gera uma grande ansiedade, já que não permite que cada família possa prever quanto terá que gastar a cada mês.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Diversos moradores da favela estabelecem uma associação entre as contas altas e o fato da medição do consumo de energia elétrica no Santa Marta ser realizado através de ''chips''. Como apontam Cunha e Mello (2012, p. 157), em 2010, a Light instalou na favela “um sistema de telemediação para todas as ações, através do qual a companhia faz cortes e ligações diretamente da empresa e controla o consumo residencial sem precisar medir o relógio todo mês, como fazia anteriormente”. Tal sistema já foi investigado pelo Ministério Público, que indicou que ele parasse de ser utilizado, mas os ''chips'' ainda continuam sendo usados em diversas favelas e vêm sendo constantemente criticados pelos moradores.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Além das contas de luz e da água, outro fator que vem pesando no orçamento dos moradores de áreas “pacificadas” é o aumento do valor dos aluguéis que subiu abruptamente nos últimos anos[[#_ftn4|<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">[4]</span></span>]]. Há relatos de que alguns moradores já se mudaram de áreas com UPP devido ao aumento do preço do aluguel. Uma ex-moradora do morro me disse, em 2012, em uma entrevista, que não dava mais para morar no Santa Marta porque “está muito caro o aluguel aqui no morro e tem que pagar a luz, tem que pagar a água. E lá para onde eu mudei agora não paga luz, não paga água, não paga nada”.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No entanto, vale notar que a valorização imobiliária, embora tenha prejudicado quem tem que pagar aluguel, beneficiou alguns moradores do Santa Marta que possuem imóveis para alugar no morro. Essas pessoas viram seus rendimentos com aluguéis multiplicarem-se nos últimos anos. Como afirmou uma moradora: “tem gente aí [no morro] que tem três, dez, quinze, vinte imóveis...&nbsp; Esse pessoal está faturando. (...) Tem um espaço aqui três por três, um porãozinho com água que pensei que era impossível alguém morar, mas foi alugado”.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Em 2010, ''O Globo'' divulgou uma reportagem sobre Zé do Carmo que foi apelidado pelo jornal de “Eike Batista do Dona Marta”. Considerado um empresário de sucesso na favela, ele é dono de uma barbearia, de um salão de beleza e possui diversos imóveis. Ele costuma alugar esses imóveis não só para os locais, mas também para estrangeiros.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Outros moradores do Santa Marta, assim como Zé do Carmo, vêm lucrando com a constante presença de “pessoas de fora” na favela. Alguns conseguem uma renda extra alugando o espaço onde ocorrem as gravações ou participando da produção das filmagens que ocorrem com frequência no morro. E há ainda um grupo de moradores que, desde a “pacificação”, vem lucrando guiando artistas, políticos de outros países e muitos turistas que têm visitado a favela nos últimos anos.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p>  
= <span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;">Favela “só pra inglês ver”?</span> =
= <span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;">Favela “só pra inglês ver”?</span> =
 
<p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Água morro abaixo e fogo morro acima e invasão de turistas em favelas pacificadas é difícil de conter. Algo precisa ser feito para que a positividade do momento não transforme esses lugares em comunidades “só pra inglês ver”. As favelas pacificadas tornaram-se alvo de uma volúpia consumidora poucas vezes vista no Rio de Janeiro. A partir do momento em que se instalaram as Unidades de Polícia Pacificadora - UPP em algumas favelas, é como se tivesse sido descoberto um novo sarcófago de Tutankamon, o faraó egípcio. Uma legião de turistas, pesquisadores, empresários, comerciantes “descobriram” as favelas. (Trecho do artigo “Turismo na favela: E os moradores?” de Itamar Silva publicado no jornal ''O Dia'' em 31 de janeiro de 2013)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">A visitação de estrangeiros a favelas não é um fenômeno novo. No entanto, é preciso ressaltar que nunca antes houve um número tão grande de pessoas interessadas em visitar esses “territórios da pobreza” urbana como há atualmente. Como afirmou um morador do Santa Marta: “sempre vieram pessoas de fora aqui no Santa Marta. Mas, a partir da instalação da UPP é que aumentou absurdamente a quantidade de turista aqui no morro”.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Freire-Medeiros (2007), indica que desde o início dos anos 1990, além do significativo aumento do número de pessoas que vem visitando favelas, houve uma transformação na forma como essas visitas eram e agora são realizadas. Se antes as visitas a favelas eram feitas, quase sempre, individualmente e aconteciam de forma espontânea e dispersa, agora elas são realizadas, na maior parte das vezes, em grupos e são organizadas por agências ou guias individuais de turismo. Segundo Freire-Medeiros, essas mudanças são produtos de um processo mais amplo: a conversão da ''favela carioca ''em mercadoria turística.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Depois que a Rocinha se tornou o caso paradigmático de “favela turística”, com passeios ocorrendo regularmente desde a Eco 92, moradores, agentes privados tentaram se organizar para explorar, de diferentes maneiras, os “potenciais turísticos” de várias favelas. No caso do Santa Marta, foi o poder público que resolveu transformar a favela em uma atração turística oficial da cidade, dois anos após o início do processo de “pacificação”, através da criação do Rio Top Tour, como já foi dito acima.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Embora algumas pessoas critiquem o projeto e se queixem da presença de turistas – que &nbsp;nem sempre respeitam a privacidade da população da favela e tiram fotos de moradores sem pedir autorização –, há moradores do Santa Marta que afirmam que o projeto significou um ponto de inflexão na trajetória de vida deles. Isso porque, a partir do Rio Top Tour, eles começaram a investir em novas atividades profissionais, tornaram-se, por exemplo, guias de turismo, artesãos e empreendedores que investiram na abertura de agências de turismo, albergues, barraquinhas de artesanato e lojas de ''souvenirs'' na favela.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">A presença constante de turistas no Santa Marta, sem dúvida, passou a ser uma importante fonte de renda para aqueles que trabalham com turismo e com comércio na favela, mas tornou-se também uma fonte de preocupação para outros moradores. Bento, que vive no morro há 50 anos, afirmou durante uma entrevista que a presença dos “gringos” na favela o preocupam porque, na opinião dele, “eles vêm maliciosamente, entendeu? Vão fotografando onde eles querem morar no futuro. A intenção deles é essa, tem essa intenção. De morar aqui em um big de um prédio”. Ele ressaltou ainda que:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">o turista não é bobo. (...) Se eles puderem, eles vão massacrar a gente (...) Agora estão começando a cobrar IPTU do povo na favela. Isso aí, a gente não vai aguentar pagar, não vai aguentar morar aqui não. Aí, eles entram. Então, eles têm essa visão proativa: vamos botar um big de um hotel no meio da comunidade (...) A visão deles é montar um Meridien no meio da comunidade (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Esta fala me chamou particular atenção, pois reunia uma série de especulações que eu já tinha ouvido em outras situações na favela. Antes da entrevista com Bento – realizada em março de 2011 – havia notado que circulava há algum tempo pelo morro a especulação de que os moradores e comerciantes da favela, em breve, não conseguiriam mais resistir à especulação imobiliária e ao aumento do custo de vida e acabariam alugando ou vendendo suas residências e estabelecimentos comerciais para empresários “da rua” e turistas.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Outro rumor que aparece no depoimento dado por Bento que eu já tinha ouvido anteriormente diz respeito aos empresários estrangeiros e brasileiros que tinham interesse em construir um hotel no Santa Marta. Ouvi moradores especularem que a construção de tal empreendimento podia ser resultado de dois processos diferentes: um de remoção tradicional (já que o Governo do Estado planeja remover residências do Pico) e um de “remoção branca” ou “gentrificação” que potencialmente pode ocorrer em todo o território da favela.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Muitos dos moradores do Pico que estão sofrendo ameaças de remoção temem que a primeira hipótese torne-se real. Embora o Governo alegue que as casas do Pico serão removidas, pois ali é considerada uma “área de risco”, os residentes da área temem que futuramente seja construído um hotel no local. Como o governo já mudou o projeto de urbanização do morro diversas vezes e até agora não apresentou o novo plano aos moradores, eles temem que o governo, no futuro, faça obras de contenção para que ali deixe de ser uma “área de risco” e, assim, a iniciativa privada possa construir algum empreendimento turístico ali. Um morador me disse que a remoção para ele nada mais é do que</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">uma possível jogada política e capitalista já que aqui tem uma visão privilegiada de 180 graus da Zona Sul, desde a Lagoa à Ponte Rio-Niterói. Então, futuramente podem fazer hotéis, pousadas, restaurantes, um mirante para visitação e publicação de imagens, fotos. Eles querem as pessoas que residem nesse local com o argumento de que ali é área de risco, mas depois que eles saírem, o Governo dá um jeito de fazer obra para que ali deixe de ser área de risco e passe a ser área de rico. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Para tentar barrar esse processo de remoção, algumas lideranças da favela entraram em contato com um engenheiro e pediram que ele realizasse um laudo técnico da área do Pico. Este contralaudo apontou que, diferentemente do que é dito pelo laudo da Geo-Rio, a área poderia ser habitada caso fossem realizadas algumas obras de contenção no alto do morro. O documento foi entregue para representantes do Governo que prometeram avaliá-lo e dar uma resposta aos moradores. No entanto, essa resposta não chegou até hoje e agentes do Governo continuam fazendo “pressão psicológica” para que os moradores aceitem sair de suas casas.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Moradores do Pico acreditam que existe uma “falta de vontade política” para urbanizar o Pico ao invés de remover as famílias que vivem ali há algumas décadas. E afirmam que essa “falta de vontade política” do poder público está diretamente associada a interesses econômicos de grandes empresários cariocas. Um morador do Pico me disse, em 2012, que tinha contato com pessoas que trabalham na prefeitura e no Governo do Estado que contaram que já estava tudo acertado para que o alto da favela fosse cedido para que o empresário Eike Batista ali construísse um hotel. É importante ressaltar que na época o empresário ainda não tinha falido e estava investindo muitos recursos em diversos empreendimentos na cidade. Por isso, também circulavam rumores pelo Tabajaras e por outros favelas que sofriam ameaça de remoção de que o Eike tinha interesse em investir em empreendimentos nessas localidades após as remoções.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No Tabajaras, os moradores especulavam que o empresário iria construir um grande ''resort'' para abrigar atletas e turistas que viessem para os Jogos Olímpicos. Eles apontavam que uma evidência do interesse de Eike por essas áreas seria o fato de o empresário ter feito “doações” de volumosos recursos para as UPPs. Bento afirmou, por exemplo, que na visão dele, Eike não teria feito doações para UPP, mas sim investimentos, assim como fazem diversos outros empresários e empresas que vêm realizando projetos na favela.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">O retorno desses “investimentos”, segundo Bento, chegaria em um futuro próximo. Ele prevê que como muitas pessoas não conseguirão pagar água, luz e ainda IPTU, logo começará a ocorrer uma “remoção branca” na favela. Na visão dele, esse processo estaria sendo articulado através de uma parceria entre o poder público e a iniciativa privada:</span></span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Tem a cara e a coroa. Eu vejo a coroa. Tem interesses aí nesse sentido, interesses políticos, socioeconômicos, uma porção de coisa. Eles não vêm aqui, não vêm conhecer povo. (...) Eles querem bater fotos, documentar, encomendar pesquisas. (...) Parece que eles vão atacar. Então, a projeção futura é essa. Por exemplo, está tendo aí esse negócio de “habite-se”. Teve uma senhora que ficou feliz da vida, mas agora, se fosse a minha mãe, ela tem 92 anos, ela (...) pegou o “habite-se”, mas ela vai pagar IPTU. E se ela não puder pagar? Vai perder o imóvel para o governo. O governo vai e leiloa. Aí vende para um Eike Batista desse aí disfarçado de americano. Tem interesses. Então, se não se reunir a comunidade, se continuar essa visão, eles vão tomar mesmo. Aqui, quem não tiver uma determinada renda, em um futuro bem próximo, não vai aguentar morar aqui não. A verdade é essa! (Trecho de entrevista de um morador do Santa Marta).</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Pesquisadores têm apontado que processos de “gentrificação” parecem estar em diversas favelas “pacificadas”, onde parte da população mais carente provavelmente &nbsp;não irá conseguir arcar com o aumento do custo de vida e, assim, permanecer por muito tempo no território valorizado. Uma espécie de efeito não esperado da implantação das UPPs e das consequentes ações de urbanização nas favelas por elas ocupadas pode ser, portanto, a criação de uma nova dinâmica de segregação socioespacial na cidade do Rio de Janeiro (Mazur; Pontes, 2011).</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Para Fleury não parece exagerado afirmar que existe em curso um projeto de metrópole vendável, que busca posicionar a cidade do Rio de Janeiro vantajosamente enquanto mercadoria consumível no contexto global. A autora destaca que “essa marca tem muitos produtos, e a favela carioca talvez seja um dos mais cobiçados”. Todavia, Fleury lembra que isto deve ser referido apenas às “favelas incrustadas nos bairros mais ricos da Cidade Maravilhosa e que estão dentro do circuito dos megaeventos, por onde circularão os turistas” (2013, p. 43).</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No Santa Marta, o medo de um processo de “gentrificação” parece estar muito mais presente no cotidiano dos moradores do que em outras favelas localizadas longe da Zona Sul. Todavia, é importante lembrar que há favelas da Zona Sul onde a “gentrificação” parece ocorrer em um ritmo ainda mais acelerado do que no Santa Marta. Como indicou um morador da favela:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Aqui no Santa Marta não está nesse patamar que já está no Vidigal porque aqui ninguém quer vender sua casa. (...) De um modo geral, os moradores não querem vender suas casas. Se vendesse, tinha gente para comprar. (...) Minha casa tem três andares. Por exemplo, eu vendo por R$500 mil. O que eu vou fazer com R$ 500 mil? Comprar o que e aonde? Vou viver onde? Vou para Campo Grande? Vou para onde? Não tem lógica isso. Vou ser fazendeiro e criar bicho? (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">A fala do morador explicita como “o afastamento das populações pobres das áreas mais nobres da cidade” ainda “permanece como uma espécie de fantasma que paira permanentemente sobre suas cabeças” (CUNHA; MELLO, 2011, p. 396). A volta do “fantasma da remoção” com uma nova roupagem vem forçando algumas importantes lideranças comunitárias a mudarem seus posicionamentos em relação ao processo de regularização fundiária das favelas e de titulação das propriedades nesses territórios. Itamar Silva, por exemplo, afirmou em um encontro promovido pela Casa Fluminense, na Fundação Getulio Vargas, que:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">no início dos anos 1980, quando a política de remoções havia sido superada, eu era a favor da titulação. Mas atualmente essa iniciativa contribuirá para se acabar com as favelas por intermédio do mercado, que, dessa forma, compraria as casas, descaracterizando as favelas e sua cultura. Então, por uma questão de resistência, sou contra essa opção nos termos atuais. A posse é legitimamente tutelada pelo direito brasileiro. Existem diversos outros instrumentos, como a concessão de direito real de uso, dos quais sou a favor. (Fala de Itamar na reportagem “Regularização fundiária em xeque” publicada no dia 08 de agosto de 2013 no Canal Ibase[[#_ftn5|<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">[5]</span></span>]])</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No mesmo encontro, o pesquisador Rafael Soares Gonçalves apontou que acredita que a titulação levaria à gentrificação das favelas, já que “as famílias sofreriam pressão para vender suas casas”. E lembrou que “hoje, já vemos festas caríssimas dentro das favelas com UPPs, com preços proibitivos para o próprio morador”. Essas festas às quais Barbosa se refere, vêm sendo promovidas, por exemplo, na escola de samba, no Santa Marta por grandes cervejarias – como a Antártica –, blocos de carnaval – como o Spanta Neném – e famosos ''promoters'', produtores e Djs da cidade. Eventos esses que são frequentados majoritariamente por pessoas “de fora” da favela e geram opiniões controversas entre os moradores do Santa Marta. Os comerciantes da parte baixa da favela – onde fica localizada a quadra da escola de samba na qual ocorrem a maior parte desses eventos –, beneficiam-se com o grande de movimento de pessoas que frequentam essas festas. E são favorecidos também os moradores que alugam lajes onde são promovidas festas:</span></span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">As pessoas que vêm para as festas aqui na quadra consomem mais ali fora do que dentro da quadra. Nós estamos perguntando ao Spanta Neném todo dia quando que vai começar o Morro de Alegria, que eu já não aguento mais esperar! Eu estou quase, eu mesma, fazendo o Morro de Alegria! Eu até queria, mas não posso não, para fazer isso tem que ter muito dinheiro! Tem que investir muito! (Trecho de entrevista com uma comerciante do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Sábado agora teve uma festa com o pessoal da rua que foram 287 pessoas da rua e quatro pessoas do morro. (...) Aí, através dessa festa, agora, já sábado que vem, uma outra mulher da rua quer fazer uma festa para 150 convidados, só [com o pessoal] da rua. (Trecho de entrevista com um morador que aluga sua laje para festas)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Os “moradores comuns”, contudo, queixam-se dos preços dos ingressos. Como afirmou um jovem: “para você ter uma ideia, tem um show que custa R$ 200 a entrada. Entendeu? Então é um outro patamar de... É uma outra realidade”. Devido a esses altos preços, os moradores acabam sendo impedidos de frequentar as festas realizadas no morro. Além disso, os produtores culturais da favela também reclamam da situação atual e indicam que eles vêm encontrando uma dupla dificuldade para realizar eventos dentro da favela. O primeiro empecilho é imposto pela UPP que nem sempre dá autorização para que os eventos propostos por eles sejam realizados. E o segundo é imposto pelo mercado. Como contou um “agente cultural” do Santa Marta:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Agora são só os playboyzinhos da Zona Sul que podem fazer festa no morro? Não! Eu sou nascido e criado, eu moro no Santa Marta e eu vou fazer minha festa. (...). Só que eu não posso fazer uma festa para o favelado? (...) Isso acontece porque não tem espaço (...). Aluguel da quadra é R$ 4 mil, mas se o cara falar... Nós estamos em abril, se o cara da quadra fala “em junho eu alugo para você”, eu me programo agora, faço divulgação e em junho eu pago aqueles R$ 4 mil dele mole. Vou fazer uma coisa boa. Mas já está agendado tudo para gente fora aí e fica difícil de achar vaga e competir com produtores que têm muito mais dinheiro que a gente para investir. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Em resumo, é possível dizer, portanto, que as transformações que ocorreram após a “pacificação” geraram novas oportunidades para uma parte dos favelados – especialmente para aqueles que têm um “perfil empreendedor”. No entanto, muitas dessas mudanças trouxeram também novas preocupações para grande parte da população de favelas com UPP. Comerciantes temem não conseguir manter seus estabelecimentos abertos, uma vez que há uma forte concorrência de empresários “de fora” que já estão atuando ou desejam atuar na favela. E moradores passaram a viver com receio de não poder permanecer habitando nessa “favela modelo”, “segura” e “cheia de oportunidades” que foi criada pela UPP e por todas as intervenções que a seguiram.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p>  
= &nbsp; =
<p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">Água morro abaixo e fogo morro acima e invasão de turistas em favelas pacificadas é difícil de conter. Algo precisa ser feito para que a positividade do momento não transforme esses lugares em comunidades “só pra inglês ver”. As favelas pacificadas tornaram-se alvo de uma volúpia consumidora poucas vezes vista no Rio de Janeiro. A partir do momento em que se instalaram as Unidades de Polícia Pacificadora - UPP em algumas favelas, é como se tivesse sido descoberto um novo sarcófago de Tutankamon, o faraó egípcio. Uma legião de turistas, pesquisadores, empresários, comerciantes “descobriram” as favelas. (Trecho do artigo “Turismo na favela: E os moradores?” de Itamar Silva publicado no jornal ''O Dia'' em 31 de janeiro de 2013)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">A visitação de estrangeiros a favelas não é um fenômeno novo. No entanto, é preciso ressaltar que nunca antes houve um número tão grande de pessoas interessadas em visitar esses “territórios da pobreza” urbana como há atualmente. Como afirmou um morador do Santa Marta: “sempre vieram pessoas de fora aqui no Santa Marta. Mas, a partir da instalação da UPP é que aumentou absurdamente a quantidade de turista aqui no morro”.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Freire-Medeiros (2007), indica que desde o início dos anos 1990, além do significativo aumento do número de pessoas que vem visitando favelas, houve uma transformação na forma como essas visitas eram e agora são realizadas. Se antes as visitas a favelas eram feitas, quase sempre, individualmente e aconteciam de forma espontânea e dispersa, agora elas são realizadas, na maior parte das vezes, em grupos e são organizadas por agências ou guias individuais de turismo. Segundo Freire-Medeiros, essas mudanças são produtos de um processo mais amplo: a conversão da ''favela carioca ''em mercadoria turística.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Depois que a Rocinha se tornou o caso paradigmático de “favela turística”, com passeios ocorrendo regularmente desde a Eco 92, moradores, agentes privados tentaram se organizar para explorar, de diferentes maneiras, os “potenciais turísticos” de várias favelas. No caso do Santa Marta, foi o poder público que resolveu transformar a favela em uma atração turística oficial da cidade, dois anos após o início do processo de “pacificação”, através da criação do Rio Top Tour, como já foi dito acima.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Embora algumas pessoas critiquem o projeto e se queixem da presença de turistas – que &nbsp;nem sempre respeitam a privacidade da população da favela e tiram fotos de moradores sem pedir autorização –, há moradores do Santa Marta que afirmam que o projeto significou um ponto de inflexão na trajetória de vida deles. Isso porque, a partir do Rio Top Tour, eles começaram a investir em novas atividades profissionais, tornaram-se, por exemplo, guias de turismo, artesãos e empreendedores que investiram na abertura de agências de turismo, albergues, barraquinhas de artesanato e lojas de ''souvenirs'' na favela.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">A presença constante de turistas no Santa Marta, sem dúvida, passou a ser uma importante fonte de renda para aqueles que trabalham com turismo e com comércio na favela, mas tornou-se também uma fonte de preocupação para outros moradores. Bento, que vive no morro há 50 anos, afirmou durante uma entrevista que a presença dos “gringos” na favela o preocupam porque, na opinião dele, “eles vêm maliciosamente, entendeu? Vão fotografando onde eles querem morar no futuro. A intenção deles é essa, tem essa intenção. De morar aqui em um big de um prédio”. Ele ressaltou ainda que:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">o turista não é bobo. (...) Se eles puderem, eles vão massacrar a gente (...) Agora estão começando a cobrar IPTU do povo na favela. Isso aí, a gente não vai aguentar pagar, não vai aguentar morar aqui não. Aí, eles entram. Então, eles têm essa visão proativa: vamos botar um big de um hotel no meio da comunidade (...) A visão deles é montar um Meridien no meio da comunidade (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Esta fala me chamou particular atenção, pois reunia uma série de especulações que eu já tinha ouvido em outras situações na favela. Antes da entrevista com Bento – realizada em março de 2011 – havia notado que circulava há algum tempo pelo morro a especulação de que os moradores e comerciantes da favela, em breve, não conseguiriam mais resistir à especulação imobiliária e ao aumento do custo de vida e acabariam alugando ou vendendo suas residências e estabelecimentos comerciais para empresários “da rua” e turistas.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Outro rumor que aparece no depoimento dado por Bento que eu já tinha ouvido anteriormente diz respeito aos empresários estrangeiros e brasileiros que tinham interesse em construir um hotel no Santa Marta. Ouvi moradores especularem que a construção de tal empreendimento podia ser resultado de dois processos diferentes: um de remoção tradicional (já que o Governo do Estado planeja remover residências do Pico) e um de “remoção branca” ou “gentrificação” que potencialmente pode ocorrer em todo o território da favela.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Muitos dos moradores do Pico que estão sofrendo ameaças de remoção temem que a primeira hipótese torne-se real. Embora o Governo alegue que as casas do Pico serão removidas, pois ali é considerada uma “área de risco”, os residentes da área temem que futuramente seja construído um hotel no local. Como o governo já mudou o projeto de urbanização do morro diversas vezes e até agora não apresentou o novo plano aos moradores, eles temem que o governo, no futuro, faça obras de contenção para que ali deixe de ser uma “área de risco” e, assim, a iniciativa privada possa construir algum empreendimento turístico ali. Um morador me disse que a remoção para ele nada mais é do que</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">uma possível jogada política e capitalista já que aqui tem uma visão privilegiada de 180 graus da Zona Sul, desde a Lagoa à Ponte Rio-Niterói. Então, futuramente podem fazer hotéis, pousadas, restaurantes, um mirante para visitação e publicação de imagens, fotos. Eles querem as pessoas que residem nesse local com o argumento de que ali é área de risco, mas depois que eles saírem, o Governo dá um jeito de fazer obra para que ali deixe de ser área de risco e passe a ser área de rico. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Para tentar barrar esse processo de remoção, algumas lideranças da favela entraram em contato com um engenheiro e pediram que ele realizasse um laudo técnico da área do Pico. Este contralaudo apontou que, diferentemente do que é dito pelo laudo da Geo-Rio, a área poderia ser habitada caso fossem realizadas algumas obras de contenção no alto do morro. O documento foi entregue para representantes do Governo que prometeram avaliá-lo e dar uma resposta aos moradores. No entanto, essa resposta não chegou até hoje e agentes do Governo continuam fazendo “pressão psicológica” para que os moradores aceitem sair de suas casas.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Moradores do Pico acreditam que existe uma “falta de vontade política” para urbanizar o Pico ao invés de remover as famílias que vivem ali há algumas décadas. E afirmam que essa “falta de vontade política” do poder público está diretamente associada a interesses econômicos de grandes empresários cariocas. Um morador do Pico me disse, em 2012, que tinha contato com pessoas que trabalham na prefeitura e no Governo do Estado que contaram que já estava tudo acertado para que o alto da favela fosse cedido para que o empresário Eike Batista ali construísse um hotel. É importante ressaltar que na época o empresário ainda não tinha falido e estava investindo muitos recursos em diversos empreendimentos na cidade. Por isso, também circulavam rumores pelo Tabajaras e por outros favelas que sofriam ameaça de remoção de que o Eike tinha interesse em investir em empreendimentos nessas localidades após as remoções.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No Tabajaras, os moradores especulavam que o empresário iria construir um grande ''resort'' para abrigar atletas e turistas que viessem para os Jogos Olímpicos. Eles apontavam que uma evidência do interesse de Eike por essas áreas seria o fato de o empresário ter feito “doações” de volumosos recursos para as UPPs. Bento afirmou, por exemplo, que na visão dele, Eike não teria feito doações para UPP, mas sim investimentos, assim como fazem diversos outros empresários e empresas que vêm realizando projetos na favela.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">O retorno desses “investimentos”, segundo Bento, chegaria em um futuro próximo. Ele prevê que como muitas pessoas não conseguirão pagar água, luz e ainda IPTU, logo começará a ocorrer uma “remoção branca” na favela. Na visão dele, esse processo estaria sendo articulado através de uma parceria entre o poder público e a iniciativa privada:</span></span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Tem a cara e a coroa. Eu vejo a coroa. Tem interesses aí nesse sentido, interesses políticos, socioeconômicos, uma porção de coisa. Eles não vêm aqui, não vêm conhecer povo. (...) Eles querem bater fotos, documentar, encomendar pesquisas. (...) Parece que eles vão atacar. Então, a projeção futura é essa. Por exemplo, está tendo aí esse negócio de “habite-se”. Teve uma senhora que ficou feliz da vida, mas agora, se fosse a minha mãe, ela tem 92 anos, ela (...) pegou o “habite-se”, mas ela vai pagar IPTU. E se ela não puder pagar? Vai perder o imóvel para o governo. O governo vai e leiloa. Aí vende para um Eike Batista desse aí disfarçado de americano. Tem interesses. Então, se não se reunir a comunidade, se continuar essa visão, eles vão tomar mesmo. Aqui, quem não tiver uma determinada renda, em um futuro bem próximo, não vai aguentar morar aqui não. A verdade é essa! (Trecho de entrevista de um morador do Santa Marta).</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Pesquisadores têm apontado que processos de “gentrificação” parecem estar em diversas favelas “pacificadas”, onde parte da população mais carente provavelmente &nbsp;não irá conseguir arcar com o aumento do custo de vida e, assim, permanecer por muito tempo no território valorizado. Uma espécie de efeito não esperado da implantação das UPPs e das consequentes ações de urbanização nas favelas por elas ocupadas pode ser, portanto, a criação de uma nova dinâmica de segregação socioespacial na cidade do Rio de Janeiro (Mazur; Pontes, 2011).</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Para Fleury não parece exagerado afirmar que existe em curso um projeto de metrópole vendável, que busca posicionar a cidade do Rio de Janeiro vantajosamente enquanto mercadoria consumível no contexto global. A autora destaca que “essa marca tem muitos produtos, e a favela carioca talvez seja um dos mais cobiçados”. Todavia, Fleury lembra que isto deve ser referido apenas às “favelas incrustadas nos bairros mais ricos da Cidade Maravilhosa e que estão dentro do circuito dos megaeventos, por onde circularão os turistas” (2013, p. 43).</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No Santa Marta, o medo de um processo de “gentrificação” parece estar muito mais presente no cotidiano dos moradores do que em outras favelas localizadas longe da Zona Sul. Todavia, é importante lembrar que há favelas da Zona Sul onde a “gentrificação” parece ocorrer em um ritmo ainda mais acelerado do que no Santa Marta. Como indicou um morador da favela:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Aqui no Santa Marta não está nesse patamar que já está no Vidigal porque aqui ninguém quer vender sua casa. (...) De um modo geral, os moradores não querem vender suas casas. Se vendesse, tinha gente para comprar. (...) Minha casa tem três andares. Por exemplo, eu vendo por R$500 mil. O que eu vou fazer com R$ 500 mil? Comprar o que e aonde? Vou viver onde? Vou para Campo Grande? Vou para onde? Não tem lógica isso. Vou ser fazendeiro e criar bicho? (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">A fala do morador explicita como “o afastamento das populações pobres das áreas mais nobres da cidade” ainda “permanece como uma espécie de fantasma que paira permanentemente sobre suas cabeças” (CUNHA; MELLO, 2011, p. 396). A volta do “fantasma da remoção” com uma nova roupagem vem forçando algumas importantes lideranças comunitárias a mudarem seus posicionamentos em relação ao processo de regularização fundiária das favelas e de titulação das propriedades nesses territórios. Itamar Silva, por exemplo, afirmou em um encontro promovido pela Casa Fluminense, na Fundação Getulio Vargas, que:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">no início dos anos 1980, quando a política de remoções havia sido superada, eu era a favor da titulação. Mas atualmente essa iniciativa contribuirá para se acabar com as favelas por intermédio do mercado, que, dessa forma, compraria as casas, descaracterizando as favelas e sua cultura. Então, por uma questão de resistência, sou contra essa opção nos termos atuais. A posse é legitimamente tutelada pelo direito brasileiro. Existem diversos outros instrumentos, como a concessão de direito real de uso, dos quais sou a favor. (Fala de Itamar na reportagem “Regularização fundiária em xeque” publicada no dia 08 de agosto de 2013 no Canal Ibase[[#_ftn5|<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">[5]</span></span>]])</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">No mesmo encontro, o pesquisador Rafael Soares Gonçalves apontou que acredita que a titulação levaria à gentrificação das favelas, já que “as famílias sofreriam pressão para vender suas casas”. E lembrou que “hoje, já vemos festas caríssimas dentro das favelas com UPPs, com preços proibitivos para o próprio morador”. Essas festas às quais Barbosa se refere, vêm sendo promovidas, por exemplo, na escola de samba, no Santa Marta por grandes cervejarias – como a Antártica –, blocos de carnaval – como o Spanta Neném – e famosos ''promoters'', produtores e Djs da cidade. Eventos esses que são frequentados majoritariamente por pessoas “de fora” da favela e geram opiniões controversas entre os moradores do Santa Marta. Os comerciantes da parte baixa da favela – onde fica localizada a quadra da escola de samba na qual ocorrem a maior parte desses eventos –, beneficiam-se com o grande de movimento de pessoas que frequentam essas festas. E são favorecidos também os moradores que alugam lajes onde são promovidas festas:</span></span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">As pessoas que vêm para as festas aqui na quadra consomem mais ali fora do que dentro da quadra. Nós estamos perguntando ao Spanta Neném todo dia quando que vai começar o Morro de Alegria, que eu já não aguento mais esperar! Eu estou quase, eu mesma, fazendo o Morro de Alegria! Eu até queria, mas não posso não, para fazer isso tem que ter muito dinheiro! Tem que investir muito! (Trecho de entrevista com uma comerciante do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Sábado agora teve uma festa com o pessoal da rua que foram 287 pessoas da rua e quatro pessoas do morro. (...) Aí, através dessa festa, agora, já sábado que vem, uma outra mulher da rua quer fazer uma festa para 150 convidados, só [com o pessoal] da rua. (Trecho de entrevista com um morador que aluga sua laje para festas)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Os “moradores comuns”, contudo, queixam-se dos preços dos ingressos. Como afirmou um jovem: “para você ter uma ideia, tem um show que custa R$ 200 a entrada. Entendeu? Então é um outro patamar de... É uma outra realidade”. Devido a esses altos preços, os moradores acabam sendo impedidos de frequentar as festas realizadas no morro. Além disso, os produtores culturais da favela também reclamam da situação atual e indicam que eles vêm encontrando uma dupla dificuldade para realizar eventos dentro da favela. O primeiro empecilho é imposto pela UPP que nem sempre dá autorização para que os eventos propostos por eles sejam realizados. E o segundo é imposto pelo mercado. Como contou um “agente cultural” do Santa Marta:</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:normal"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Agora são só os playboyzinhos da Zona Sul que podem fazer festa no morro? Não! Eu sou nascido e criado, eu moro no Santa Marta e eu vou fazer minha festa. (...). Só que eu não posso fazer uma festa para o favelado? (...) Isso acontece porque não tem espaço (...). Aluguel da quadra é R$ 4 mil, mas se o cara falar... Nós estamos em abril, se o cara da quadra fala “em junho eu alugo para você”, eu me programo agora, faço divulgação e em junho eu pago aqueles R$ 4 mil dele mole. Vou fazer uma coisa boa. Mas já está agendado tudo para gente fora aí e fica difícil de achar vaga e competir com produtores que têm muito mais dinheiro que a gente para investir. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)</span></span></span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Em resumo, é possível dizer, portanto, que as transformações que ocorreram após a “pacificação” geraram novas oportunidades para uma parte dos favelados – especialmente para aqueles que têm um “perfil empreendedor”. No entanto, muitas dessas mudanças trouxeram também novas preocupações para grande parte da população de favelas com UPP. Comerciantes temem não conseguir manter seus estabelecimentos abertos, uma vez que há uma forte concorrência de empresários “de fora” que já estão atuando ou desejam atuar na favela. E moradores passaram a viver com receio de não poder permanecer habitando nessa “favela modelo”, “segura” e “cheia de oportunidades” que foi criada pela UPP e por todas as intervenções que a seguiram.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p>  
= <span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">“Queremos Favela Modelo de verdade e não maquiagem!”</span></span></span> &nbsp; =
= <span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:115%">“Queremos Favela Modelo de verdade e não maquiagem!”</span></span></span> &nbsp; =
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">O mês de junho de 2013 foi marcado por manifestações e mobilizações sociais em todo o Brasil. Alguns moradores de favelas “pacificadas”, impulsionados pela energia crítica presente na atmosfera da cidade do Rio de Janeiro naquele momento, organizaram manifestações nos bairros aonde vivem. No dia 8 de julho, os moradores do Santa Marta, por exemplo, organizaram um protesto pelas ruas de Botafogo para expressar sua insatisfação em relação à distorção que havia entre a imagem vendida da favela e a experiência cotidiana no morro. No texto de convocação para a reunião era dito:</span></span></span></span></p> <p class="MsoFootnoteText" style="margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p class="MsoFootnoteText" style="margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Queremos Favela Modelo de verdade e não maquiagem!</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Tá cansado de pagar conta de luz muito alta?</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Cansado de ter que subir a pé por causa das más condições do bonde??</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Cansado de pagar esgoto quando ainda temos valas abertas?</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Vivendo a insegurança de ser removido??</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Então vem pra rua! O Santa Marta vai descer e reivindicar pra ser uma FAVELA MODELO de verdade!</span></span></p>  
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">O mês de junho de 2013 foi marcado por manifestações e mobilizações sociais em todo o Brasil. Alguns moradores de favelas “pacificadas”, impulsionados pela energia crítica presente na atmosfera da cidade do Rio de Janeiro naquele momento, organizaram manifestações nos bairros aonde vivem. No dia 8 de julho, os moradores do Santa Marta, por exemplo, organizaram um protesto pelas ruas de Botafogo para expressar sua insatisfação em relação à distorção que havia entre a imagem vendida da favela e a experiência cotidiana no morro. No texto de convocação para a reunião era dito:</span></span></span></span></p> <p class="MsoFootnoteText" style="margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p class="MsoFootnoteText" style="margin-left:1.0cm; text-align:justify"><span style="font-family:Times New Roman,Times,serif;"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Queremos Favela Modelo de verdade e não maquiagem!</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Tá cansado de pagar conta de luz muito alta?</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Cansado de ter que subir a pé por causa das más condições do bonde??</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Cansado de pagar esgoto quando ainda temos valas abertas?</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Vivendo a insegurança de ser removido??</span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt">Então vem pra rua! O Santa Marta vai descer e reivindicar pra ser uma FAVELA MODELO de verdade!</span></span></p>